O olhar de Sílvio expressou surpresa. Ele rapidamente pegou um lenço com a mão que usava relógio e tentou limpar o sangue que escorria dos lábios de Lúcia.Mas não importava o quanto ele limpasse, o sangue continuava a fluir, e parecia que quanto mais ele limpava, mais sangue surgia.A temperatura de Lúcia, em seus braços, ficava cada vez mais fria.Sílvio se lembrou de Abelardo. Quando ele caiu da sacada, também não parava de cuspir sangue, até que o Dr. Arthur chegou, mas já era tarde demais. O corpo de Abelardo foi ficando cada vez mais gelado...Uma onda de pânico atravessou Sílvio. Ele engoliu em seco e gritou:— Ainda não chegamos ao hospital? Acelera!Leopoldo, que estava concentrado na direção, ficou alarmado ao ouvir o tom de voz trêmulo de Sílvio. Olhou pelo retrovisor e viu Lúcia nos braços dele, inconsciente, mas agora vomitando sangue.Isso não era um bom sinal! Leopoldo também ficou nervoso. Seus dedos longos apertaram o volante com mais força, e ele pisou fundo no aceler
O corredor estava vazio. Só restava Sílvio ali, parado, com uma sensação de angústia crescendo no peito. Seu coração batia descompassado, e suas pálpebras não paravam de tremer. Algo estava errado. Ele sentia isso.Sílvio usava o mesmo sobretudo preto de antes, com uma calça social igualmente preta, que ainda tinha algumas manchas de poeira nos joelhos. Ele sempre fora extremamente cuidadoso com a aparência, quase obcecado com limpeza. Mas, depois de ter sido jogado no lago, suas roupas estavam encharcadas, grudando no corpo, desconfortáveis.Leopoldo se aproximou e viu quando Sílvio tirou uma caixa de cigarros do bolso. Preocupado, sugeriu:— Sr. Sílvio, o senhor não prefere trocar de roupa? Apesar de já ser início de primavera, o clima ainda está frio. Se pegar um resfriado, pode ser pior.— Enquanto o relatório médico de Lúcia não sair, eu não vou a lugar nenhum. — Respondeu Sílvio, com o rosto sério, lançando um olhar afiado para Leopoldo. — Vá até o laboratório de exames e certifi
Naquela época, ele ainda era um funcionário de nível básico do Grupo Baptista. Além de ser, nominalmente, o genro de Abelardo, ele não tinha muito dinheiro. Não podia sequer comprar as bolsas e roupas de luxo que Lúcia gostava.No entanto, Lúcia insistiu em colocar o relógio em seu pulso. Com um sorriso tímido, ela disse:— O que é meu é seu, Silvio. Vamos nos casar, eu sou sua. O que é um relógio comparado a isso? Eu te dei esse presente com segundas intenções.— Segundas intenções? — Ele perguntou, curioso.— Desde que você entrou no Grupo Baptista, nunca mais teve tempo para mim. Você está sempre tão ocupado, mal consegue me acompanhar nas compras. Acorda cedo e volta tarde. Quando acordo, você já saiu. Quando volto a dormir, você ainda não voltou.— Está arrependida de ter pedido ao seu pai para me colocar no Grupo Baptista? — Sílvio brincou, com um sorriso.Lúcia, no entanto, respondeu com seriedade:— Claro que não. Eu sei que você tem grandes ambições, e eu te apoio em tudo. Tra
A situação não estava boa? Os lábios finos de Sílvio se apertaram involuntariamente, como se uma abelha o tivesse picado no peito, espalhando uma dor lenta e penetrante. Sua respiração ficou mais rápida.Com um olhar sombrio, ele encarou Leopoldo. Quão ruim poderia estar a situação?Ele respirou fundo, tentando se acalmar. “Lúcia não pode estar mal... Não pode!” Sílvio repetia para si mesmo.De repente, ele estendeu a mão e arrancou o relatório das mãos de Leopoldo:— Você está falando demais.Sem paciência para ler cada linha do relatório, ele virou diretamente até a última página e passou os olhos pelo diagnóstico.Seus olhos se arregalaram instantaneamente, e seus dedos que seguravam o papel começaram a tremer levemente. Ele esperava um problema simples, algo sem importância...Mas jamais imaginaria que o diagnóstico indicaria câncer de fígado em estágio terminal. Inoperável. Sem tratamento.Naquele momento, o vice-diretor do hospital surgiu, apressado, vestindo o jaleco branco. Qua
