Morrer assim não seria tão ruim. Talvez pudesse finalmente se redimir com os pais. Lúcia fechou os olhos. Já fazia tempo que ela desejava morrer. Muito tempo. Ninguém nunca soube o quanto ela ansiava pelo fim, o quanto desejava que a morte a levasse embora. Mas a dor que ela esperava sentir não veio. Em vez disso, uma poça de lama e água suja foi lançada com força contra seu rosto e suas roupas. — Ei, de qual hospício você escapou, sua maluca? Quer morrer, beleza, mas não me leva junto! — Gritou alguém, sua voz cortando a cortina de chuva e o vento gelado, entrando direto nos ouvidos dela como uma lâmina. Lúcia abriu os olhos a tempo de ver o carro desaparecer à distância, deixando para trás apenas um rastro de sujeira e amargura. Ela desabou em um grito desesperado. As lágrimas, já secas há muito tempo, deixavam apenas a ardência nos olhos, tornando cada piscada um sofrimento. Sentia como se uma rocha enorme pressionasse seu peito, tornando a respiração quase impossível. P
Mesmo sendo marido e mulher, por que se tratavam com palavras tão frias e cruéis? Ele nunca tinha feito nada de errado, absolutamente nada.Sílvio se lembrava de tudo. Abelardo matou seus pais, e mesmo assim, ele pagou todas as despesas médicas e ainda assumiu a administração do Grupo Baptista. Até aquele momento, nem sequer tinha mudado o nome da empresa para Medeiros.Ele sabia que sua consciência estava limpa.— Fez ou não, você sabe muito bem. — Lúcia riu friamente, virando-se para sair.Antes que pudesse dar o primeiro passo, Sílvio agarrou seu pulso, puxando-a de volta com firmeza: — Fale claramente. O que você está insinuando? O que eu fiz de errado?— Sílvio, aquele incêndio... foi mesmo o meu pai que mandou o Paulo provocá-lo?— O culpado foi o Paulo. Ele era o capanga do seu pai, o motorista. Isso é um fato incontestável — Respondeu ele, em um tom firme.Lúcia soltou um riso cínico:— É mesmo?— Não é? — Sílvio rebateu, encarando-a.Algo estava diferente nela. Desde que Lúci
Como poderia se sentir feliz? Mesmo que ele morresse, os pais dela não voltariam, e a família Baptista nunca seria como antes.Seu coração, agora, era apenas um amontoado de pedaços quebrados. A morte dele não traria solução alguma. A situação já havia chegado a um ponto irreversível.Mas Lúcia estava consumida pela raiva. Sentia-se injustiçada pelos pais que morreram em vão e não conseguia aceitar o declínio da família Baptista.Ela não sabia da real condição de saúde de Sílvio, e as palavras que saíam de sua boca eram como facas cravadas diretamente no coração dele:— Claro que sim. Então, Sílvio, morra logo!Depois, ela seguiu apressada para o quarto, batendo a porta com força.Sílvio ficou parado no mesmo lugar, imóvel, como se algo estivesse preso em sua garganta. Seus olhos estavam vermelhos e inchados. Ele se jogou no sofá e tirou um cigarro do bolso, colocando-o entre os lábios ressecados.Com o isqueiro, acendeu o cigarro, mas a fumaça parecia mais forte do que o habitual, faz
Cada vez que ouvia aquelas palavras, Sílvio sentia o peito apertar ainda mais. Ele se perguntava o quanto Lúcia deveria odiá-lo para ter falado tantas coisas horríveis sobre ele na frente daquele papagaio.Sílvio Pegou a gaiola com o animal e a pendurou do lado de fora, na varanda. Talvez assim, com o silêncio, conseguisse um pouco de paz.Na manhã seguinte, logo cedo, Sílvio foi para a cozinha. Preparou a sopa de abóbora que ela tanto amava e que era boa para o estômago. Ao lado, colocou um prato com acompanhamentos leves. Pegou tudo e levou até o quarto dela.Lúcia estava encolhida no canto da cama, os olhos marcados por olheiras profundas. Ficava evidente que ela também não tinha dormido.O sono de Lúcia estava cada vez pior, assim como sua paciência, que se esgotava a cada dia. Sua mente era assombrada pelas imagens do pai caindo da sacada e da mãe desfalecida na neve.Ainda ouvia as palavras de Paulo ecoarem em sua cabeça, acusando Sílvio de ser o responsável pela morte trágica do
