Anos atrás
Eu tinha medo de permanecer ali. Tinha medo do que ele poderia me fazer caso perdesse a cabeça como das outras vezes. Sabia que Ethan não mudaria, já havia anos que ele mantinha aquela postura autoritária, como se tivesse algum domínio sobre mim. E, de certa forma, ele tinha.
Sentada na cama velha do meu quarto, encarei a parede cinza à minha frente, onde a tinta descascava em pequenas lascas. O teto exibia manchas de infiltração, e o chão de madeira rangia a cada movimento. A casa inteira precisava de reparos urgentes, mas nunca houve interesse em consertá-la. O cheiro de mofo impregnava o ambiente, tornando tudo ainda mais sufocante.
Pensei em como minha vida poderia ser diferente se meus pais nunca tivessem me abandonado. Talvez, agora, eu estaria cursando uma faculdade, teria amigos que frequentariam minha casa e, quem sabe, um namorado. Nossa casa seria espaçosa, com quartos grandes e uma piscina nos fundos, onde passaríamos os finais de semana reunidos em família. Sim, seria muito bom. Mas essa não era minha realidade.
O estrondo da porta do quarto ao lado me trouxe de volta ao presente. Levantei-me depressa, o coração acelerado, esperando mais um ataque de fúria dele. Mas, dessa vez, o silêncio prevaleceu. Um alívio percorreu meu corpo quando ouvi o motor do carro dar a partida. Ele havia saído. Aquela era minha chance.
Peguei minha mochila velha e joguei dentro dela algumas peças de roupa, meus documentos e o pouco dinheiro que encontrei escondido debaixo de um jarro na cozinha. Não havia muito para levar. Nada ali era realmente meu, e mesmo que fosse, não queria carregar nada que me lembrasse do sofrimento vivido naquela casa.
Atravessei a porta sem olhar para trás. Deixaria aquela casa e tudo o que representava no passado. O medo, a dor e a submissão ficariam para trás. Era hora de recomeçar.
Mesmo sozinha, me senti livre pela primeira vez em anos.
Assim que o ônibus parou, caminhei apressada até a entrada da casa da minha única amiga. Olivia não fazia ideia do que eu passava. Nunca gostei de contar sobre minha vida, e sabia que ela não insistiria em saber, caso eu não quisesse falar. Era apenas uma das muitas qualidades que eu amava nela.
Olivia abriu o portão e sorriu ao me ver.
— Preciso de ajuda — disse sem rodeios.
***
Tempos atuais
As noites mal dormidas finalmente estavam valendo a pena. Depois de meses encarando ônibus lotados, batalhando por um emprego melhor que pagasse mais que algumas gorjetas, eu começava a ver os frutos do meu esforço.
Olhando para meu reflexo no pequeno espelho do apartamento de dois cômodos, um sorriso satisfeito brotou em meus lábios. O vestido vinho que Olivia me dera no ano passado finalmente estava sendo usado. O tecido leve abraçava meu corpo na medida certa, terminando no meio das coxas, dando a ilusão de pernas mais longas. Talvez fossem os saltos altos que me faziam parecer mais esguia. Meus cabelos ruivos, soltos e levemente ondulados nas pontas, realçavam meu rosto de traços delicados. A maquiagem era sutil, apenas o suficiente para iluminar minha pele clara e destacar os olhos verdes.
Peguei minha bolsa, mais um presente de Olivia, e saí de casa. O céu estava lindo naquela manhã. O sol começava a se erguer sobre os arranha-céus de Nova Iorque, pintando o horizonte com tons dourados. O frio leve fazia as pessoas apertarem os casacos contra o corpo enquanto caminhavam apressadas.
Olhei o relógio. Ainda tinha uma hora até meu expediente, tempo suficiente para pegar o ônibus e chegar ao escritório. Meu peito se encheu de orgulho ao pensar que, depois de tanto esforço, havia conseguido uma vaga em uma das maiores empresas de joias do país. Era um sonho que eu jamais ousara ter, mas ali estava eu, prestes a dar um grande passo.
Lembrei-me da emoção ao receber o e-mail de aprovação. Eu chorei feito criança na casa da Olivia.
— Parabéns, Emma! — ela me abraçou forte. — Eu sabia que você conseguiria.
— Obrigada, amiga. Se não fosse pelo seu apoio e ajuda, eu nunca teria passado.
Olivia sorriu.
— Eu só te apoiei. O mérito é todo seu!
Agora, caminhando rumo ao novo futuro que me aguardava, repassei mentalmente tudo o que havia aprendido nos cursos online. A internet me ensinara mais do que qualquer escola poderia ter feito.
