Abelardo viu o esforço desesperado de Sílvio para puxá-lo de volta. O rosto de Sílvio estava tomado por preocupação e ansiedade.Naquele momento, Abelardo realmente acreditou que Sílvio queria que ele vivesse.Mas, se ele não tivesse visto a carta de despedida de Lúcia, se não tivesse ouvido as amargas reclamações de sua esposa, se não tivesse presenciado as lágrimas dela…E se não tivesse encontrado Giovana no café, nem tivesse sido humilhado por ela ao levar um banho de café, se não tivesse escutado da própria Giovana que Sílvio já havia tirado fotos de casamento com ela…Talvez, só talvez, Abelardo teria se emocionado com a atuação de Sílvio naquele instante.— Uuuuuuh! Uuuuuuuh! — Abelardo gritou furioso com Sílvio, suas palavras distorcidas pela raiva.Ele, na verdade, queria dizer que estava entregando sua vida a Sílvio, para que ele parasse de atormentar Lúcia! E também deixasse sua esposa em paz!Sílvio, concentrado em puxar Abelardo de volta para a varanda, mal conseguia prest
Abelardo olhou para os traços de Sílvio. Naquele momento, algo dentro dele se acalmou.Mesmo que Sílvio o puxasse para cima, o que isso resolveria?Ele havia atingido o pai de Sílvio com o carro, e, indiretamente, destruído a família dele. Como um ódio tão profundo poderia ser simplesmente esquecido?Se ele continuasse vivo, cada vez que Sílvio o olhasse, seria como uma ferida aberta, uma lembrança constante. E, no final das contas, quem sofreria com isso seria sua filha amada, Lúcia.Lúcia já havia escrito sua carta de despedida! Se ele não morresse, o ciclo de ódio jamais acabaria.Tudo isso era karma. Ele era o culpado desde o início! E agora, ele precisava encerrar essa história.Abelardo piscou, os olhos secos. Olhou para a varanda, onde Sílvio segurava seu pulso com força, recusando-se a soltá-lo. Ele começou a gritar, mas as palavras saíam desconexas.No fundo, ele estava dizendo:“Sílvio, eu te perdoo. Está tudo acabado. Por favor, cuide da minha filha, cuide da minha esposa. C
Lúcia estava paralisada de medo. Ela imediatamente envolveu nos braços o corpo ensanguentado de Abelardo. Era a primeira vez que via o pai perder tanto sangue.Quando uma pessoa era submetida a um choque extremo, ela não chorava nem grita. Ela ficava atônita, perdida, com a mente em branco e o corpo totalmente gelado.— Pai... Pai... O que aconteceu com você? Como você ficou assim... — Lúcia tinha os olhos arregalados, enquanto seus dedos trêmulos tocavam a pele enrugada e manchada de sangue de Abelardo.A pele dele, que antes era lisa e bem cuidada, agora parecia uma casca de árvore velha, seca e áspera.Tudo por culpa dela! Se ela não tivesse insistido em se casar com Sílvio, se não tivesse se apaixonado por ele, seu pai não estaria nessa situação.Sandra também se jogou ao lado de Abelardo, sacudindo-o desesperadamente:— Abelardo! Abelardo! Quando saímos de casa, você estava bem! O que aconteceu com você? Me diz, o que foi que aconteceu?Abelardo balançou a cabeça para Sandra, forç
A mão e o braço de Sílvio ainda latejavam de dor por causa da bengalada que Abelardo lhe dera.Abelardo tinha tentado se matar na frente dele! Ele quase caiu junto ao tentar segurar o sogro.E ele não tinha o direito de se sentir injustiçado? Não tinha o direito de se sentir mal?Lúcia nem sequer perguntou o que havia acontecido. A primeira coisa que fez foi lhe dar um tapa na cara.Então era assim que se sentia ser mal compreendido? Era uma dor sufocante, uma angústia que o consumia por dentro.Sílvio sabia que precisava manter a calma. Lúcia já havia perdido a cabeça, e se ele não se controlasse, a situação só pioraria.— Lúcia, vou repetir... — Sílvio tentou, contendo sua raiva, mais uma vez conversar com Lúcia.Outro tapa acertou o rosto de Sílvio, dessa vez na outra face.— Cala a boca! O que mais você tem a dizer? — Lúcia gritou, chorando descontrolada. — Eu nunca deveria ter te convidado para jantar hoje! Tudo isso é culpa sua! Foi você que destruiu meu pai desse jeito!Ela come
