O silêncio que pairava entre nós era carregado de algo que eu não queria nomear porque sabia que era mais que errado.
Sentada à frente do meu chefe, em um restaurante luxuoso no coração de Nova Iorque, eu sentia o peso da sua presença como uma tempestade prestes a se formar no horizonte vindo na minha direção. Ele me observava com aquele olhar afiado, desafiador como se pudesse me dissecar e descobrir cada segredo meu. Mas eu não cederia. Não ao jogo dele.
O garçom serviu a taça de vinho à minha frente, e eu a girei entre os dedos, observando o líquido escarlate deslizar pelas laterais do cristal.
— Você não bebe? — Anthony perguntou, erguendo uma sobrancelha. Seu tom era neutro, mas havia um interesse sutil em sua voz. Era perceptível.
— Prefiro manter a cabeça clara no trabalho, senhor. — Respondi, antes de levar a taça aos lábios e dar um pequeno gole. Ele sorriu de canto, como se achasse graça da minha resposta.
— Inteligente. Gosto disso.
Fingi não perceber o elogio velado e foquei no prato à minha frente. O jantar estava delicioso, mas meu apetite havia diminuído drasticamente. Não era apenas pelo ambiente intimidador ou pela forma como ele me estudava com um certo interesse calculado. Era porque eu sabia o que esse almoço significava.
Ele estava testando minhas reações. Medindo meus limites e talvez, os deles também.
— Você me surpreendeu hoje. — Ele continuou, repousando os talheres ao lado do prato. — Poucos conseguem manter a postura ao meu lado.
— Talvez porque não sou como os outros como já disse ao senhor. — Retruquei, sem desviar o olhar. Se ele queria um jogo de poder, eu estava disposta a jogá-lo.
Anthony inclinou-se ligeiramente para frente, apoiando os antebraços na mesa. O movimento fez com que o perfume amadeirado e sofisticado dele me envolvesse como uma nevoa. Era uma fragrância marcante, como o próprio homem à minha frente.
— Não, você definitivamente não é. — Murmurou, seus olhos azuis faiscando com algo que eu não queria reconhecer. — E por isso mesmo, sou um homem curioso.
Mantive a expressão firme tentando esconder o que sua voz e aproximação me causavam. Eu sabia onde esse tipo de conversa levava, e não cairia nessa armadilha. Já vi esse jogo ser jogado antes. Homens poderosos, acostumados a conseguirem tudo o que querem, testando até onde podem ir. Mas Anthony Cooper não conseguiria o que queria de mim. Não mesmo!
— Imagino que haja muitas outras coisas para discutir além da minha personalidade, senhor Cooper. — Minha voz soou firme, sem hesitação. — Não é mesmo?
Ele sorriu, e dessa vez havia algo perigoso naquele sorriso.
— Certamente. Mas não confunda curiosidade com intenções erradas, senhorita. Eu valorizo pessoas que sabem o que querem, Emma. Pessoas que sabem se colocar. — Ele tomou um gole do seu próprio vinho e voltou a me encarar. — O problema é que a maioria desiste fácil quando percebe que o caminho é difícil.
Cruzei os braços sobre a mesa, sustentando seu olhar sem medo.
— Não sou do tipo que desiste. Passei por muita coisa para estar aqui. A palavra desistir não existe no meu vocabulário.
O seu olhar brilhou com algo indecifrável. Era como se ele estivesse diante de um desafio, um quebra-cabeças, e eu soubesse que ele gostava de desafios. Mas não importava. Eu não estava ali para ser conquistada. Eu estava ali porque lutei por esse emprego. Porque trabalhei duro. E eu não deixaria que ele transformasse isso em outra coisa.
— Bom. — Ele disse, finalmente se recostando na cadeira com uma naturalidade fora do normal. — Gosto de saber que minha nova secretária tem fibra. Mas saiba de uma coisa, Emma Clarke…
Minha respiração ficou suspensa por um breve segundo.
— Trabalho com pessoas que entendem a dinâmica do meu mundo. Pessoas que sabem jogar. Se for esse o caso, acho que terá uma trajetória interessante aqui. Se não for… bom, as portas estão sempre abertas para quem quiser sair.
