— Pai, você precisa comer as três refeições do dia, sempre na hora certa e na quantidade certa. Nem que seja por mim. — Lúcia mordeu os lábios, tentando controlar a emoção. — Não se preocupe comigo, eu estou bem. Não dê ouvidos ao que a mamãe diz, ela só enxerga as coisas pela metade. O Sílvio tem sido bom para mim, e é ele quem está pagando suas despesas médicas.Ao ouvir o nome de Sílvio, Abelardo suspirou, e uma expressão complexa tomou conta de seu rosto. Ele parecia envergonhado e murmurava algo incompreensível.Lúcia, conhecendo bem o pai, parecia entender o que ele queria dizer.— Pai, você acha que se tornou um peso para mim?Abelardo acenou com a cabeça, e seus punhos começaram a golpear suas próprias pernas, como se estivesse frustrado com sua condição.Lúcia rapidamente segurou suas mãos:— Pai, não pense assim. Se você é um peso, então eu sou ainda mais. Não se permita esses pensamentos. Por mais de vinte anos, você sustentou este lar para mim e para a mamãe, nos deu tudo.
Abelardo olhou para Lúcia com um olhar complicado. No fundo, ele não queria que a filha fosse embora. Desejava que ela ficasse ao seu lado para sempre.Mas ele não queria ser um peso para ela. Seus lábios se moveram, como se fosse dizer algo para tentar convencê-la a ficar, mas as palavras se perderam antes de serem ditas.Nesse momento, Sandra voltou para casa com uma árvore de Natal, enfeites coloridos e um adorável Papai Noel de pelúcia.Lúcia observou enquanto a mãe orientava os empregados a montarem a árvore e pendurarem as luzes.Abelardo, ao ver sua esposa tão animada, organizando tudo para o Natal, e a harmonia familiar que reinava naquele instante, deixou escapar um raro sorriso em seu rosto levemente inchado.Lúcia, percebendo a felicidade de seu pai, também sorriu. Ela fez uma promessa silenciosa a si mesma: ela resistiria até o Natal, passaria o último Ano Novo com seus pais, participaria da última ceia em família e assistiria ao último show de fogos de artifício juntos.Sa
Ele estava recostado no travesseiro, com os olhos turvos, olhando para o lustre no estilo europeu.Sandra falava enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto. Abelardo, em silêncio, deu um leve tapinha em seu ombro e a abraçou. Ele se sentia profundamente culpado, inútil por não conseguir proteger sua esposa e filha. Ser humilhado por Sílvio e não poder fazer nada a respeito só aumentava essa sensação.Depois que sua esposa adormeceu, Abelardo fechou os olhos, mas os pensamentos sobre as palavras de Sandra não o deixavam em paz. Ele cuidadosamente retirou o braço dela, que estava sobre ele, e, com grande esforço, desceu da cama, indo até sua cadeira de rodas. Lentamente, deslizou a cadeira até sair do quarto.Notou que o quarto de Lúcia ainda estava iluminado e, curioso, foi até lá.Ao entrar, viu Lúcia de costas para ele, caída sobre a mesa, como se tivesse adormecido enquanto trabalhava.Abelardo estava prestes a acordá-la para que fosse descansar na cama e não pegasse um resfriado, ma
Lúcia ouviu o nome de Sílvio e, imediatamente, sentiu o coração apertar.É claro, como ela não pensou nisso antes? Devia ter sido ele!— Lúcia, você brigou com ele de novo, não foi? — Sandra perguntou, chorando, com o tom de quem já sabia a resposta.Lúcia não queria preocupar a mãe e negou, contrariando seus próprios sentimentos:— Não, não brigamos.— Como não? E por que seu pai desapareceu de repente? Só pode ter sido Sílvio. Quem mais teria motivo para fazer isso? Você já esqueceu quando ele empurrou seu pai da cadeira de rodas? — Sandra enxugou as lágrimas com a manga da blusa. — O Natal está quase aí, e esse ingrato ainda quer causar mais confusão!De repente, Lúcia lembrou do dia anterior, quando Sílvio a forçou a tomar o remédio, e ela, num impulso de raiva, arranhou o rosto dele e ainda lhe deu alguns tapas.Não imaginava que a vingança viria tão rápido. Agora, ela sabia que suas ações impulsivas sempre tinham um preço.— Mãe, eu vou encontrá-lo. Não se preocupe, está bem? Síl