Sílvio ficou momentaneamente atordoado ao ouvir aquilo.Então era verdade. Depois que ele salvou a família de Lúcia e foi ao hospital, Leopoldo não havia mentido. Lúcia realmente tinha ido ao hospital levar comida para ele.Ele só não entendia por que nunca recebeu a comida, nem a viu pessoalmente.Mas, independentemente do motivo, o simples fato de saber que Lúcia havia ido já era o suficiente. Isso provava que ela ainda se importava com ele! Ela não era tão fria e indiferente quanto parecia.O tapa que Lúcia lhe deu momentos atrás agora parecia insignificante. Nem mesmo o golpe de bengala de Abelardo, que tentara incriminá-lo, o incomodava mais. Sílvio de repente se sentiu estranhamente aliviado. Finalmente havia uma coisa para se alegrar.Mas então, mais um tapa de Sandra veio em direção ao rosto de Lúcia.Sílvio achava que Lúcia era realmente ingênua. Como ela podia ficar parada ali, sem se defender, sabendo que a mãe estava prestes a bater nela?Quando o tapa estava prestes a acer
Sílvio ficou perplexo por um instante.— Lúcia, você não sabe mais diferenciar o certo do errado? Pra quem você acha que eu tô falando? — Ele sentiu o coração, que antes ardia por ela, esfriar completamente.Ele tinha tomado as dores dela, defendido Lúcia. E qual foi a resposta? Ela o empurrou.Eles eram marido e mulher. Como assim ele não tinha o direito de defendê-la?Se ele não tinha, quem tinha? Basílio?O olhar de Sílvio para Lúcia foi se tornando cada vez mais gelado, como se ele estivesse de repente no meio de um deserto de gelo, sentindo um frio que o atravessava até os ossos.— Lúcia, você me decepcionou. Se eu soubesse, não teria vindo passar o Natal com você. — Sílvio disse com os olhos vermelhos, parecendo profundamente magoado.O que deveria ser um Natal em família tinha se transformado em um caos.Ele não tinha outro lugar para passar o Natal? Tinha que se meter nesse turbilhão? Ele tinha se preparado tanto para este dia, e agora via que não valia a pena.Leopoldo tinha s
Lúcia finalmente voltou a si. Foi então que percebeu a cena à sua frente: seu pai, à beira da morte, estirado no chão. Desesperada, ela se virou e correu na direção dele.Sandra estava sentada no chão, segurando o marido nos braços. Os olhos de Abelardo estavam arregalados, mas a luz dentro deles já se apagava, como uma lua que estava prestes a desaparecer. O olhar, antes firme, agora parecia perdido, incapaz de se focar em qualquer coisa.O vento frio passou, levantando a ponta do casaco de Abelardo, que, ao balançar, parecia uma águia velha e ferida, com as asas quebradas, sendo levada pelo vento em um triste fim.Abelardo tossia, e seus ombros estremeciam de maneira involuntária. Seu corpo tremia sem parar, enquanto o sangue jorrava de suas narinas, lábios e até dos olhos. O sangue, brilhante e intenso, escorria sem controle.A parte de trás da cabeça de Abelardo estava completamente encharcada de vermelho, o sangue tingindo seus cabelos grisalhos.— Abelardo, Abelardo, o que eu f
Naquele dia, Lúcia ainda mantinha as costas eretas, firmes.Diferente da Lúcia de agora, que rastejava no chão, apoiada nas mãos, como um animal ferido, desamparada e desesperada, até chegar aos pés de Sílvio.— Sílvio, Sílvio. Eu não te culpo mais, foi tudo minha culpa, minha culpa. Por favor, chama um médico, Sílvio, chama um médico. — A voz de Lúcia não passava de um sussurro trêmulo, enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto.Ela passou as mãos pelo rosto num gesto automático, espalhando o sangue que manchava seus dedos pelas bochechas, criando uma imagem ao mesmo tempo trágica e bela, marcada pelo desespero.— Lúcia, quem te mandou ajoelhar? — Sílvio estava furioso. Como ela pôde se rebaixar assim?Ele não conseguia aceitar que, aquela que sempre foi tão orgulhosa, agora estivesse completamente sem dignidade. Ele desprezava ver Lúcia desse jeito.— Levanta! Lúcia, eu mandei você levantar! — Sílvio gritou, tomado por uma raiva que ele mesmo não entendia, e agarrou o braço de Lúc