Segurei a vontade de revirar os olhos.
— Com todo respeito, senhor Cooper, eu não sou uma peça nesse jogo. Estou aqui para trabalhar e farei isso.
Ele sorriu, e dessa vez foi um sorriso cheio de admiração e algo mais. Algo que eu não queria decifrar.
— Veremos. — Foi tudo o que disse.
Respirei fundo.
A partir daquele momento, eu sabia que minha jornada ali não seria apenas profissional.
Seria um duelo de vontades.
E eu não estava disposta a perder.
O dia no escritório foi intenso. Depois do almoço tenso como o meu chefe, mergulhei de cabeça nas tarefas. Meu trabalho consistia em organizar sua agenda, filtrar ligações, responder a inúmeros e-mails e lidar com contratos e documentos importantes. A pressão era enorme, mas eu gostava de desafios, era uma maneira de provar a mim mesma que eu podia fazer aquilo. Me mantive ocupada, evitando pensar nos olhares prolongados do meu chefe e na energia carregada que pairava entre nós antes, durante e depois daquele estranho almoço. Onde é que eu estava com a cabeça quando aceitar almoçar com ele?Quando o expediente chegou ao fim, senti um alívio enorme percorrer meu corpo. Era como se um peso saísse das minhas costas me fazendo respirar outra vez. Peguei minha bolsa e saí do imponente prédio, respirando o ar frio da cidade. Caminhei até o ponto de ônibus e esperei pacientemente pela minha condução que estava atrasada.O trajeto de volta para casa foi longo. O ônibus estava lotado, como sem
O telefone em minha mão ainda vibrava, mas minha atenção estava longe da chamada. Meus olhos ficaram presos na porta por onde Emma havia saído. Era estranho como ela conseguia entrar e sair de um ambiente, deixando uma presença quase palpável, mesmo na ausência. Respondi ao telefonema com brevidade e voltei para minha sala, mas minha mente insistia em voltar àquela troca.De volta à segurança da minha mesa, tentei me concentrar nos relatórios do dia, mas cada linha lida parecia ser interrompida por flashes dela: o jeito que sustentava o olhar, o tom direto e profissional, aquele meio sorriso desafiador. Eu me irritava comigo mesmo por estar tão distraído, mas, ao mesmo tempo, não conseguia evitar.Algumas horas depois, enquanto o escritório começava a esvaziar, notei a luz acesa na sala de conferências. A curiosidade me venceu, e fui até lá. Emma estava sentada, o blazer pendurado na cadeira ao lado, os cabelos soltos agora, caindo em ondas suaves sobre os ombros. Ela estava absorta,
Os dias que se seguiram foram marcados por uma constante inquietação. Eu me pegava atento demais à presença de Emma no escritório, observando-a nos momentos mais banais: a forma como organizava seus papéis, a maneira precisa com que digitava e até mesmo o modo como tomava seu café sem qualquer adição de açúcar. Detalhes que, até então, eu jamais havia reparado em outra pessoa.O mais irritante nisso tudo era que eu não conseguia controlar essa curiosidade. Era como se ela tivesse se instalado em minha mente de forma involuntária e, a cada dia, tornava-se mais difícil ignorá-la.Certa tarde, durante uma reunião, notei como ela mantinha a postura impecável enquanto apresentava um relatório. Sua confiança era inabalável, e o modo como falava tornava impossível desviar a atenção. Eu deveria est
Finalmente o fim de semana havia chegado, eu precisar relaxar, aproveitei o tempo longe do escritório para visitar minha melhor amiga, Olivia. A casa dela era acolhedora, repleta de tons neutros e detalhes minimalistas, um refúgio perfeito para conversas sinceras e desabafos sem julgamentos.— Você está estranhamente pensativa hoje — comentou Olivia, servindo-me uma taça de vinho enquanto nos acomodávamos no sofá.Suspirei, girando o líquido na taça antes de responder:— É sobre o trabalho. Sobre o meu chefe, na verdade.Olivia arqueou uma sobrancelha, interessada.— Anthony? O poderoso e intocável Anthony?— Esse mesmo. — Tomei um gole de vinho antes de continuar. — Ele me intriga de um jeito que não deveria.Olivia sorriu de lado.— Isso parece interessante.— Não é — retruquei rapidamente. — Sei que é errado. Sei que jamais vou cair na lábia dele. Mas ele... mexe comigo. E eu odeio admitir isso em voz alta.— T
