Naquela época, ele ainda era um funcionário de nível básico do Grupo Baptista. Além de ser, nominalmente, o genro de Abelardo, ele não tinha muito dinheiro. Não podia sequer comprar as bolsas e roupas de luxo que Lúcia gostava.No entanto, Lúcia insistiu em colocar o relógio em seu pulso. Com um sorriso tímido, ela disse:— O que é meu é seu, Silvio. Vamos nos casar, eu sou sua. O que é um relógio comparado a isso? Eu te dei esse presente com segundas intenções.— Segundas intenções? — Ele perguntou, curioso.— Desde que você entrou no Grupo Baptista, nunca mais teve tempo para mim. Você está sempre tão ocupado, mal consegue me acompanhar nas compras. Acorda cedo e volta tarde. Quando acordo, você já saiu. Quando volto a dormir, você ainda não voltou.— Está arrependida de ter pedido ao seu pai para me colocar no Grupo Baptista? — Sílvio brincou, com um sorriso.Lúcia, no entanto, respondeu com seriedade:— Claro que não. Eu sei que você tem grandes ambições, e eu te apoio em tudo. Tra
A situação não estava boa? Os lábios finos de Sílvio se apertaram involuntariamente, como se uma abelha o tivesse picado no peito, espalhando uma dor lenta e penetrante. Sua respiração ficou mais rápida.Com um olhar sombrio, ele encarou Leopoldo. Quão ruim poderia estar a situação?Ele respirou fundo, tentando se acalmar. “Lúcia não pode estar mal... Não pode!” Sílvio repetia para si mesmo.De repente, ele estendeu a mão e arrancou o relatório das mãos de Leopoldo:— Você está falando demais.Sem paciência para ler cada linha do relatório, ele virou diretamente até a última página e passou os olhos pelo diagnóstico.Seus olhos se arregalaram instantaneamente, e seus dedos que seguravam o papel começaram a tremer levemente. Ele esperava um problema simples, algo sem importância...Mas jamais imaginaria que o diagnóstico indicaria câncer de fígado em estágio terminal. Inoperável. Sem tratamento.Naquele momento, o vice-diretor do hospital surgiu, apressado, vestindo o jaleco branco. Qua
— Ela pode morrer a qualquer momento. — Disse o vice-diretor, com a voz trêmula, finalmente cedendo à pressão.Depois que o vice-diretor saiu, Sílvio mandou Leopoldo ir comprar cigarros e um isqueiro.No fim do corredor, Sílvio acendeu cigarro após cigarro. A fumaça o fez tossir, seus olhos quase lacrimejaram. O gosto do cigarro nunca fora tão amargo, tão difícil de suportar.Suas mãos, normalmente firmes, tremiam enquanto segurava o cigarro. A elegância habitual com que fumava já não existia mais.Depois de terminar quase meia carteira, ele observou o céu do lado de fora da janela. O dia, que já estava nublado, se transformou em uma noite escura e fria. Não havia sol, nem estrelas.O vento gelado cortava seu rosto, trazendo consigo flocos de neve que dançavam no ar. A neve caía forte, e o vento apagou o cigarro que Sílvio segurava.Ele jogou o cigarro fora e esperou que o vento levasse o cheiro de tabaco de suas roupas antes de ir ver Lúcia. Ele sabia que ela odiava o cheiro de cigarr
Sílvio achou que tinha ouvido errado. Tentou escutar novamente, mas o que saía dos lábios de Lúcia era sempre o mesmo: “Pequeno mudo, corra!”Ele, que estava inclinado, lentamente se endireitou. Seus olhos, aos poucos, ficaram vermelhos de raiva, misturados com uma tempestade de emoções que ele não conseguia descrever. Lúcia estava ali, hospitalizada, com câncer, e ainda assim, pensava naquele “pequeno mudo”?Sílvio realmente queria entender. Das palavras que saíam da boca de Lúcia, quais eram verdadeiras? Ou será que tudo que ela dizia era uma mentira bem elaborada?Ela já havia explicado a ele, uma vez, que o “pequeno mudo” era apenas um garoto que ela, por bondade, havia ajudado financeiramente. Disse que só o tinha visto uma vez na vida e que já nem se lembrava da aparência dele. Garantiu que não havia nada entre eles. Nada inadequado.Mas agora, alguém que ela só havia encontrado uma vez, estava na mente dela... A ponto de ser chamado até em seus sonhos! Como isso era possível?El
