— Você chorava, gritava, recusava-se a fazer o tratamento e só pensava em morrer. O Sr. Sílvio realmente não sabia mais o que fazer com você. Ele não queria que você morresse, então aceitou minha sugestão e aplicou em você a injeção de amnésia. Se ele tivesse outra maneira de fazer você esquecer a dor e aceitar o tratamento, jamais teria tomado essa decisão. Mas a verdade, Srta. Lúcia, é que o estado de saúde do Sr. Sílvio chegou a esse ponto, em parte, por sua causa. A senhora precisava de um fígado, e o único compatível era o dele. Sílvio, depois de anos trabalhando incansavelmente pelo Grupo Baptista, já estava com a saúde completamente debilitada. Doar uma parte do fígado para você era praticamente suicídio para alguém com o histórico dele.Dr. Bruno fez uma pausa rápida e continuou:— Aquela cirurgia... Eu nunca vou esquecer. Sílvio quase não saiu vivo da mesa de operação. Mesmo assim, ele assumiu o risco para salvar você. Ele sobreviveu, mas passou semanas na UTI. Durante esse te
— Srta. Lúcia, o resultado do teste de compatibilidade saiu. Assim como a senhora imaginava, foi um sucesso. — Disse Dr. Bruno.Lúcia segurou o celular com firmeza, enquanto a voz do outro lado da linha parecia aliviar, pouco a pouco, a tensão que ela carregava. Não era apego ao passado, ela pensava, mas sim a vontade de não carregar a culpa de uma dívida de vida. Ele havia doado parte do fígado para ela, e agora ela retribuiria doando a medula. Depois disso, estariam quites, sem nada que os ligasse.Na manhã seguinte, Lúcia adiou uma reunião importante e foi ao hospital para realizar a doação de medula. Antes de sair, deu instruções claras ao Dr. Bruno:— Faça o máximo para salvar o Sílvio. Os custos Dr. Brunos podem ser debitados na conta do Grupo Baptista.Dr. Bruno assentiu:— E se ele perguntar quem é o doador?— Diga que a pessoa pediu anonimato.Lúcia não queria mais nenhum tipo de vínculo com Sílvio. Já estava cansada daquela relação desgastante e dos vai-e-voltas intermináveis
Sílvio já não tinha mais coragem de continuar vivendo. Dever tanto a Lúcia, ser o responsável indireto pela morte da família dela... Por causa dele, ela se tornou órfã. A família Baptista foi destruída por sua causa.Agora que Lúcia havia recuperado a memória, o ódio que ela sentia por ele era profundo, quase palpável. Mesmo que ele sobrevivesse, o que isso mudaria? Lúcia já estava perdida para ele, para sempre.O destino tem um jeito cruel de brincar com as pessoas. A medula compatível, que nunca havia aparecido antes, surgiu justamente agora, quando ele já havia resolvido tudo, afastado Lúcia de vez e desistido de tudo. Sem Lúcia, a vida não fazia mais sentido.Mesmo que a cirurgia fosse um sucesso, mesmo que ele sobrevivesse, ele seria obrigado a assistir Lúcia e Basílio juntos? Vê-la casar, ter filhos, construir uma vida com outro homem? Sílvio não era tão magnânimo. Não conseguiria suportar isso. Se ele estivesse vivo, inevitavelmente tentaria reconquistá-la.Depois de muito ref
Bruno começou a entender por que Sílvio não queria fazer a cirurgia. Ele olhou para o homem na cadeira de rodas com certa cautela:— Sr. Sílvio, o senhor não tem curiosidade em saber quem é a pessoa que vai doar a medula para você?— Não quero saber. — Sílvio respondeu com frieza, sem levantar os olhos.Bruno havia prometido a Lúcia que manteria segredo. Mas, diante da situação, percebeu que não tinha escolha. Precisava contar a verdade:— É a senhora sua esposa.Assim que ouviu aquelas palavras, tanto Sílvio quanto Leopoldo ergueram os rostos, surpresos, encarando Bruno.— Ontem à noite, depois de visitar o senhor, a Sra. Lúcia veio até meu consultório para verificar seu prontuário médico. — Bruno explicou, com um suspiro. — Ela fez o teste de compatibilidade e me pediu que mantivesse tudo em segredo. Por isso não contei antes.Os olhos de Leopoldo brilharam, cheios de esperança. Ele virou-se novamente para Sílvio:— Sr. Sílvio, ouviu isso? Foi a senhora quem decidiu doar a medula par
