No fundo do coração, Sílvio sentia uma pontada amarga. Todo mundo percebia o quanto ele se importava com Lúcia, mas ironicamente, ela parecia ser a única que não enxergava isso.Ele empurrou a porta do quarto e entrou. O lugar era espaçoso, mas Lúcia era a única paciente ali. Ela vestia uma camisola de hospital larga, e seu corpo magro parecia ainda mais frágil enquanto ela permanecia de pé, de costas para ele, olhando pela janela.Seu rosto estava pálido, e ela olhou para a palma da mão. As linhas ali estavam cada vez mais confusas, emaranhadas como um nó impossível de desfazer. Talvez fosse o resultado de tanto pensar, de tantas preocupações. Lúcia se lembrava de quando as linhas em sua palma eram claras e limpas, antes de tudo acontecer com seu pai. Quando foi que ficaram assim? Ela não sabia.Lentamente, ela levantou os olhos e olhou para fora. A neve caía forte naquele dia, ainda mais intensa do que no dia em que fora sequestrada pela gerente. Ela estendeu a mão, deixando que os
Mas ela se conteve, porque sabia que Sílvio não precisava da sua preocupação.Talvez um dia tivesse precisado, mas, desde que a máscara dele havia caído, ela sabia que não era mais assim. Ele tinha Giovana. Para que precisaria da preocupação de Lúcia?De repente, a imagem de seu pai, que caíra da varanda e morrera sem encontrar paz, surgiu em sua mente.Mesmo que Sílvio não o tivesse empurrado, tudo o que aconteceu começou com ele.Se não fosse pelo ódio cego de Sílvio, sua família não teria sido destruída. Se ele não tivesse mudado de ideia tantas vezes, ela não estaria agora, tão jovem, à beira da morte.Com esse pensamento, qualquer sinal de preocupação que ela tivesse com Sílvio desapareceu.Ele a virou de frente, e ela encontrou em seus olhos algo que parecia... Preocupação.— Você está com fome? Quer que eu peça algo para Leopoldo trazer? — Ele perguntou, com uma expressão quase gentil.Lúcia ficou surpresa. Era raro ver Sílvio demonstrando preocupação assim.Ela o encarou sem pi
Eles eram inimigos. Havia entre eles as vidas dos pais dele e dos pais dela. Mesmo que todos os obstáculos que os separavam tivessem desaparecido, eles nunca poderiam voltar ao que eram antes.Por isso, não era surpresa que Sílvio a olhasse com desconfiança, sempre com um julgamento silencioso. Ele simplesmente não conseguia confiar nela, e isso era... Normal.Os dedos dele apertavam os ombros de Lúcia com força. A pressão era tanta que seu corpo começou a doer com o movimento brusco. O silêncio dela o deixava ainda mais furioso.— Fala!— Sim, o homem que está no meu coração é o mudo. Só o vi uma vez, já até esqueci o rosto dele. Tudo o que tenho é uma foto borrada de suas costas. Mesmo que ele esteja morto, eu nunca consegui esquecê-lo. — A voz de Lúcia tremia, um nó na garganta a sufocava.Machucar o outro... Quem não sabia fazer isso? Lúcia também sabia como enfiar a faca no coração de alguém.Ela pensou que, depois de tanto tempo, depois de tantas vezes que Sílvio a havia acusado,
Sílvio deu alguns passos para trás, como se tivesse levado um golpe. Era visível que ele não conseguia lidar com aquilo.— Mas no fim das contas, um substituto é só um substituto. Não importa o quanto você se pareça com ele, você nunca será ele. Por isso, eu vou atrás dele agora. Já disse tudo o que tinha pra dizer. Sílvio, você pode sair? Sua presença me dá nojo. — Lúcia continuou, com um tom afiado.As mãos de Sílvio, que pendiam ao lado do corpo, se fecharam em punhos. Então era isso? Não importa o quanto ele se parecesse com o mudo, nunca seria ele. Nunca ocuparia o lugar dele no coração de Lúcia.Olhar para ele a deixava enjoada? Aquela era a mesma mulher que um dia o amara desesperadamente? Aquela era a esposa que ele tanto adorava?O celular voltou a tocar, e Sílvio, com um suspiro pesado, pegou o aparelho novamente.Lúcia, sem sequer se importar, viu o nome na tela. Era Giovana de novo.— Vai lá, atende. E sai daqui. Não suja mais meus ouvidos com essa ligação. — Ela ordenou, c
