A situação não estava boa? Os lábios finos de Sílvio se apertaram involuntariamente, como se uma abelha o tivesse picado no peito, espalhando uma dor lenta e penetrante. Sua respiração ficou mais rápida.Com um olhar sombrio, ele encarou Leopoldo. Quão ruim poderia estar a situação?Ele respirou fundo, tentando se acalmar. “Lúcia não pode estar mal... Não pode!” Sílvio repetia para si mesmo.De repente, ele estendeu a mão e arrancou o relatório das mãos de Leopoldo:— Você está falando demais.Sem paciência para ler cada linha do relatório, ele virou diretamente até a última página e passou os olhos pelo diagnóstico.Seus olhos se arregalaram instantaneamente, e seus dedos que seguravam o papel começaram a tremer levemente. Ele esperava um problema simples, algo sem importância...Mas jamais imaginaria que o diagnóstico indicaria câncer de fígado em estágio terminal. Inoperável. Sem tratamento.Naquele momento, o vice-diretor do hospital surgiu, apressado, vestindo o jaleco branco. Qua
— Ela pode morrer a qualquer momento. — Disse o vice-diretor, com a voz trêmula, finalmente cedendo à pressão.Depois que o vice-diretor saiu, Sílvio mandou Leopoldo ir comprar cigarros e um isqueiro.No fim do corredor, Sílvio acendeu cigarro após cigarro. A fumaça o fez tossir, seus olhos quase lacrimejaram. O gosto do cigarro nunca fora tão amargo, tão difícil de suportar.Suas mãos, normalmente firmes, tremiam enquanto segurava o cigarro. A elegância habitual com que fumava já não existia mais.Depois de terminar quase meia carteira, ele observou o céu do lado de fora da janela. O dia, que já estava nublado, se transformou em uma noite escura e fria. Não havia sol, nem estrelas.O vento gelado cortava seu rosto, trazendo consigo flocos de neve que dançavam no ar. A neve caía forte, e o vento apagou o cigarro que Sílvio segurava.Ele jogou o cigarro fora e esperou que o vento levasse o cheiro de tabaco de suas roupas antes de ir ver Lúcia. Ele sabia que ela odiava o cheiro de cigarr
Sílvio achou que tinha ouvido errado. Tentou escutar novamente, mas o que saía dos lábios de Lúcia era sempre o mesmo: “Pequeno mudo, corra!”Ele, que estava inclinado, lentamente se endireitou. Seus olhos, aos poucos, ficaram vermelhos de raiva, misturados com uma tempestade de emoções que ele não conseguia descrever. Lúcia estava ali, hospitalizada, com câncer, e ainda assim, pensava naquele “pequeno mudo”?Sílvio realmente queria entender. Das palavras que saíam da boca de Lúcia, quais eram verdadeiras? Ou será que tudo que ela dizia era uma mentira bem elaborada?Ela já havia explicado a ele, uma vez, que o “pequeno mudo” era apenas um garoto que ela, por bondade, havia ajudado financeiramente. Disse que só o tinha visto uma vez na vida e que já nem se lembrava da aparência dele. Garantiu que não havia nada entre eles. Nada inadequado.Mas agora, alguém que ela só havia encontrado uma vez, estava na mente dela... A ponto de ser chamado até em seus sonhos! Como isso era possível?El
Ele já estava sendo incrivelmente paciente. Não queria interromper o sonho dela, nem atrapalhar seu momento de “felicidade” com o pequeno mudo, mesmo que fosse apenas dentro da cabeça dela.Mas ouvir sua esposa chamar o nome de outro homem... Era demais.Dessa vez, Sílvio conseguiu soltar a mão de Lúcia. Ela não o impediu. Não segurou sua mão de novo.Sílvio fez isso com o máximo de cuidado, quase como se estivesse lidando com vidro frágil, temendo acordá-la. Ela havia passado por tanto: o sequestro, a queda na água gelada... Ela precisava descansar.Com delicadeza, ele colocou a mão dela de volta debaixo do cobertor, ajeitou as cobertas ao redor dela e, silenciosamente, saiu do quarto.No corredor, encontrava-se com Leopoldo, que trazia sacolas de comida:— Sr. Sílvio, o senhor não comeu nada o dia inteiro. Por favor, coma um pouco. — Sugeriu Leopoldo, preocupado.Sílvio não havia comido nada o dia inteiro, mas não sentia fome. Não sabia se era por causa da exaustão ou pela decepção d