Quando desci do ônibus, parei por um instante para absorver a imagem diante de mim. O prédio da Precious Ambition era imponente, feito de vidro reluzente e aço, refletindo o céu azul acima. Era elegante e sofisticado, com detalhes dourados que ressaltavam sua grandeza. Pessoas bem-vestidas entravam e saíam apressadas, como se carregassem o peso do mundo sobre os ombros.
Respirei fundo, tentando controlar a ansiedade.
— Você consegue — murmurei para mim mesma, como um mantra.
E então, com determinação, dei o primeiro passo para dentro do meu novo começo.
Depois de pegar meu crachá e preencher alguns papéis, finalmente assumi meu posto. Sentada atrás de um balcão imponente de granito negro, sorri ao atender as primeiras ligações, mantendo a postura impecável. Fiz tudo exatamente como me foi instruído, não podia cometer erros.
O ambiente ao meu redor era sofisticado, o piso de mármore refletia as luzes suaves do teto, e o sutil aroma de café misturado ao perfume caro das executivas preenchia o ar. Tudo ali exalava riqueza e poder.
O som das portas do elevador deslizando para os lados fez com que eu erguesse os olhos.
— Senhor O’Connel — anunciou uma loira alta e elegante, seu salto ecoando no piso. — Esta é Emma Clarke, sua nova secretária.
Foi então que o vi.
Ele saiu do elevador com passos firmes, vestindo um terno impecável que parecia moldado para seu corpo atlético. Alto, ombros largos, mandíbula esculpida como se tivesse sido esboçada à perfeição. Seus olhos azuis tão intensos quanto o oceano em um dia de tempestade, me analisaram com tamanha profundidade que quase senti minha respiração vacilar. Havia algo neles, um olhar afiado e calculista, como se estivesse tentando decifrar cada pensamento meu antes mesmo de eu ter consciência deles.
Engoli em seco, mantendo a compostura. Trabalhar ali já parecia um desafio, mas trabalhar para ele… seria um verdadeiro teste de fogo.
Por um breve instante, o silêncio ensurdecedor pairou entre nós.O senhor Cooper não desviou o olhar, e eu senti um frio na barriga que chegava a doer. Não pelo medo, mas pela imponência que ele exalava. Seu olhar era avaliador, frio, calculista, como se estivesse determinando se eu era digna de ocupar aquele cargo.— Seja bem-vinda, senhorita Clarke — disse ele, finalmente, com uma voz grave e firme.Sua entonação carregava um tom de autoridade natural, daquele tipo de homem que está acostumado a comandar tudo e a todos com pulso firme. Ele estendeu a mão, e eu a apertei com profissionalismo, embora sentisse o calor e a força de seu aperto e o frio que antes sentia na barriga subir para a coluna.— Obrigada, senhor — respondi, mantendo a voz firme, tentando disfarçar o nervosismo.Ele soltou minha mão e virou-se para a loira que o acompanhava.— Alguma pendência para hoje? — perguntou sem rodeios.— Sua agenda está na sua mesa, junto com os contratos para análise — informou ela, mant
Voltei para minha mesa sentindo o peso daquelas últimas palavras: “Não me decepcione.” Não sei por que aquilo mexeu tanto comigo, mas a verdade é que Anthony Cooper não era um homem fácil de ignorar. Ele exalava autoridade, controle e… algo mais. Algo que fazia minha pele arrepiar sempre que seus olhos se fixavam nos meus. Era como se ele pudesse me decifrar, despir com aqueles olhos profundos como o mar.Respirei fundo tentando esquecer o que sua presença me causava, eu não podia me distrair. Tentei focar no trabalho. Passei as horas seguintes organizando reuniões, atendendo ligações e respondendo mais e-mails. Queria mostrar que estava à altura do cargo, que merecia estar ali porque eu era a melhor.O relógio marcava quase meio-dia quando a porta do escritório dele se abriu. Meu coração acelerou, outra vez, mas mantive a postura profissional.Anthony saiu da sala ajustando os punhos da camisa, agora com o paletó novamente no lugar. Seu olhar encontrou o meu por um breve momento ante
