Capítulo 4

 Lucas ficou inconsciente por alguns dias, mas nesta manhã quando ele acordou com a luz suave do amanhecer filtrando-se pela janela no quarto de UTI, com tubos, e zumbido dos aparelhos ao seu redor, teve a certeza de que era um lembrete constante da cirurgia que havia salvado sua vida, e, foi ela, Dra. Ana Steele que estava ali para monitorar seu estado quando ele abriu os olhos.

– Você salvou a minha vida, não é? –  perguntou Lucas com um sorriso irônico.

Ana olhando para ele, demorou alguns segundos para responder, se perguntando se Lucas estava realmente fazendo uma pergunta, ou se já havia ouvido a sua voz naqueles dias em que estava inconsciente.

– Eu diria que foi a equipe médica, sou apenas uma peça num jogo de xadrez. – ela sorriu ainda mais que ele, que relaxou a cabeça e colocou a mão de maneira suave sobre a dela.

– Posso dizer então, que sou um homem de sorte, doutora... – respondeu, Lucas.

– Ana, num susto, desvencilhou-se de Lucas, sentindo seu coração bater mais rápido, e quase ficando de costas, disfarçou mexendo na medicação.

– Eu faria isso por qualquer pessoa nesta posição – disse ela, tentando ser o mais profissional possível, mas não conseguindo esconder a cor que subia em suas bochechas.

Lucas, percebendo a reação dela, deu um sorriso que era metade charme, metade gratidão. – Tenho certeza que sim, doutora. Ainda assim, agradeço. – disse ele, sua voz rouca.

– Você ficará bem e logo logo entregará as correspondências do bairro novamente. – respondeu Ana, com um sorrisinho de canto, tentando parecer despreocupada, mas seus olhos mostravam um pouco a preocupação e o interesse que sentia.

– Você se lembra de quem eu sou?! – perguntou Lucas, meio grogue ainda.

– Me lembro sim, carteiro misterioso. Ainda estou me perguntando o que aconteceu naquele dia em que chegou a esse hospital... – Ana tinha um semblante curioso, seus olhos brilhando com uma mistura de preocupação e fascinação.

Lucas hesitou por um momento, seus olhos desviando para o teto antes de voltar a encontrar os dela.

– É, me parece que a sorte nem sempre quer me acompanhar, – disfarçou, tentando não revelar a vulnerabilidade que sentia.

Ana deu um passo em direção a ele, sua mão quase tocando a dele novamente antes de ela se controlar. 

– Está vivo, senhor Beck. É sempre bom agradecer. – disse ela com um sorriso gentil, mas cheio de intensidade, antes de sair da UTI, deixando Lucas ainda mais intrigado e atraído por ela.

Enquanto Ana caminhava pelo corredor, ela não podia deixar de sentir o impacto daquela breve interação. Lucas era mais do que apenas um paciente, e havia algo nele que a atraía de uma maneira que não conseguia explicar. E enquanto ela se preparava para o próximo paciente, sabia que o carteiro misterioso não sairia de seus pensamentos tão cedo.

[...]

 O corredor do hospital estava silencioso, apenas interrompido pelo ocasional som de passos apressados e os murmúrios de conversas abafadas. A UTI estava em sua rotina noturna, com enfermeiros e médicos atentos aos monitores e ao bem-estar dos pacientes. 

Ana dedicava a sua vida aquele hospital, naquela noite, caminhava pelos corredores com uma prancheta em mãos, se sentia cansada, um pouco com sono devido ao horário, e em meio a essa tranquilidade que os plantões noturnos passavam, sabia que não haveria com o que se preocupar. 

Até que então, um barulho muito alto, [CRASH, BAM!], ecoou. 

A porta de vidro da UTI foi violentamente empurrada, fazendo com que ela batesse contra a parede com um estrondo, por pouco, não a quebrou. Ana ficou apavorada, seu coração batia tão forte e tão rápido como se fosse um tambor de guerra, se enchendo de medo. Deslocou-se depressa em direção a UTI, no caminho começou a escutar gritos que ecoavam naquele corredor.

Um homem alto e agitado, com cabelos desgrenhados e um olhar frenético teria invadido a UTI. Seus olhos percorriam o ambiente com desespero, fixando-se em um paciente específico deitado na cama próxima à janela, Lucas Beck.

O monitor que acompanhava Lucas, apitava suavemente, com os sinais vitais estabilizados, mas o homem não parecia se preocupar com isso. 

