— A Sra. Lúcia, para que o senhor acordasse, ignorou o corpo debilitado pela cirurgia recente e se ajoelhou repetidamente para rezar por você, até sangrar enquanto lia passagens da Bíblia. Eu não acredito que os sentimentos dela pelo senhor sejam falsos. — Disse Leopoldo.Sílvio ouviu aquilo e soltou um sorriso amargo. Ele também já acreditara nisso um dia. Mas agora, não mais. Lúcia o amava, sim, mas havia uma condição: que ele nunca recuperasse a memória. A Lúcia de agora o via como um monstro, desejando mais que tudo que ele morresse logo.Se ela descobrisse sobre sua doença terminal, provavelmente celebraria com fogos de artifício. Rezar por ele? Isso seria impossível. Porém, ele não a culpava. Tudo era culpa dele.Se soubesse antes o quanto a amava, teria deixado o ódio de lado. E daí se colocasse de lado os rancores passados? Os problemas da geração anterior, por que ele sentiu que precisava se envolver?Agora era tarde demais. Não havia mais tempo.— Sr. Sílvio, mulheres precisa
Sílvio ainda queria falar algo mais.Mas Basílio não estava disposto a ouvir. Seu semblante ficou cada vez mais frio e sério:— Sílvio, Lúcia fez tanto por você. Como você consegue, ao menor problema, empurrá-la para longe? Casais brigam, é normal. Quando isso acontece, você tem que mostrar sinceridade, fazer com que ela veja o quanto você realmente se importa. Você acha que jogando ela para cima de mim, ela vai ficar feliz?Basílio esvaziou o copo de uma só vez e completou:— E mais uma coisa: eu nunca fui um santo. Eu não interfiro na relação de vocês dois porque foi ela quem escolheu você. Não tem nada a ver com meu caráter ou com você.Ele se levantou, pegou o casaco preto no sofá com seus dedos longos e firmes e o apoiou no braço, antes de continuar:— Neste mundo, ninguém tem uma vida fácil. Eu, desde que nasci, sou um bastardo. Minha vida não foi melhor que a sua. E esta é a última vez que vou te avisar, Sílvio: essa é a sua última chance. Se Lúcia realmente desistir de você e m
Sílvio deu um soco no volante com força. Mas, estranhamente, não sentiu dor alguma.[Dirija até o endereço que acabei de te mandar e chame um guincho.]Depois de enviar a mensagem, ele soltou o cinto de segurança e saiu do carro com passos longos e decididos. Encostou-se à porta, olhando para a estrada onde as luzes dos postes formavam sombras intermitentes no asfalto. Respirou fundo e tirou do bolso uma caixa de cigarros. Com um movimento rápido, puxou um cigarro, colocou-o entre os lábios e, com uma mão protegendo a chama e a outra segurando o isqueiro, acendeu-o. Deu uma longa tragada, soltando a fumaça lentamente enquanto permanecia ali, imóvel.Não sabia quanto tempo tinha passado quando uma voz suave e familiar cortou o silêncio:— Sílvio...Ele levantou os olhos, ligeiramente surpreso. Uma conversível parou ao seu lado, revelando Giovana no banco do motorista. Seu cabelo agora era um ondulado volumoso, e a maquiagem discreta dava a ela um ar renovado, bem diferente do que costum
Sílvio abriu a porta do banco do carona, inclinou-se e entrou no carro. Em seguida, virou-se para puxar o cinto de segurança. Ele não fazia ideia de que Giovana, com o celular na mão, tirava uma foto sorrateira da mão dele e a enviava para o WhatsApp de Lúcia.A mensagem, cuidadosamente provocativa, dizia:[Lúcia, o carro do seu marido quebrou no meio do caminho, então eu o estou ajudando a chegar em casa. Não precisa agradecer! Ah, ele também me elogiou, disse que depois da recuperação do meu rosto, estou ainda mais linda.]Depois de afivelar o cinto, Sílvio olhou na direção de Giovana. Ela rapidamente bloqueou a tela do celular e deu partida no carro, dirigindo rumo ao apartamento dele.— Ouvi dizer que Lúcia foi sequestrada pelo seu parceiro de negócios dias atrás? — Perguntou Giovana, tentando puxar assunto.Sílvio respondeu com um murmúrio, claramente tentando manter distância. Nem sequer olhou para ela.— Ela está bem? — Insistiu Giovana, buscando mais alguma reação.— Você gosta
