Aquele relógio era exatamente da mesma marca que o que Lúcia havia dado a ele no passado. Ela nunca permitiu que ele o tirasse do pulso, e mesmo durante as brigas mais sérias, quando ficavam dias sem se falar, ele jamais o retirou. Até o dia em que Lúcia foi sequestrada pelo gerente de um cliente e caiu de um penhasco. O relógio foi danificado e, apesar de todos os esforços para consertá-lo, não houve jeito. E agora, em um destino quase irônico, aquele relógio era o mesmo modelo que ela havia dado antes, idêntico ao que ele usava na mão direita, o presente que Lúcia lhe deu quando, contra todas as probabilidades, ela voltou da morte.Sílvio ficou intrigado. Como aquela mulher sabia a marca e o modelo exato do relógio que Lúcia tinha lhe dado? Mas, mesmo com essa dúvida rondando sua mente, ele manteve a expressão inabalável. A fumaça do cigarro, queimarina entre seus dedos, formava uma cinza comprida que, ao cair sobre sua mão, finalmente o trouxe de volta à realidade.Ele ergueu os olh
— Sílvio, você é um ingrato. Lúcia, não chore, Sílvio gosta de você. Até a arara sabia dizer essas coisas. — Continuou Lúcia, enquanto soluçava. — Eu estou tão triste... Não consigo entender por que você não consegue me reconhecer. Até a arara sabe quem eu sou! Ela sabe que eu sou a Lúcia! Nós dividimos a mesma cama por tanto tempo, como é possível que você não se lembre da minha respiração? Do meu cheiro? Você só consegue se lembrar da minha aparência? Do meu rosto? Sílvio, se alguém fizesse uma cirurgia para ficar igual a você, eu seria capaz de te encontrar no meio de milhares de cópias idênticas e te levar para casa.Conforme as palavras saíam da boca de Lúcia, cada vez mais apressadas e confusas, ela sentia os olhos arderem com intensidade, enquanto sua mão tremia para limpar as lágrimas que insistiam em cair. Olhando para o homem sentado na poltrona de couro, ela mal conseguia conter o choro.— Pequeno Mudo! — Exclamou Lúcia, num tom quase suplicante. — Sílvio, você se lembra do
— Tudo o que você acabou de dizer é pura invenção. Você é uma mulher realmente sem vergonha. Para se aproximar de mim, fez plástica e tomou o lugar da minha esposa. Acha mesmo que eu sou cego a ponto de não reconhecer a minha própria mulher? — Disse Sílvio, com um sorriso frio nos lábios finos e cortantes.O olhar de Sílvio era como uma faca afiada cravando-se no coração de Lúcia. Ela sentiu como se sua alma fosse dilacerada por uma lâmina, deixando-a em carne viva, um misto de dor e entorpecimento.Lúcia piscou os olhos, que ardiam de tanto segurar as lágrimas. Ele realmente a chamou de descarada? Ainda teve a audácia de dizer que não era cego a ponto de não reconhecer sua mulher? Tudo isso para defender Giovana?Seus pensamentos estavam em um turbilhão. Sentia-se ferida, surpresa e completamente perdida. Ela havia planejado alertá-lo sobre sua saúde e sobre o perigo que Giovana representava, mas agora as palavras pareciam travadas em sua garganta. E, de qualquer forma, ele acreditari
— E você ainda tem a cara de pau de dizer isso? Se não fosse por você, eu nunca teria ido trabalhar como faxineira no Grupo Baptista. Tudo isso é culpa sua! — Giovana protestou com um tom de falsa indignação, embora suas bochechas mostrassem um leve constrangimento.Sílvio estendeu a mão e acariciou os longos cabelos dela, com uma expressão que misturava ironia e leveza:— A culpa é minha?— E de quem mais seria? — Giovana respondeu, manhosa, cruzando os braços e fazendo beicinho. — Por isso, Sílvio, você não pode continuar me tratando mal como fazia antes.Sílvio baixou o vidro da janela do carro, apoiando o cotovelo no parapeito enquanto seus dedos tocavam o queixo. Parecia perdido em pensamentos distantes, como se revivesse algo do passado.— Lúcia, você se lembra da época em que estávamos na faculdade?— Ah, lembro sim. Por quê? — Giovana respondeu casualmente, sem perceber o tom nostálgico de Sílvio.Ele olhou para a neve que caía lá fora, cobrindo as ruas em um manto branco:— Um