O silêncio que pairava entre nós era carregado de algo que eu não queria nomear porque sabia que era mais que errado.Sentada à frente do meu chefe, em um restaurante luxuoso no coração de Nova Iorque, eu sentia o peso da sua presença como uma tempestade prestes a se formar no horizonte vindo na minha direção. Ele me observava com aquele olhar afiado, desafiador como se pudesse me dissecar e descobrir cada segredo meu. Mas eu não cederia. Não ao jogo dele.O garçom serviu a taça de vinho à minha frente, e eu a girei entre os dedos, observando o líquido escarlate deslizar pelas laterais do cristal.— Você não bebe? — Anthony perguntou, erguendo uma sobrancelha. Seu tom era neutro, mas havia um interesse sutil em sua voz. Era perceptível.— Prefiro manter a cabeça clara no trabalho, senhor. — Respondi, antes de levar a taça aos lábios e dar um pequeno gole. Ele sorriu de canto, como se achasse graça da minha resposta.— Inteligente. Gosto disso.Fingi não perceber o elogio velado e foqu
O dia no escritório foi intenso. Depois do almoço tenso como o meu chefe, mergulhei de cabeça nas tarefas. Meu trabalho consistia em organizar sua agenda, filtrar ligações, responder a inúmeros e-mails e lidar com contratos e documentos importantes. A pressão era enorme, mas eu gostava de desafios, era uma maneira de provar a mim mesma que eu podia fazer aquilo. Me mantive ocupada, evitando pensar nos olhares prolongados do meu chefe e na energia carregada que pairava entre nós antes, durante e depois daquele estranho almoço. Onde é que eu estava com a cabeça quando aceitar almoçar com ele?Quando o expediente chegou ao fim, senti um alívio enorme percorrer meu corpo. Era como se um peso saísse das minhas costas me fazendo respirar outra vez. Peguei minha bolsa e saí do imponente prédio, respirando o ar frio da cidade. Caminhei até o ponto de ônibus e esperei pacientemente pela minha condução que estava atrasada.O trajeto de volta para casa foi longo. O ônibus estava lotado, como sem
O telefone em minha mão ainda vibrava, mas minha atenção estava longe da chamada. Meus olhos ficaram presos na porta por onde Emma havia saído. Era estranho como ela conseguia entrar e sair de um ambiente, deixando uma presença quase palpável, mesmo na ausência. Respondi ao telefonema com brevidade e voltei para minha sala, mas minha mente insistia em voltar àquela troca.De volta à segurança da minha mesa, tentei me concentrar nos relatórios do dia, mas cada linha lida parecia ser interrompida por flashes dela: o jeito que sustentava o olhar, o tom direto e profissional, aquele meio sorriso desafiador. Eu me irritava comigo mesmo por estar tão distraído, mas, ao mesmo tempo, não conseguia evitar.Algumas horas depois, enquanto o escritório começava a esvaziar, notei a luz acesa na sala de conferências. A curiosidade me venceu, e fui até lá. Emma estava sentada, o blazer pendurado na cadeira ao lado, os cabelos soltos agora, caindo em ondas suaves sobre os ombros. Ela estava absorta,
Os dias que se seguiram foram marcados por uma constante inquietação. Eu me pegava atento demais à presença de Emma no escritório, observando-a nos momentos mais banais: a forma como organizava seus papéis, a maneira precisa com que digitava e até mesmo o modo como tomava seu café sem qualquer adição de açúcar. Detalhes que, até então, eu jamais havia reparado em outra pessoa.O mais irritante nisso tudo era que eu não conseguia controlar essa curiosidade. Era como se ela tivesse se instalado em minha mente de forma involuntária e, a cada dia, tornava-se mais difícil ignorá-la.Certa tarde, durante uma reunião, notei como ela mantinha a postura impecável enquanto apresentava um relatório. Sua confiança era inabalável, e o modo como falava tornava impossível desviar a atenção. Eu deveria est
Finalmente o fim de semana havia chegado, eu precisar relaxar, aproveitei o tempo longe do escritório para visitar minha melhor amiga, Olivia. A casa dela era acolhedora, repleta de tons neutros e detalhes minimalistas, um refúgio perfeito para conversas sinceras e desabafos sem julgamentos.— Você está estranhamente pensativa hoje — comentou Olivia, servindo-me uma taça de vinho enquanto nos acomodávamos no sofá.Suspirei, girando o líquido na taça antes de responder:— É sobre o trabalho. Sobre o meu chefe, na verdade.Olivia arqueou uma sobrancelha, interessada.— Anthony? O poderoso e intocável Anthony?— Esse mesmo. — Tomei um gole de vinho antes de continuar. — Ele me intriga de um jeito que não deveria.Olivia sorriu de lado.— Isso parece interessante.— Não é — retruquei rapidamente. — Sei que é errado. Sei que jamais vou cair na lábia dele. Mas ele... mexe comigo. E eu odeio admitir isso em voz alta.— T