— Se você tem algo pra dizer, diga logo. Se não, vou desligar. — Sílvio falou, impaciente, descontando em Giovana a frustração que sentia por causa de Lúcia.Do outro lado da linha, Giovana começou a soluçar, visivelmente abalada.— Sílvio, eu falei algo errado? Por que você está sendo tão impaciente comigo? Se eu fiz algo de errado, você pode me dizer, mas não precisa me tratar assim. Eu só queria saber de Lúcia, estamos preocupadas com ela. Nós éramos melhores amigas na universidade, você se lembra? Foi por minha causa que vocês dois se conheceram. Eu só perguntei por preocupação. Eu... Eu estou com depressão, Sílvio. Fico pensando demais nas coisas, e agora você me trata desse jeito. Como vou dormir tranquila hoje à noite? Eu vou ficar remoendo isso. Meu rosto está arruinado e ainda não consegui uma cirurgia de reparação. Você também não quer mais cumprir sua promessa de se casar comigo. Quem vai me querer agora, uma mulher mais velha, solteira e com a aparência destruída? Não estou
Mas sua consciência o atormentava. Noites seguidas, ele sonhava com sua mãe, que o acusava, que o chamava de traidor, de filho ingrato. Isso o levou a tomar uma decisão dura. Sem avisar, ele foi embora. Mudou-se da Mansão Baptista e deixou para Lúcia apenas uma carta com os papéis do divórcio.Ela, teimosa, se recusou a assinar. Estava determinada a salvar o relacionamento deles.Sílvio, para evitar encontrá-la, se jogou no trabalho. Passava dias e noites no escritório, deixando que Lúcia pensasse o que quisesse sobre ele e Giovana.Para que Lúcia perdesse as esperanças e finalmente assinasse o divórcio, ele chegou ao ponto de tirar fotos de casamento com Giovana. Sabia que o orgulho de Lúcia não permitiria que ela continuasse amando alguém que estivesse com outra mulher.Naquele momento, tudo que Sílvio queria era que Lúcia o deixasse ir. E quando ela finalmente estava disposta a desistir, ele se arrependeu. Não queria mais se separar dela.Fumando outro cigarro, ele olhava para a ne
— Moça, você tá brincando, né? Acha que eu não sei distinguir se você está grávida ou não? Tá duvidando da minha competência? — A ginecologista olhou para Giovana com desdém, franzindo a testa. Pelo jeito que a paciente estava vestida, cheia de exageros e com uma aura de oportunismo, a médica já não tinha muita paciência.Ela examinou Giovana rapidamente: jovem e vestida de forma provocante, com um ar de quem queria sempre chamar atenção.Giovana ficou sem palavras por um momento, tentando se justificar:— Não, doutora, não foi isso que eu quis dizer...— Olha, o exame é claro: você está grávida, faz uma semana. Se não acredita, procure outro hospital e faça outro exame.— Eu... — Giovana tentou falar, mas foi interrompida.— Próximo! — Gritou a médica em direção à porta, sem dar mais atenção a ela.Giovana saiu furiosa do consultório. “Quem essa médica pensa que é? Só porque é ginecologista, se acha superior?” Ela bufou. Ridícula!Mas, para seu desespero, os resultados se repetiram em
Giovana continuou enchendo a taça de Dr. Arthur, que, animado com a notícia, acabou bebendo mais do que o habitual.— Fica comigo, Giovana. Assim que eu me divorciar, vou me casar com você e nosso filho não vai ser um bastardo. Eu te amo. — Dr. Arthur disse, com uma seriedade inesperada, antes de inclinar-se para beijá-la mais uma vez.Depois de toda aquela empolgação, Giovana resolveu sondá-lo.— O Sílvio tem falado com você ultimamente?— Não... Por que a pergunta? — Dr. Arthur franziu as sobrancelhas, claramente com um toque de ciúme em relação a Sílvio. Mas, considerando que Giovana estava disposta a se casar com ele e ter seu filho, então, ele resolveu não se incomodar tanto com isso.Giovana suspirou aliviada. Pelo jeito, o velho ainda não sabia que as coisas estavam prestes a desmoronar.Nesse momento, o celular de Dr. Arthur tocou. Ele soltou a cintura de Giovana e, ao ver quem estava ligando, seu rosto ficou sério. Ele deu um beijo rápido nela e disse:— Amor, preciso atender