Sílvio olhava ao redor, procurando os botes de resgate e Leopoldo. Seu celular já tinha se perdido, então ele não tinha como se comunicar com ninguém.Antes que pudesse reagir, Lúcia o esbofeteou. Isso mesmo, uma bofetada sonora.A dor queimou no lado de seu rosto, e por um momento ele sentiu uma leve tontura e um zumbido nos ouvidos.Sílvio franziu a testa e virou o rosto para olhar Lúcia. A primeira coisa que ela fez ao acordar foi lhe dar um tapa?— Você é um hipócrita, Sílvio! — Lúcia o encarava com um olhar de puro desprezo, enquanto tentava se desvencilhar de seus braços.Mas Sílvio a segurava firme, sem intenção de soltá-la.Hipócrita? Se não fosse por ele, ela já estaria morta.Quanto mais ela lutava, mais o rosto de Sílvio escurecia. Ele apertou os dentes e a advertiu:— Lúcia, vou dizer só uma vez. Agora não é hora para seus dramas. Se eu te soltar, você sabe nadar? Quer morrer?— Sílvio, eu já não quero mais viver.— Então, quer dizer que eu perdi meu tempo salvando você? —
Leopoldo não ficou nem um pouco surpreso com a decisão de Sílvio.Quem via de fora talvez pensasse que Sílvio era frio e cruel, que desprezava Lúcia. Mas Leopoldo enxergava a verdade com clareza. Ele sabia que Sílvio sempre se importou muito com Lúcia, mais do que com Giovana. O problema era que sempre faltou comunicação entre eles, uma oportunidade de colocar tudo às claras.Os salva-vidas profissionais puxaram Lúcia para dentro do bote de resgate. Logo depois, Sílvio também foi resgatado.O bote rapidamente chegou à margem. As mãos de Sílvio estavam inchadas pela exposição à água, mas ele insistiu em carregar Lúcia, ainda inconsciente, para fora do lago.Na margem, uma fileira de SUVs pretas aguardava. Leopoldo correu à frente, abriu a porta do carro, e Sílvio colocou Lúcia cuidadosamente no banco traseiro antes de entrar.Leopoldo fechou a porta e logo voltou para o volante, ligando o carro.— Vamos para o hospital mais próximo. — Disse Sílvio, olhando para o rosto pálido de Lúcia,
O olhar de Sílvio expressou surpresa. Ele rapidamente pegou um lenço com a mão que usava relógio e tentou limpar o sangue que escorria dos lábios de Lúcia.Mas não importava o quanto ele limpasse, o sangue continuava a fluir, e parecia que quanto mais ele limpava, mais sangue surgia.A temperatura de Lúcia, em seus braços, ficava cada vez mais fria.Sílvio se lembrou de Abelardo. Quando ele caiu da sacada, também não parava de cuspir sangue, até que o Dr. Arthur chegou, mas já era tarde demais. O corpo de Abelardo foi ficando cada vez mais gelado...Uma onda de pânico atravessou Sílvio. Ele engoliu em seco e gritou:— Ainda não chegamos ao hospital? Acelera!Leopoldo, que estava concentrado na direção, ficou alarmado ao ouvir o tom de voz trêmulo de Sílvio. Olhou pelo retrovisor e viu Lúcia nos braços dele, inconsciente, mas agora vomitando sangue.Isso não era um bom sinal! Leopoldo também ficou nervoso. Seus dedos longos apertaram o volante com mais força, e ele pisou fundo no aceler
O corredor estava vazio. Só restava Sílvio ali, parado, com uma sensação de angústia crescendo no peito. Seu coração batia descompassado, e suas pálpebras não paravam de tremer. Algo estava errado. Ele sentia isso.Sílvio usava o mesmo sobretudo preto de antes, com uma calça social igualmente preta, que ainda tinha algumas manchas de poeira nos joelhos. Ele sempre fora extremamente cuidadoso com a aparência, quase obcecado com limpeza. Mas, depois de ter sido jogado no lago, suas roupas estavam encharcadas, grudando no corpo, desconfortáveis.Leopoldo se aproximou e viu quando Sílvio tirou uma caixa de cigarros do bolso. Preocupado, sugeriu:— Sr. Sílvio, o senhor não prefere trocar de roupa? Apesar de já ser início de primavera, o clima ainda está frio. Se pegar um resfriado, pode ser pior.— Enquanto o relatório médico de Lúcia não sair, eu não vou a lugar nenhum. — Respondeu Sílvio, com o rosto sério, lançando um olhar afiado para Leopoldo. — Vá até o laboratório de exames e certifi