Lúcia sentia-se sufocada por aquela avalanche de pensamentos caóticos. Queria jogar o celular contra a parede, gritar até perder a voz, xingar, destruir algo ou alguém. Mas o silêncio opressor do apartamento vazio, habitado apenas por ela e Marina, não lhe dava espaço para desabafar. Ela sabia que não poderia descontar suas frustrações em Marina, uma mulher não tinha culpa de nada."Como eu pude ser tão idiota?" pensou, o rosto tomado pelo desgosto. A cada lembrança, a vontade de esbofetear a si mesma crescia. Perdera a memória e, ainda assim, permitira-se apaixonar novamente por seu algoz. Sílvio, aquele desgraçado que ela deveria desejar morto. Mas, em vez disso, arriscara a própria vida por ele. Ela fora até a igreja na Serra Encantada, enfrentando um frio cortante e uma nevasca implacável. As trilhas escorregadias da montanha quase a derrubaram inúmeras vezes. Seu corpo acumulava feridas, mas ela insistia, rezando fervorosamente por ele. Até cogitara, em um momento insano, que se
Marina trouxe a ração e voltou para a cozinha, ocupada em terminar o jantar.Lúcia, cansada, observava o papagaio dentro da gaiola. A pequena ave abaixava a cabeça rapidamente, bicando a ração com entusiasmo. A alegria simples e genuína do bichinho a fez esboçar um leve sorriso. O papagaio ergueu a cabecinha e encarou Lúcia com seus olhinhos redondos e atentos.— Não me reconhece mais? — Perguntou Lúcia, sorrindo.A ave começou a pular dentro da gaiola, agitava as asas negras e soltava uma enxurrada de xingamentos contra Sílvio, como se entendesse a conversa.— Sabia que ele é um ingrato e ainda voltou? Não tem medo de nunca mais conseguir sair daqui? — Lúcia murmurou, sem saber se falava consigo mesma ou com o papagaio.Decidida, abriu a porta da gaiola. O papagaio, sem hesitar, voou até a palma da sua mão, encarando-a com um olhar cheio de vivacidade.Lúcia passou os dedos pelas penas macias do topo da cabeça dele e falou, quase num sussurro:— Não gostou do que encontrou lá fora? Po
Sílvio pensou nisso e o fogo em seu coração se apagou:— Todos têm um dia para morrer. Nós dois também teremos, Lúcia. Tenha paciência, pode ser?— Esse dia está demorando demais.— Não está, não. Piscar os olhos e ele chega.Três meses, talvez seis. Isso não era devagar.Sílvio acreditava que, ao baixar a cabeça e suplicar daquele jeito, ela desistiria de brigar. Mas a Lúcia de hoje era completamente estranha para ele. Ela não conseguia mais compartilhar os sentimentos dele. No fundo de seus olhos, havia apenas desprezo, um frio cortante, e sua voz era ainda mais gélida e aterradora:— Mas eu quero que você morra agora, Sílvio. Você pode fazer isso?O corpo de Sílvio ficou rígido instantaneamente. Ela queria que ele morresse agora. Tanta pressa assim?Lúcia começou a soltar, um por um, os dedos dele que estavam enrolados em seu pulso. Os dedos de Sílvio eram longos, bem definidos, mais bonitos que os de muitas mulheres. Mas isso não mudava o fato de que ele era um homem deplorável.—
Lúcia sentia que sua vida inteira havia sido um verdadeiro fracasso. Não tinha amigos. Aqueles que chegaram perto de ser sua companhia, o destino se encarregou de levá-los cedo demais. Chegar a esse ponto na vida era, no mínimo, uma derrota pessoal.Ela já tivera uma melhor amiga, alguém que fora extremamente importante para ela. Mas Giovana apareceu. Com sua mente afiada e manipulações, Giovana plantou discórdia entre as duas. Aos poucos, a amizade que tanto significava para Lúcia foi se dissolvendo.A amiga, na época, havia alertado Lúcia: não case com Sílvio. Namorar, tudo bem, mas casamento, jamais. A amiga chegou ao ponto de colocar a amizade delas em jogo, tentando protegê-la. Naquele tempo, Lúcia acreditava que era puro preconceito com a origem humilde de Sílvio. Agora, tudo fazia sentido. A amiga tinha uma visão muito mais clara do que ela própria.No dia do casamento, sua melhor amiga estava fora do país e não apareceu. Não houve despedida, nem um abraço final. E assim, a únic