— Hm? — Lúcia franziu as sobrancelhas, olhando para Basílio com um toque de dúvida.A voz dele era suave, com um brilho peculiar nos olhos, que pareciam refletir cada palavra:— Na verdade, conheço a Lúcia há mais tempo do que você conhece o Sílvio.Lúcia o encarou por alguns segundos, tentando buscar na memória algum vestígio, mas acabou franzindo os lábios em um gesto de desculpa:— Me desculpe, não consigo me lembrar.— Quando estávamos no ensino fundamental, eu sofria muito por ser um filho ilegítimo. Meus colegas me provocavam, me isolavam. Foi você quem se colocou no meu lugar. Você ficou na minha frente, enfrentou eles e disse que eu era seu amigo. Que quem mexesse comigo estaria mexendo com você, a herdeira da família Baptista.Basílio fez uma pausa antes de continuar:— Não fomos apenas colegas no ensino fundamental. Também estudamos juntos no ensino médio, na faculdade…O sorriso de Basílio tornou-se mais melancólico, quase amargo:— Lúcia, já nos conhecemos há mais de dez an
— Prometa para mim que vai pensar a respeito? Hm? — Basílio arrastou o tom, a voz misturando súplica e um toque quase manhoso.As palavras de recusa que já estavam na ponta da língua de Lúcia ficaram presas na garganta. Por tudo que Basílio já tinha feito por ela, sempre estendendo a mão nos momentos mais difíceis, ela não conseguia simplesmente rejeitá-lo. Além disso, ele guardou esse sentimento por dez anos. Como ela poderia ignorar isso?— Tudo bem. — Respondeu Lúcia.— Em dois meses, pode me dar uma resposta?— Tudo bem.De volta à mansão da família Baptista, Lúcia entrou em casa e tirou os sapatos de salto. Com os dedos, ligou o interruptor na parede, acendendo a luz amarelada que suavizou o ambiente frio e vazio do lugar.Carregando a bolsa, ela caminhou descalça sobre o chão de porcelanato gelado. A sensação fria subiu das solas dos pés até o resto do corpo.Deixou a bolsa no pequeno sofá e foi até a cafeteira. Ligou o aparelho, e em poucos minutos o cheiro de café quente já tom
Lúcia não conseguia acreditar. Ele havia passado por uma cirurgia há apenas dois meses e, considerando seu estado, deveria estar no hospital.Os lábios dela foram tomados de forma urgente, com beijos que misturavam mordidas e carícias. A respiração, o toque... tudo era tão familiar, tão incrivelmente igual ao homem que estava gravado em sua memória.— Lúcia, eu voltei. Estava com tanta saudade de você. Muita, muita saudade.Ele segurava o queixo dela, esfregando o rosto contra o dela. Lágrimas quentes e cristalinas escorriam pelos cantos de seus olhos, manchando a maquiagem que ela ainda não havia retirado.A voz dele tremia, rouca e carregada de emoção. Era uma voz embargada, cheia de um choro contido.Por um breve momento, Lúcia ficou paralisada, perdida. Mas então, a realidade a atingiu como um raio. Eles estavam divorciados. Não havia mais nenhum vínculo entre eles. E agora, aquele abraço, aquele contato, o que significava? Como poderiam se envolver novamente?Impulsivamente, Lúcia
— Se não quer me atrapalhar, fique longe de mim. — Lúcia lançou-lhe um olhar impaciente, cheia de irritação ao encarar aquele rosto pálido e abatido. — Sílvio, você agora não tem mais nada. Com que direito fala em se casar comigo de novo? Você acha que merece?Ele merece? Claro que não. Mas ele queria se redimir.Sílvio mexeu os lábios, como se buscasse forças para responder:— Quero te compensar. Com o resto da minha vida.Compensar? Ele mudava de atitude como quem troca de roupa. Para ele, parecia que Lúcia era apenas um objeto sem alma, sem pensamento próprio.Com os olhos marejados, ela gritou, com a voz embargada:— Não preciso disso! Sílvio, não dá mais! Não dá mais! Se você realmente quer me compensar, suma da minha vida! Porque só de olhar para sua cara, fico irritada. Só de te ver, eu perco a paciência!As palavras bateram em Sílvio como um balde de água fria, apagando qualquer faísca de coragem que ele havia reunido.Ele piscou os olhos secos, tentando processar o que tinha e