Naquela época, ele ainda era um funcionário de nível básico do Grupo Baptista. Além de ser, nominalmente, o genro de Abelardo, ele não tinha muito dinheiro. Não podia sequer comprar as bolsas e roupas de luxo que Lúcia gostava.No entanto, Lúcia insistiu em colocar o relógio em seu pulso. Com um sorriso tímido, ela disse:— O que é meu é seu, Silvio. Vamos nos casar, eu sou sua. O que é um relógio comparado a isso? Eu te dei esse presente com segundas intenções.— Segundas intenções? — Ele perguntou, curioso.— Desde que você entrou no Grupo Baptista, nunca mais teve tempo para mim. Você está sempre tão ocupado, mal consegue me acompanhar nas compras. Acorda cedo e volta tarde. Quando acordo, você já saiu. Quando volto a dormir, você ainda não voltou.— Está arrependida de ter pedido ao seu pai para me colocar no Grupo Baptista? — Sílvio brincou, com um sorriso.Lúcia, no entanto, respondeu com seriedade:— Claro que não. Eu sei que você tem grandes ambições, e eu te apoio em tudo. Tra
A situação não estava boa? Os lábios finos de Sílvio se apertaram involuntariamente, como se uma abelha o tivesse picado no peito, espalhando uma dor lenta e penetrante. Sua respiração ficou mais rápida.Com um olhar sombrio, ele encarou Leopoldo. Quão ruim poderia estar a situação?Ele respirou fundo, tentando se acalmar. “Lúcia não pode estar mal... Não pode!” Sílvio repetia para si mesmo.De repente, ele estendeu a mão e arrancou o relatório das mãos de Leopoldo:— Você está falando demais.Sem paciência para ler cada linha do relatório, ele virou diretamente até a última página e passou os olhos pelo diagnóstico.Seus olhos se arregalaram instantaneamente, e seus dedos que seguravam o papel começaram a tremer levemente. Ele esperava um problema simples, algo sem importância...Mas jamais imaginaria que o diagnóstico indicaria câncer de fígado em estágio terminal. Inoperável. Sem tratamento.Naquele momento, o vice-diretor do hospital surgiu, apressado, vestindo o jaleco branco. Qua
— Ela pode morrer a qualquer momento. — Disse o vice-diretor, com a voz trêmula, finalmente cedendo à pressão.Depois que o vice-diretor saiu, Sílvio mandou Leopoldo ir comprar cigarros e um isqueiro.No fim do corredor, Sílvio acendeu cigarro após cigarro. A fumaça o fez tossir, seus olhos quase lacrimejaram. O gosto do cigarro nunca fora tão amargo, tão difícil de suportar.Suas mãos, normalmente firmes, tremiam enquanto segurava o cigarro. A elegância habitual com que fumava já não existia mais.Depois de terminar quase meia carteira, ele observou o céu do lado de fora da janela. O dia, que já estava nublado, se transformou em uma noite escura e fria. Não havia sol, nem estrelas.O vento gelado cortava seu rosto, trazendo consigo flocos de neve que dançavam no ar. A neve caía forte, e o vento apagou o cigarro que Sílvio segurava.Ele jogou o cigarro fora e esperou que o vento levasse o cheiro de tabaco de suas roupas antes de ir ver Lúcia. Ele sabia que ela odiava o cheiro de cigarr
Sílvio achou que tinha ouvido errado. Tentou escutar novamente, mas o que saía dos lábios de Lúcia era sempre o mesmo: “Pequeno mudo, corra!”Ele, que estava inclinado, lentamente se endireitou. Seus olhos, aos poucos, ficaram vermelhos de raiva, misturados com uma tempestade de emoções que ele não conseguia descrever. Lúcia estava ali, hospitalizada, com câncer, e ainda assim, pensava naquele “pequeno mudo”?Sílvio realmente queria entender. Das palavras que saíam da boca de Lúcia, quais eram verdadeiras? Ou será que tudo que ela dizia era uma mentira bem elaborada?Ela já havia explicado a ele, uma vez, que o “pequeno mudo” era apenas um garoto que ela, por bondade, havia ajudado financeiramente. Disse que só o tinha visto uma vez na vida e que já nem se lembrava da aparência dele. Garantiu que não havia nada entre eles. Nada inadequado.Mas agora, alguém que ela só havia encontrado uma vez, estava na mente dela... A ponto de ser chamado até em seus sonhos! Como isso era possível?El