Claro que era algo importante. Quando ela ligou, estava no meio de uma crise, a dor era insuportável, e os analgésicos haviam ficado no banco do carona do carro de Sílvio.Lúcia estava se contorcendo de dor, desesperada, querendo que ele desse meia-volta e trouxesse os remédios. Mas, por mais que ligasse repetidamente, ele não atendeu. E quando ela mandou uma mensagem, ele respondeu de maneira cruel, dizendo que, se ela quisesse morrer, que fizesse logo, sem ficar enrolando.Lúcia colocou as luvas no armário, e sua voz saiu suave, quase indiferente:— Foi engano.— Você não mandou uma mensagem dizendo que precisava falar comigo? — Sílvio se lembrava bem da mensagem de socorro.Lúcia não queria responder, muito menos discutir. Para ela, nada daquilo importava mais. Evitar conversas inúteis havia se tornado sua prioridade.Ela tentou entrar em casa, mas Sílvio bloqueou seu caminho com seu corpo grande, determinado a não deixá-la passar até que tivesse todas as respostas.Respirando fundo
Quanto ódio Sílvio teria que sentir por ela para assistir, impassível, sua própria esposa vomitando sangue na neve?Lúcia percebeu que o sangue frio de Sílvio ia muito além do que ela poderia imaginar.Basílio já havia contado a ele sobre o câncer em estágio terminal, mas mesmo assim, ele continuava tratando-a daquela forma.Só de pensar nisso, Lúcia sentia-se exausta, tanto física quanto emocionalmente. Ela estava tão cansada. O bebê dentro dela havia se deformado, virado uma aberração com três braços e quatro pernas, sugando sua energia de forma descontrolada, assim como as células cancerígenas.Ela sabia que não sobreviveria até o Natal.Faltavam apenas três dias, mas ela duvidava que conseguiria resistir até lá.O tempo, para ela, era valioso demais para ser desperdiçado em brigas com Sílvio ou em mais sofrimento mútuo.Com um sorriso amargo nos lábios, Lúcia virou-se para ir ao closet e trocar de roupa.Mas Sílvio não estava disposto a deixá-la sair assim tão fácil. Ele agarrou se
— Vou mandar o Leopoldo buscar. — Disse Sílvio, antes de enviar uma mensagem para Leopoldo.Leopoldo não demorou. Em apenas dez minutos, os remédios prescritos pelo Dr. Arthur chegaram às mãos de Sílvio.Sentado no sofá, com as pernas cruzadas, Sílvio examinou minuciosamente cada caixa de remédio. Estava tudo em ordem: eram medicamentos específicos para estabilizar a gravidez, sem nada de errado.Ele pressionou a ponta dos dedos contra as têmporas, sentindo o cansaço pesar sobre seus ombros, e recostou-se no sofá.Antes de subir, ele havia prometido a si mesmo que evitaria discutir com Lúcia. Chegaram até aquele ponto depois de tantos altos e baixos, e agora, ela carregava o filho dele no ventre.Quando o bebê nascesse, ela naturalmente focaria na família.Era patético. Ele, o presidente do Grupo Baptista, dependia de um filho para segurar o coração da própria esposa. Precisava de um filho para tentar salvar um casamento à beira do colapso.Quando Lúcia saísse do closet, ele seria mais
Lúcia suspirou, sentindo o peso das pílulas em sua mão, como se fossem feitas de chumbo.— Por que você está pesquisando isso? Você não tem câncer. — A voz de Sílvio, leve e despreocupada, ecoou pelo ambiente.Lúcia desviou o olhar da bula e olhou diretamente para ele:— O que você acha?Ele a encarava com uma expressão confusa e quase inocente.Era ridículo. Ela realmente estava vendo inocência nos olhos de Sílvio?Se Basílio não tivesse contado que ele já sabia sobre o câncer, ela certamente teria caído na atuação impecável de Sílvio.Ele, acreditando que Lúcia estava apenas relutante em ter o bebê, tentou explicar pacientemente:— Lúcia, esses remédios são para proteger o bebê. Se você os tomar, nosso filho vai nascer saudável.Só com o nascimento da criança tudo voltaria ao normal.— Você realmente acha que essa criança vai nascer? Acha que ela está saudável no meu ventre? — Lúcia soltou uma risada cheia de amargura.Seu médico já havia sido bem claro: o bebê, devido à multiplicaçã