Percebendo que Sílvio observava a barraca com atenção, a dona, rápida, virou-se para ele e começou a oferecer seus produtos:— Senhor, que tal levar um dos meus crucifixos da sorte? São todos feitos à mão!— Eles realmente trazem sorte? — Sílvio perguntou, olhando para os crucifixos pendurados. Um a um, eles balançavam suavemente ao vento, com pequenos crucifixos pendendo de suas extremidades.Leopoldo, ao lado, respondeu:— Nosso senhor vai passar por uma cirurgia hoje à noite.— Então é ainda mais importante levar um crucifixo da sorte! — Disse a mulher, com um sorriso confiante. — Ele traz proteção e realiza o que o coração deseja. "É só acreditar."Sílvio lançou um olhar para Leopoldo, que rapidamente entendeu o recado e pagou por um crucifixo. Não importava se funcionava ou não, era um gesto simbólico. Um bom presságio.Enquanto isso, a menina que fazia sua lição de casa ao lado da dona da barraca aproximou-se timidamente de Sílvio. Inclinando a cabeça, perguntou com cuidado:— Ti
Na rua, as luzes de néon piscavam incessantemente, refletindo nos vidros das janelas e criando um brilho vibrante na noite.Lúcia e Basílio saíram do restaurante após o jantar. Sempre cavalheiro, Basílio segurou a porta de vidro para ela passar.Ela sorriu delicadamente, agradeceu e, com um leve toque de salto alto, desceu os degraus.— Vou te acompanhar até em casa. Vamos andando, é bom para espairecer. — Basílio carregava o paletó dobrado no braço, com o olhar firme e postura impecável. Um verdadeiro exemplo de elegância e profissionalismo.Enquanto falava, seus olhos ligeiramente estreitos e expressivos arquearam-se em um sorriso discreto.Lúcia estava prestes a recusar, mas Basílio, com um sorriso ainda mais marcado, continuou:— Além disso, quero aproveitar para conversar sobre os novos projetos do Grupo Baptista com a senhorita. Ou vai continuar me recusando?A brisa noturna soprou suavemente, tocando o rosto de Lúcia e levantando sutilmente a barra de sua saia.Basílio caminhava
Basílio curvou levemente os lábios, deixando escapar um sorriso involuntário. "Então quer dizer que talvez eu tenha uma chance?"— A senhorita é do tipo que gosta de nostalgia? Prefere comer as mesmas comidas, usar as mesmas coisas, sem vontade de experimentar o novo? — Perguntou Basílio.— Sim. — Lúcia assentiu com um movimento simples.— Então, meu conselho é: experimente coisas novas. Seja comida, seja... sentimentos. Quanto mais você vê, quanto mais experimenta, mais entende o que realmente importa. Só assim você descobre o que verdadeiramente precisa. É como gostar de bolo. Você pode jurar que ama bolo, até que um dia, sem querer, prova um pudim… e talvez se surpreenda.Lúcia não respondeu. Era impossível não entender as intenções nas entrelinhas das palavras dele.— Na minha opinião, Srta. Lúcia, o que você sente pelo Sílvio talvez seja apenas... hábito.— Hábito? — Lúcia virou o rosto em sua direção, com os olhos levemente curiosos.Basílio sorriu de novo, com aquele ar despreoc
— Hm? — Lúcia franziu as sobrancelhas, olhando para Basílio com um toque de dúvida.A voz dele era suave, com um brilho peculiar nos olhos, que pareciam refletir cada palavra:— Na verdade, conheço a Lúcia há mais tempo do que você conhece o Sílvio.Lúcia o encarou por alguns segundos, tentando buscar na memória algum vestígio, mas acabou franzindo os lábios em um gesto de desculpa:— Me desculpe, não consigo me lembrar.— Quando estávamos no ensino fundamental, eu sofria muito por ser um filho ilegítimo. Meus colegas me provocavam, me isolavam. Foi você quem se colocou no meu lugar. Você ficou na minha frente, enfrentou eles e disse que eu era seu amigo. Que quem mexesse comigo estaria mexendo com você, a herdeira da família Baptista.Basílio fez uma pausa antes de continuar:— Não fomos apenas colegas no ensino fundamental. Também estudamos juntos no ensino médio, na faculdade…O sorriso de Basílio tornou-se mais melancólico, quase amargo:— Lúcia, já nos conhecemos há mais de dez an