"Conversar?"Lúcia quase riu. Ela realmente não sabia o que Sílvio queria. Quando ela o amava com toda sua intensidade, ele a tratava com frieza e sarcasmo, afastando-a e deixando claro que não queria mais nada com ela. Ele fez questão de gravar na mente dela lembranças dolorosas.Agora que ela finalmente havia seguido em frente, sem nunca mais interferir na vida dele, ele reaparecia, fingindo ser o homem apaixonado."Um homem que vai e volta, sem saber o que quer."Lúcia percebeu, subitamente, que tudo aquilo que ela tanto desejou no passado, agora que o destino colocava em suas mãos, já não a fazia sentir absolutamente nada. Ela estava cansada. Cansada de Sílvio, cansada de suas idas e vindas, cansada de toda a dor e da sensação de estar sempre em dívida.— Srta. Lúcia, vou buscar o carro. — Basílio, sempre educado, percebeu a tensão no ar e, como o cavalheiro que era, preferiu se afastar, dando-lhes espaço para conversar.Mas Lúcia ergueu a mão, impedindo-o.Com irritação, começou a
Sílvio a encarou profundamente, com os olhos fixos nos dela:— Se você está dizendo essas palavras frias e mentirosas só para me fazer desistir, Lúcia, você é muito ingênua. Desta vez, não importa o que aconteça, eu não vou abrir mão de você. Vou mostrar meu coração, pouco a pouco, até que você me perdoe.Lúcia e Basílio saíram juntos, parecendo um casal apaixonado.Sílvio ficou parado, observando enquanto Basílio, com sua postura impecável, abria a porta do passageiro para ela. Lúcia entrou no carro com um sorriso tranquilo, e o veículo seguiu pela estrada, desaparecendo de vista.No restaurante japonês, o ambiente era decorado exatamente como Lúcia gostava. A mesa estava repleta de pratos, todos escolhidos cuidadosamente para agradar o paladar dela.— Você lembra do que eu gosto de comer? — Lúcia perguntou, segurando os hashis, claramente surpresa. Na mesa, não havia um único prato que ela não apreciasse.Do outro lado da mesa, Basílio ergueu a mão elegante, pegou o copo d’água e res
Basílio era tão caloroso, tão cuidadoso, tão puro, tão perfeito. Ele era limpo demais, intocado pelas impurezas do mundo, enquanto ela, agora, sentia-se como uma pluma de algodão caída ao chão, desfeita e sem valor. Não era boa o suficiente para Basílio. Ele merecia alguém melhor, alguém que realmente combinasse com ele.— Destino... Basílio, encontre uma garota que realmente seja certa para você. — Disse Lúcia com um sorriso amargo.O rosto de Basílio endureceu por um momento antes de responder:— Mas você acabou de admitir, na frente do Sílvio, que estamos juntos.— Foi só para ele parar de me perseguir. Desculpe, Sr. Basílio, eu usei você. Este jantar, eu faço questão de pagar. Considere como um pedido de desculpas. — Disse Lúcia, cheia de remorso.Basílio a olhou fundo nos olhos, com uma sinceridade desarmante:— Eu sei disso, mas não me importo. Srta. Lúcia, todas as preocupações que você tem dentro de si, eu as conheço e entendo. Hoje em dia, o divórcio é algo comum. É apenas um
Basílio sorriu de forma leve e elegante. Após uma breve pausa, escolheu cuidadosamente as palavras antes de falar:— É claro que eu não sou completamente altruísta. Também tenho um pedido a fazer.— Que pedido? — Perguntou Lúcia.Basílio pegou o copo à sua frente, tomou um gole de água com a mesma graça de sempre e só então continuou:— Quero que a Srta. Lúcia seja justa comigo. Que me dê a chance de cuidar de você. Se eu tentar e falhar, eu aceito minha derrota. Mas não ter sequer a oportunidade de tentar... isso seria cruel demais. Por favor, me permita competir em pé de igualdade com Sílvio. Não favoreça tanto ele.A chuva fina caía do lado de fora do restaurante japonês, molhando o asfalto e deixando o chão escorregadio. Sob a sombra das árvores, um carro preto estava estacionado. O limpador de para-brisa trabalhava de forma intermitente, uma vez sim, outra não.Sílvio estava recostado no banco, observando através da janela aberta, com o vidro completamente abaixado. Do outro lado