Ele gritava, sua voz cortando o silêncio como uma lâmina afiada.

– EU QUERO TIRAR ELE DAQUI! – bradou o homem, a voz cheia de pânico e determinação. – NÃO É SEGURO PORRA! VOCÊS ESTÃO COLOCANDO A VIDA DELE EM RISCO!

As enfermeiras e médicos presentes se entreolharam, espantados. A chefe de enfermagem, Márcia, com uma expressão serena, mas firme, deu um passo à frente. Ela levantou as mãos, tentando acalmar a situação.

– Senhor, por favor, acalme-se. Qual é o seu nome? O que está acontecendo? – perguntou ela com calma, mas sua voz carregava um tom de autoridade.

O homem não parecia ouvir, sua atenção fixada em um monitor de leitura. 

Ele se aproximou da cama onde Lucas estava, com as mãos trêmulas enquanto tentava desencaixar os fios e tubos que estavam conectados. Márcia correu até ele, tentando impedir que ele fizesse qualquer movimento brusco.

– O senhor precisa se acalmar, – insistiu Márcia, segurando gentilmente o braço do homem. – Este paciente está em cuidados intensivos e qualquer movimento abrupto pode piorar a situação dele.

O homem, com uma força inesperada, afastou Márcia de lado. Ele tinha uma expressão de pânico absoluto no rosto. Seus olhos estavam dilatados, e sua respiração era irregular.

– VOCÊS NÃO ENTENDEM! ELE ESTÁ EM PERIGO, NÃO HÁ SEGURANÇA AQUI! – gritou ele, olhando para o monitor com uma mistura de raiva e medo. – Eles estão mentindo para nós, não estão fazendo o que é necessário!

Lucas, ainda fraco na cama, tentou se erguer para acalmá-lo.

– Eu estou bem. Eles aumentaram a segurança. Não vai acontecer de novo, – disse Lucas, com sua voz suave e cansada.

O Dr. John, chefe da cirurgia e chefe da UTI, que estava monitorando outro paciente em um canto da sala, se aproximou com calma e firmeza. Ele tentou intervir de maneira mais tranquila, mas com a mesma determinação.

– Senhor, precisamos que o senhor explique exatamente o que está acontecendo – disse o Dr. John, mantendo uma distância segura. – Diga-nos o que lhe preocupa e nós faremos o nosso melhor para ajudá-lo.

O homem, finalmente percebendo a seriedade da situação, começou a falar com uma voz trêmula.

– Eu... eu não posso deixá-lo aqui, o tiroteio... e se invadem aqui de novo?! Eu não posso arriscar a vida dele. Ele não pode ficar aqui!

Márcia, sentindo a urgência, olhou para o Dr. John e então para o monitor. Ela sabia que as preocupações dele, embora inflacionadas pelo medo, tinham que ser levadas a sério.

– Vamos verificar todas as câmeras do hospital, reforçar a segurança, e monitorar todos os equipamentos imediatamente,  – disse Márcia, dirigindo-se aos técnicos

que estavam na sala. – Por favor, senhor, nos dê um momento para fazer uma revisão completa.

Mas, aquele homem estava além do alcance das palavras calmas. A visão que ele tinha daquela noite infernal em que ele poderia ter perdido alguém tão próximo a ele, ainda ecoava em sua mente, um trauma que ele não conseguia superar. Ele continuava a gritar, a raiva e o medo se misturando em um turbilhão de emoções. 

– TEMOS QUE TIRÁ-LO DAQUI! AGORA! – Ele insistia, tentando pegar Lucas pelas mãos.

Enquanto a equipe técnica realizava uma revisão detalhada dos equipamentos, e conversava com a segurança do hospital, Márcia e o Dr. John, conversavam com o homem, tentando tranquilizá-lo e explicar a complexidade da situação.

Dra. Ana ficou completamente pasma, chocada com o que ela via, realmente a cena era inacreditável, porém, precisava intervir de alguma forma. Fez um gesto para que as enfermeiras afastassem o homem dos pacientes, dando a ele um sedativo leve para acalmá-lo. Depois de alguns minutos, o homem começou a relaxar, suas palavras começaram a se transformar em murmúrios incoerentes. 

– Não é... segu..ro... – dizia o homem.

Ana, respondeu: – É seguro sim. Vamos deixar você dormir um pouquinho pra gente tentar conversar com mais calma quando acordar.

Ele foi levado a uma sala tranquila, onde poderia descansar.

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