— Ela pode morrer a qualquer momento. — Disse o vice-diretor, com a voz trêmula, finalmente cedendo à pressão.Depois que o vice-diretor saiu, Sílvio mandou Leopoldo ir comprar cigarros e um isqueiro.No fim do corredor, Sílvio acendeu cigarro após cigarro. A fumaça o fez tossir, seus olhos quase lacrimejaram. O gosto do cigarro nunca fora tão amargo, tão difícil de suportar.Suas mãos, normalmente firmes, tremiam enquanto segurava o cigarro. A elegância habitual com que fumava já não existia mais.Depois de terminar quase meia carteira, ele observou o céu do lado de fora da janela. O dia, que já estava nublado, se transformou em uma noite escura e fria. Não havia sol, nem estrelas.O vento gelado cortava seu rosto, trazendo consigo flocos de neve que dançavam no ar. A neve caía forte, e o vento apagou o cigarro que Sílvio segurava.Ele jogou o cigarro fora e esperou que o vento levasse o cheiro de tabaco de suas roupas antes de ir ver Lúcia. Ele sabia que ela odiava o cheiro de cigarr
Sílvio achou que tinha ouvido errado. Tentou escutar novamente, mas o que saía dos lábios de Lúcia era sempre o mesmo: “Pequeno mudo, corra!”Ele, que estava inclinado, lentamente se endireitou. Seus olhos, aos poucos, ficaram vermelhos de raiva, misturados com uma tempestade de emoções que ele não conseguia descrever. Lúcia estava ali, hospitalizada, com câncer, e ainda assim, pensava naquele “pequeno mudo”?Sílvio realmente queria entender. Das palavras que saíam da boca de Lúcia, quais eram verdadeiras? Ou será que tudo que ela dizia era uma mentira bem elaborada?Ela já havia explicado a ele, uma vez, que o “pequeno mudo” era apenas um garoto que ela, por bondade, havia ajudado financeiramente. Disse que só o tinha visto uma vez na vida e que já nem se lembrava da aparência dele. Garantiu que não havia nada entre eles. Nada inadequado.Mas agora, alguém que ela só havia encontrado uma vez, estava na mente dela... A ponto de ser chamado até em seus sonhos! Como isso era possível?El
Ele já estava sendo incrivelmente paciente. Não queria interromper o sonho dela, nem atrapalhar seu momento de “felicidade” com o pequeno mudo, mesmo que fosse apenas dentro da cabeça dela.Mas ouvir sua esposa chamar o nome de outro homem... Era demais.Dessa vez, Sílvio conseguiu soltar a mão de Lúcia. Ela não o impediu. Não segurou sua mão de novo.Sílvio fez isso com o máximo de cuidado, quase como se estivesse lidando com vidro frágil, temendo acordá-la. Ela havia passado por tanto: o sequestro, a queda na água gelada... Ela precisava descansar.Com delicadeza, ele colocou a mão dela de volta debaixo do cobertor, ajeitou as cobertas ao redor dela e, silenciosamente, saiu do quarto.No corredor, encontrava-se com Leopoldo, que trazia sacolas de comida:— Sr. Sílvio, o senhor não comeu nada o dia inteiro. Por favor, coma um pouco. — Sugeriu Leopoldo, preocupado.Sílvio não havia comido nada o dia inteiro, mas não sentia fome. Não sabia se era por causa da exaustão ou pela decepção d
Sílvio não deu mais atenção às palavras de Leopoldo. Sentado na cadeira, com o rosto inexpressivo, seus olhos não se desviavam da mulher deitada na cama, conectada aos aparelhos que a mantinham viva.Leopoldo, percebendo que não conseguiria convencê-lo, achou melhor sair discretamente do quarto, deixando Sílvio e Lúcia a sós.Ele conhecia bem o temperamento de Sílvio. Quanto mais ele parecia calmo, mais profundo era o sofrimento que escondia.Sílvio ouviu o som suave da porta se fechando e esboçou um sorriso amargo. Ele sabia muito bem que sua presença ali não fazia diferença alguma.Se fosse antes, ele jamais perderia tempo com algo que não pudesse controlar. Mas agora, tudo parecia diferente. Estava apreensivo, dividido entre a preocupação com a saúde de Lúcia e a culpa de ter passado tanto tempo imerso em trabalho, em vingança, esquecendo-se de estar ao lado dela.Quando se casaram, Lúcia ainda reclamava, fazia carinho, e costumava se aninhar em seu peito, dizendo:— Sílvio, o traba