Ver Emma daquela forma, jogada no chão com a amiga, rindo descontroladamente, foi... inesperado. E, por mais que eu tentasse conter a expressão, sei que um sorriso surgiu no canto da minha boca. Ela sempre se esforçava para manter a postura profissional no escritório, mas ali, no parque, tropeçando em raízes e tentando se esconder de mim, era um lado dela que eu nunca tinha visto antes.Eu poderia ter seguido meu caminho, ignorado o que vi, mas minha curiosidade falou mais alto. Aproximei-me com as mãos nos bolsos, observando-a se atrapalhar para se recompor.— Emma? Você está bem? — perguntei, mantendo minha voz o mais neutra possível, embora minha diversão fosse evidente.Ela pareceu congelar por um segundo antes de levantar o olhar para mim. Havia um misto de surpresa e irritação em seus olhos, o que me divertiu ainda mais. Emma não era uma mulher que gostava de ser pega desprevenida, e eu estava começando a perceber que fazê-la perder o controle era uma expe
Os dias passaram rapidamente até a chegada do grande evento. O baile de aniversário da empresa. Aquilo era muito mais do que uma simples celebração, representava quatro décadas de conquistas, desafios e crescimento. Como CEO, minha responsabilidade era garantir que a noite fosse memorável para todos. Assim, na manhã da segunda-feira anterior ao evento, reuni os funcionários no auditório principal para fazer o comunicado oficial.— Boa tarde a todos. Esta semana marca um momento especial para nossa empresa. Quarenta anos de história, e nada disso teria sido possível sem o empenho de cada um de vocês. Na sexta-feira, celebraremos essa trajetória com um baile à altura da nossa equipe. Espero ver todos lá para brindarmos juntos a mais anos de sucesso.Houve um murmúrio animado entre os funcionários, especialmente entre aqueles que adoravam eventos soc
Eu saí do baile com uma sensação de peso no peito, mas uma leveza insuportável no corpo. Minha mente estava um caos, cheia de flashes da noite, da proximidade de Anthony, da forma como seus olhos se escureceram ao me encararem, da tensão que havia entre nós, como se o ar tivesse ficado denso e carregado de algo mais. Algo que eu não podia nomear, mas que me consumia, me engolia.Quando entrei em meu apartamento, joguei os sapatos para longe e caí no sofá-cama. O corpo estava quente, mas uma inquietação tomou conta de mim. Fechei os olhos, tentando processar tudo o que havia acontecido, mas foi inútil. A lembrança da sua pele tão próxima à minha, do toque dele, o calor que senti vindo dele e de mim, tudo isso me envolvia de novo.Senti meus dedos tremendo ao deslizar por minha própria pele, buscando algo que eu sabia que só poderia vir dele. Cada
Observei Emma sair do baile, e algo dentro de mim se contraiu, uma mistura de frustração e desejo reprimido. Meus olhos a seguiram até a porta, mesmo quando minha mente gritava para que eu ficasse onde estava. Ela não olhou para trás. Mas eu sabia, eu sentia, que ela estava tão inquieta quanto eu.Eu não deveria querer tanto. Não deveria desejar daquele jeito quase doentio, como se meu corpo reconhecesse o dela antes mesmo de minha consciência entender. Mas era tarde demais. Emma já estava em mim, debaixo da minha pele, queimando como álcool em um corte aberto.Assim que cheguei em casa, bati a porta com força e joguei o paletó em qualquer canto. Meus dedos foram ao pescoço, afrouxando a gravata, mas não era isso que me sufocava. Era ela. O gosto da tensão entre nós ainda estava na minha língua, o cheiro dela ainda grudado em minha roupa, um lembrete torturante do que eu queria, do que quase aconteceu. Passei a mão pelo rosto e soltei um riso baixo, rouco. Maldição. Emma estava me mat