Sílvio teve um momento de desorientação. Inúmeros comprimidos caíam freneticamente em seu rosto, causando uma dor fina e constante.Lúcia, cada vez mais irritada, pegou o copo de vidro que estava em suas mãos e jogou a água quente diretamente no rosto sério de Sílvio.— Sílvio, eu estou farta de você! Farta! — Gritou ela, tomada pela fúria.A água escaldante fez com que Sílvio franzisse o cenho, enquanto passava a mão no rosto molhado.Num movimento rápido, Sílvio agarrou o pulso de Lúcia com força: — Você tá maluca?— É claro que eu tô maluca! Você não sabia? — Lúcia se desvencilhou, lágrimas escorrendo pelo rosto. Num acesso de raiva, ela deu um tapa com força no rosto de Sílvio. — Desgraçado! O que foi que eu fiz pra merecer isso? Você é só um segurança de quinta! Sem mim, o que você seria? Sem mim, você não é nada! Sílvio, você não é nada! Você me prometeu gratidão, que seria bom pra mim, que me recompensaria! É assim que você me retribui? Você vai ser amaldiçoado, Sílvio! Vai pag
As lágrimas corriam incessantemente pelo rosto dela, e Lúcia balançava a cabeça sem parar. Ela não queria tomar o remédio, não queria morrer. Ainda queria viver um pouco mais, queria passar o Natal com seus pais.Mas Sílvio não tinha a menor ideia de toda a dor que ela sentia.— Calma, fica quietinha e toma o remédio, e eu prometo que vou cuidar dos seus pais. A dívida entre mim e seu pai vai ser perdoada. — O rosto de Sílvio encostou-se ao de Lúcia, tentando acalmá-la com um tom suave.Ele não sabia da real condição de saúde de Lúcia, só entendia que o filho que ela carregava era o elo que ainda os unia.Sílvio estava desesperado para voltar ao que tinham antes. Se pudesse recuperar a Lúcia que o amava, ele faria qualquer coisa.Ao ouvir aquelas palavras, Lúcia parou de resistir. Ela desistiu de lutar e se deixou ser abraçada com força por Sílvio.— Lúcia, se você tiver nosso filho, vamos voltar a ser felizes como antes. Tudo vai ser como era, vamos ser muito felizes, muito felizes.F
Sandra ligou de repente para Lúcia, a voz carregada de preocupação:— Filha, você está bem? O Sílvio não te fez nada, fez?Lúcia segurou o celular, sentindo uma angústia sufocante por dentro. Como poderia não ter feito? Ela acabara de tomar uma porção de remédios que uma paciente com câncer jamais deveria ingerir.Mas não queria preocupar a mãe, então fingiu indiferença e respondeu:— Mãe, por que está perguntando isso?— Seu pai acordou da soneca da tarde e, não sei por quê, ficou insistindo em te ver. Ele disse que só janta depois de te ver, Lúcia. Volte para casa o mais rápido possível. — Sandra chorava do outro lado da linha.Sabendo que seu pai estava fazendo birra novamente, Lúcia desligou o telefone rapidamente, foi até o closet, trocou de roupa e pegou um táxi para a Mansão Baptista.Sandra estava com uma tigela de comida nas mãos, como se estivesse alimentando uma criança. Ela pegou um pedaço de bacalhau e tentou dar para Abelardo.Abelardo virou o rosto, recusando a comida. S
— Pai, você precisa comer as três refeições do dia, sempre na hora certa e na quantidade certa. Nem que seja por mim. — Lúcia mordeu os lábios, tentando controlar a emoção. — Não se preocupe comigo, eu estou bem. Não dê ouvidos ao que a mamãe diz, ela só enxerga as coisas pela metade. O Sílvio tem sido bom para mim, e é ele quem está pagando suas despesas médicas.Ao ouvir o nome de Sílvio, Abelardo suspirou, e uma expressão complexa tomou conta de seu rosto. Ele parecia envergonhado e murmurava algo incompreensível.Lúcia, conhecendo bem o pai, parecia entender o que ele queria dizer.— Pai, você acha que se tornou um peso para mim?Abelardo acenou com a cabeça, e seus punhos começaram a golpear suas próprias pernas, como se estivesse frustrado com sua condição.Lúcia rapidamente segurou suas mãos:— Pai, não pense assim. Se você é um peso, então eu sou ainda mais. Não se permita esses pensamentos. Por mais de vinte anos, você sustentou este lar para mim e para a mamãe, nos deu tudo.