Sílvio não deu mais atenção às palavras de Leopoldo. Sentado na cadeira, com o rosto inexpressivo, seus olhos não se desviavam da mulher deitada na cama, conectada aos aparelhos que a mantinham viva.Leopoldo, percebendo que não conseguiria convencê-lo, achou melhor sair discretamente do quarto, deixando Sílvio e Lúcia a sós.Ele conhecia bem o temperamento de Sílvio. Quanto mais ele parecia calmo, mais profundo era o sofrimento que escondia.Sílvio ouviu o som suave da porta se fechando e esboçou um sorriso amargo. Ele sabia muito bem que sua presença ali não fazia diferença alguma.Se fosse antes, ele jamais perderia tempo com algo que não pudesse controlar. Mas agora, tudo parecia diferente. Estava apreensivo, dividido entre a preocupação com a saúde de Lúcia e a culpa de ter passado tanto tempo imerso em trabalho, em vingança, esquecendo-se de estar ao lado dela.Quando se casaram, Lúcia ainda reclamava, fazia carinho, e costumava se aninhar em seu peito, dizendo:— Sílvio, o traba
Sílvio fumava um cigarro atrás do outro. Por dentro, estava desorientado, dominado por um medo que não conseguia controlar.Ele se apegava aos cigarros como uma forma de manter a calma, tentando convencer a si mesmo de que Lúcia estava bem, que tudo não passava de um erro de diagnóstico.— Ela é jovem demais. — Repetia para si mesmo. — Está no auge da saúde. Não pode ser câncer no fígado em estágio terminal.Lúcia já havia escapado da morte algumas vezes. Ela era forte, resistente. Portanto, isso só podia ser um susto, um problema de saúde menor.Cinco horas se passaram. Durante esse tempo, Sílvio não teve apetite algum.Leopoldo tentou convencê-lo a comer, mas ele cedeu apenas após muita insistência, comendo algumas garfadas à contragosto.A comida, entregue por um serviço de delivery, não tinha o mesmo sabor da comida de Lúcia.Se pudesse escolher, ele preferia sempre comer as refeições preparadas por ela.A comida dela tinha o gosto de lar. Sílvio pensava que já estava acostumado co
— O bebê que está no útero da Sra. Lúcia é um monstro. Ele não é como uma criança normal. Até agora, podemos ver que ele tem três braços, duas faces e quatro pernas.Sílvio sentiu como se tivesse sido atingido por um raio. O bebê se transformou em um monstro!— Por que o bebê da Sra. Lúcia sofreu essa mutação? — Leopoldo, sempre curioso, não resistiu e fez a pergunta.O vice-diretor do hospital explicou:— Primeiro, a Sra. Lúcia, com o câncer em estágio avançado, não deveria ter engravidado. Segundo, ela tomou muitos medicamentos para segurar a gravidez. Alguns desses medicamentos são extremamente perigosos para pacientes com câncer. Em casos mais graves, podem ser fatais; em casos leves, aceleram a propagação das células cancerígenas. Em outras palavras, a piora da condição da Sra. Lúcia foi causada pela combinação de remédios inadequados e a gravidez.Sílvio cambaleou, sentiu as pernas fraquejarem, e Leopoldo rapidamente o amparou:— Sr. Sílvio...— Quero ouvir as opções de tratament
Desde o incidente no lago, a roupa já havia secado completamente, mas Sílvio ainda sentia como se estivesse mergulhado naquelas águas geladas.De repente, ele se lembrou das vezes em que trouxe os remédios para Lúcia, para ajudar a segurar a gravidez. Ela sempre examinava cuidadosamente a bula no verso das cartelas e, em seguida, o questionava várias vezes:— Sílvio, você realmente quer que eu tome esses remédios? Eu não posso simplesmente não tomar? Se eu tomar, você vai cumprir sua promessa de cuidar dos meus pais até o fim da vida deles? Sílvio, eu sei o que você quer. Você vai conseguir o que deseja. Mas se algum dia você perceber que me perdeu para sempre, você choraria? E se eu morrer de verdade, você apareceria no meu funeral?As palavras do vice-diretor ecoavam em sua mente:— Sr. Sílvio, o corpo da Sra. Lúcia não deveria ter engravidado. O feto agora é um monstro. O agravamento de sua doença foi causado pelo uso incorreto de medicamentos. A Sra. Lúcia está em estágio terminal