No consultório do médico.- Sra. Lúcia, suas células cancerígenas já se espalharam para o fígado. Não há mais o que fazer. Nos dias que lhe restam, coma o que quiser, faça o que desejar, sem arrependimentos.- Quanto tempo eu ainda tenho?- Um mês, no máximo.Lúcia Baptista saiu do hospital. Sem tristeza, sem alegria, pegou o celular e ligou para seu marido, Sílvio. Pensou que, apesar de não estarem mais apaixonados, era necessário contar a ele sobre sua condição terminal.O celular tocou algumas vezes e foi desligado.Ligou novamente, mas já estava na lista de bloqueio.Tentou pelo WhatsApp, mas também estava bloqueada.O amargor em seu coração aumentou. Chegar a esse ponto no casamento era triste e lamentável.Sem desistir, foi à loja e comprou um novo chip, ligando novamente para Sílvio.Desta vez, ele atendeu rapidamente: - Alô, quem fala?- Sou eu. - Lúcia segurava o celular, mordendo os lábios, enquanto o vento cortante batia em seu rosto, como lâminas geladas.A voz do homem no
Lúcia fixava intensamente a foto, com um olhar afiado e sereno, como se quisesse perfurá-la.Ela realmente se arrependia de não ter enxergado a verdadeira natureza das pessoas ao seu redor.Sílvio era seu marido, Giovana era sua melhor amiga, e ambos, que sempre diziam que a retribuiriam, agora a traíam pelas costas, causando-lhe uma dor atroz!A amante se sentia tão no direito de exibir sua conquista na frente da esposa legítima, era uma desfaçatez sem igual!Lúcia era orgulhosa. Mesmo que a família Baptista agora estivesse nas mãos de Sílvio, ela ainda era a única herdeira legítima da família.Giovana não passava de uma aduladora que sempre a seguia, bajulando e tentando agradar.Lúcia bloqueou todas as formas de comunicação com Giovana. Porque ela sabia que Giovana, sozinha, não teria coragem de agir. E Sílvio era a mão que impulsionava as ações de Giovana.Para esperar Sílvio, ela não jantou, apenas tomou o analgésico prescrito pelo médico.O relógio na parede marcava onze horas. L
- Eu vou soltar fogos de artifício por dias e noites no seu funeral para comemorar sua morte! - Disse Sílvio.Ao ouvir isso, o coração de Lúcia, que já estava pendurado por um fio, se despedaçou completamente. Cada pedaço, ensanguentado, parecia impossível de juntar novamente.Era difícil imaginar o quão frio Sílvio poderia ser. Ele desejava sua morte com tanta indiferença, falando com um sorriso sarcástico.- Sílvio, se quer casar com a Giovana, vai ter que esperar eu morrer.O homem que ela havia moldado com suas próprias mãos havia sido seduzido por uma mulher sem escrúpulos. Ela não podia suportar essa humilhação.Se estavam destinados ao inferno, que fossem os três juntos.- Lúcia, ainda vai chegar o dia em que você vai chorar e implorar de joelhos para se divorciar de mim!O olhar penetrante de Sílvio estava frio como gelo. Sem qualquer hesitação, ele bateu a porta ao sair.Aquela noite, ela não conseguiu dormir. Não era por falta de vontade, mas porque simplesmente não conseguia
- Pode ser parcelado? - Lúcia perguntou com a voz trêmula.A funcionária do caixa, com uma expressão fria e acostumada a esse tipo de situação, respondeu: - Somos um hospital particular, não fazemos parcelamento. Ou você transfere seu pai ou providencia o dinheiro.As pessoas na fila atrás dela começaram a revirar os olhos e a reclamar:- Você vai pagar ou não? Se não, sai da frente, estamos esperando.- Exato, está ocupando o lugar à toa.- Se não tem dinheiro, por que veio ao hospital? Vai para casa esperar a morte!Lúcia levantou os olhos levemente e, com um pedido de desculpas, saiu da fila.Ela tinha poucos amigos e pedir dinheiro emprestado era fora de questão.A única pessoa que poderia ajudá-la era Sílvio.Ela ligou, mas ele não atendeu.Mandou uma mensagem: [Assunto urgente, atenda, Presidente Sílvio.]Era a primeira vez que ela o chamava de Presidente Sílvio.Primeira ligação, sem resposta. Segunda, terceira, também não.Ela continuou insistindo, sem desistir, mesmo com o co