Sílvio segurava o cabo da colher com tanta força que seus dedos estavam cobertos de veias saltadas.Lúcia percebeu que ele estava com raiva, mas, como sempre, se controlava. Toda vez que isso acontecia, ele apenas a encarava friamente, sem dizer uma palavra.— Saia. Não quero mais ver a sua cara.— Lúcia, será que não podemos fazer uma trégua por alguns meses? — Sílvio respirou fundo, tentando domar a fúria que queimava por dentro, e falou num tom mais ameno.Lúcia curvou os lábios em um sorriso irônico:— O senhor está me implorando, Sr. Sílvio?— Se você acha que sim, então é isso.Era verdade. Ele estava, de fato, implorando. O tempo dele estava acabando. Será que não poderiam viver em paz por alguns meses? Logo ele estaria morto, e ela poderia finalmente realizar o que tanto desejava.Lúcia deu uma risada desdenhosa, os lábios se curvaram num sorriso sarcástico:— Que pena, mas eu não caio mais na sua lábia.Ela não caía mais, mas a Lúcia de antes… Ah, como ela caía.Bastava ele mo
“Na verdade, não me resta muito tempo. Não faltam muitos dias para você deixar de me ver.”Mas Lúcia não quis nem dar espaço para ele continuar a falar, cortando o assunto sem cerimônia:— Você diz que não está encenando? Tudo bem. Então pode sair agora?— Lúcia, o que você quer para aceitar comer? Você acabou de fazer um transplante de fígado. Não faz tanto tempo assim. Se você não comer, como o seu corpo vai aguentar? — Sílvio franziu as sobrancelhas, a preocupação evidente no rosto. — Você pode brigar comigo, mas não pode brincar com a sua própria saúde.Lúcia, no entanto, não demonstrou nenhuma gratidão:— Fui eu que pedi para fazer essa cirurgia?Claro, a cirurgia aconteceu porque ele a submeteu a isso à força, sem sequer pedir sua permissão. Em certo sentido, ele havia enganado Lúcia.— Não pense que eu não sei o que você está tramando.— Então me diga, o que você acha que eu estou tramando?Sílvio realmente tinha um motivo oculto, mas não o que ela imaginava.— Você só quer me s
Não sabia por quê, mas Sílvio, agora, ao encarar Lúcia, já não sentia a menor vontade de discutir. Talvez fosse porque estava cada vez mais apaixonado por ela. Ou, quem sabe, por saber que seu tempo estava contado e querer aproveitar os últimos dias em paz. Não tinha certeza. Só sabia que sua paciência, antes tão curta, tinha sido completamente moldada por essa mulher.Ela se recusava a comer, e aquilo não poderia continuar. Se ela não ligava para sua própria saúde, ele se importava.Sílvio caminhou até a sala, pegou o maço de cigarros sobre a mesinha de centro, tirou um deles e o colocou entre os lábios. Abaixou-se para acender o isqueiro, fazendo a chama iluminar brevemente seu rosto cansado.Com o cigarro entre os dedos, ele pegou o celular e ligou para Leopoldo:— Chame a Marina para vir cuidar da Sra. Lúcia.— Sim, Sr. Sílvio. O senhor tem uma reunião à tarde. O senhor...— Estou indo agora.Com o cigarro ainda aceso e o celular na mão, Sílvio desceu as escadas. Sabia que não lhe
— A Sra. Lúcia, para que o senhor acordasse, ignorou o corpo debilitado pela cirurgia recente e se ajoelhou repetidamente para rezar por você, até sangrar enquanto lia passagens da Bíblia. Eu não acredito que os sentimentos dela pelo senhor sejam falsos. — Disse Leopoldo.Sílvio ouviu aquilo e soltou um sorriso amargo. Ele também já acreditara nisso um dia. Mas agora, não mais. Lúcia o amava, sim, mas havia uma condição: que ele nunca recuperasse a memória. A Lúcia de agora o via como um monstro, desejando mais que tudo que ele morresse logo.Se ela descobrisse sobre sua doença terminal, provavelmente celebraria com fogos de artifício. Rezar por ele? Isso seria impossível. Porém, ele não a culpava. Tudo era culpa dele.Se soubesse antes o quanto a amava, teria deixado o ódio de lado. E daí se colocasse de lado os rancores passados? Os problemas da geração anterior, por que ele sentiu que precisava se envolver?Agora era tarde demais. Não havia mais tempo.— Sr. Sílvio, mulheres precisa