— Você ficou com ciúmes? Está bravo? — Giovana, sempre atenta aos detalhes, percebeu a mudança no humor de Sílvio e tentou mais uma vez se aproximar, com aquele tom meloso que ela sabia usar tão bem.Sílvio, com um gesto sutil, desviou-se:— Temos tempo para isso.Sim, tempo.Giovana adorava ouvir aquelas palavras. "Verdade, temos todo o tempo do mundo." Agora que havia assumido o lugar de Lúcia, ela acreditava que tinha o suficiente para conquistá-lo, para fazê-lo se apaixonar por ela. Com relutância, desceu do carro, mas não sem antes lançar um último olhar carregado de expectativa para ele. Sílvio observou em silêncio enquanto ela entrava na Mansão Baptista.No instante em que cruzou a porta, Giovana recebeu uma ligação de Arthur.— Você está dando o remédio para ele? — Perguntou Arthur.— Estou. — Respondeu Giovana com um suspiro, ainda tentando manter a sensação de felicidade que a envolvia momentos antes. Mas bastou ouvir a voz de Arthur para que se sentisse como um peixe fora d’
No consultório do médico.- Sra. Lúcia, suas células cancerígenas já se espalharam para o fígado. Não há mais o que fazer. Nos dias que lhe restam, coma o que quiser, faça o que desejar, sem arrependimentos.- Quanto tempo eu ainda tenho?- Um mês, no máximo.Lúcia Baptista saiu do hospital. Sem tristeza, sem alegria, pegou o celular e ligou para seu marido, Sílvio. Pensou que, apesar de não estarem mais apaixonados, era necessário contar a ele sobre sua condição terminal.O celular tocou algumas vezes e foi desligado.Ligou novamente, mas já estava na lista de bloqueio.Tentou pelo WhatsApp, mas também estava bloqueada.O amargor em seu coração aumentou. Chegar a esse ponto no casamento era triste e lamentável.Sem desistir, foi à loja e comprou um novo chip, ligando novamente para Sílvio.Desta vez, ele atendeu rapidamente: - Alô, quem fala?- Sou eu. - Lúcia segurava o celular, mordendo os lábios, enquanto o vento cortante batia em seu rosto, como lâminas geladas.A voz do homem no
Lúcia fixava intensamente a foto, com um olhar afiado e sereno, como se quisesse perfurá-la.Ela realmente se arrependia de não ter enxergado a verdadeira natureza das pessoas ao seu redor.Sílvio era seu marido, Giovana era sua melhor amiga, e ambos, que sempre diziam que a retribuiriam, agora a traíam pelas costas, causando-lhe uma dor atroz!A amante se sentia tão no direito de exibir sua conquista na frente da esposa legítima, era uma desfaçatez sem igual!Lúcia era orgulhosa. Mesmo que a família Baptista agora estivesse nas mãos de Sílvio, ela ainda era a única herdeira legítima da família.Giovana não passava de uma aduladora que sempre a seguia, bajulando e tentando agradar.Lúcia bloqueou todas as formas de comunicação com Giovana. Porque ela sabia que Giovana, sozinha, não teria coragem de agir. E Sílvio era a mão que impulsionava as ações de Giovana.Para esperar Sílvio, ela não jantou, apenas tomou o analgésico prescrito pelo médico.O relógio na parede marcava onze horas. L
- Eu vou soltar fogos de artifício por dias e noites no seu funeral para comemorar sua morte! - Disse Sílvio.Ao ouvir isso, o coração de Lúcia, que já estava pendurado por um fio, se despedaçou completamente. Cada pedaço, ensanguentado, parecia impossível de juntar novamente.Era difícil imaginar o quão frio Sílvio poderia ser. Ele desejava sua morte com tanta indiferença, falando com um sorriso sarcástico.- Sílvio, se quer casar com a Giovana, vai ter que esperar eu morrer.O homem que ela havia moldado com suas próprias mãos havia sido seduzido por uma mulher sem escrúpulos. Ela não podia suportar essa humilhação.Se estavam destinados ao inferno, que fossem os três juntos.- Lúcia, ainda vai chegar o dia em que você vai chorar e implorar de joelhos para se divorciar de mim!O olhar penetrante de Sílvio estava frio como gelo. Sem qualquer hesitação, ele bateu a porta ao sair.Aquela noite, ela não conseguiu dormir. Não era por falta de vontade, mas porque simplesmente não conseguia