Lúcia sempre teve coragem de fazer o que os outros jamais ousariam.Sílvio, por sua vez, percebeu que sua paciência com ela estava ficando cada vez maior, e os limites que impunha a si mesmo, cada vez menores.Ele andava muito ocupado nos últimos dias, afinal, o Natal estava chegando e ele queria resolver os negócios para poder passar um tempo tranquilo com ela e sua família.O que ele não esperava era que Lúcia viesse procurá-lo tão rápido.Sílvio sentiu os cantos da boca se levantarem involuntariamente, mas foi só por um instante. Logo seu rosto voltou àquela expressão fria e séria.Ao entrar na sala de reuniões, ele a notou imediatamente.Lúcia estava sentada em uma das cadeiras ao lado da mesa comprida. Seus longos cabelos negros caíam suavemente sobre os ombros, presos atrás das orelhas delicadas.Ela vestia um grosso casaco preto que a envolvia, parecendo ainda mais pequena e frágil.Com uma xícara de café nas mãos, Lúcia estava prestes a dar um gole quando ouviu o som de passos
Lúcia levantou os olhos, nervosa, apertando o cabo da colher com mais força.Sílvio, de braços cruzados, estava sentado do outro lado da mesa, vestindo um terno impecável que destacava sua presença imponente. Ele exalava a aura de um verdadeiro líder, alguém acostumado ao poder.No rosto dele, não havia traços de qualquer emoção, o que fazia o coração de Lúcia bater acelerado. Ainda assim, ela decidiu falar:— Eu e o Basílio não temos nada, somos apenas amigos. — E quanto ao rapaz mudo, ele já está morto. Eu o vi apenas uma vez e nem lembro mais de sua aparência. Nunca tive nenhum envolvimento inadequado com ele. Sílvio, estou dizendo a verdade. Se não acredita, pode investigar. — Disse Lúcia, mordendo o lábio, tentando manter a calma.Sílvio estreitou os olhos, observando-a de forma penetrante:— Por que veio me procurar? O que realmente quer?Ele sabia que ela não estava ali apenas para se explicar. Mas, de certa forma, o fato de Lúcia estar se esforçando por ele lhe agradava, ainda
Lúcia viu que ele estava prestes a sair e correu para interceptá-lo, bloqueando seu caminho.Como poderia deixá-lo ir embora, depois de todo esse tempo que ele demorou para aparecer?— Diga-me o que você precisa para trazer meu pai de volta! Você sabe que minha mãe está desesperada! Sílvio, você pode brigar comigo e se irritar à vontade, mas por que usar meu pai como arma? — Lúcia falava com pressa, as palavras saindo desenfreadas.O semblante de Sílvio tornava-se cada vez mais sombrio, seus traços faciais rígidos:— Dizem que fui eu. E as provas?— Como você sequestra alguém e ainda deixa provas?— Lúcia, se existissem provas contra mim, seria melhor você ir à delegacia fazer uma denúncia e chamar a polícia para me prender. Sem provas, não venha sujar meu nome. — Sílvio puxou a gravata, visivelmente irritado.Lúcia cerrava os punhos, sentindo a frustração subir.— Você realmente não sabe quem levou seu pai? Ele fez tantas maldades, tem tantos inimigos, não faz ideia de quem possa esta
As botas de neve afundavam na espessa camada branca, que chegava a quase um metro de altura, deixando suas pegadas desiguais, como se estivesse andando em pernas de pau.“Onde será que Sílvio escondeu papai? Será que ele está bem?” Pensava Lúcia, preocupada.Dias atrás, seu pai havia feito birra como uma criança por causa de um pesadelo, recusando-se a jantar. Agora, sem poder vê-lo, como ela poderia saber se ele estava comendo direito? Será que estava descansando bem?A neve caía em grandes flocos, pesados e rápidos, atingindo o rosto magro de Lúcia. O vento uivava ao redor, jogando seus longos cabelos negros no ar, como se fossem uma rede flutuante, uma mecha de cada vez.Lúcia sentia como se estivesse sufocando. Por que Sílvio a odiava tanto?Tudo isso começou porque ela se recusou a tomar os remédios para segurar a gravidez, e depois lhe deu alguns tapas. E agora, ele havia levado seu pai.O celular no bolso do casaco piscava silenciosamente, com a tela mostrando uma chamada da mãe