Às vezes me pergunto como eu, uma pessoa tão ambiciosa, ainda moro em Vermont. A cidade é bela, a natureza salva minha alma, mas aqui nada é diferente, é sempre a mesma coisa. Sou dançarina e estudo na Escola de Artes de Stowe. Quando não estou em aula, vou para o bar do Tobias, onde trabalho. Passo poucas horas em casa e, para ser honesta, prefiro assim. São tantas pessoas morando lá que me pergunto se é possível manter a sanidade mental com meus sobrinhos chorando o dia todo.
A casa onde moro tem cheiro de madeira antiga e, ao mesmo tempo, de terra molhada — deve ser porque fica em frente ao Lago Richard. O lago é patrimônio da cidade, e é incrível a vibe que traz morar em frente a ele e viver praticamente dentro da maior floresta de Vermont. A casa tem dois andares, dez cômodos, e nela vivem nove pessoas, com nenhum espaço pessoal. Essa é a minha vida. Moro com meus pais, meus irmãos, meus sobrinhos e, de brinde, meu tio recém-divorciado. São seis adultos, três crianças e outros a caminho. Meu irmão mais velho se chama Max. Ele tem 34 anos e é casado com a Michele há 8 anos. Eles têm dois filhos gêmeos, Henrique e Gael, de 8 anos, e estão esperando outro, pois Michele está grávida. Minha irmã do meio se chama Josephine. Ela tem 27 anos, é casada há 4 anos, e tem uma filha, a Aurora, de 4 anos. Meus pais sempre tiveram um relacionamento saudável e duradouro. Tiveram muitas brigas ao longo do caminho, mas nunca se afastaram um do outro; a confiança e o amor deles resistiram e resistem até hoje. Com isso, construíram uma bela casa e uma bela família — por mais bagunçada que seja. Somos felizes por termos uns aos outros. Meu tio veio morar com a gente há 3 semanas. Ele se divorciou, e meu pai ofereceu um quarto para ele. Nossa família é acolhedora, e não deixamos nossos parentes para trás. Toda minha linhagem vem de Vermont; meus antepassados viveram aqui, e nós estamos aqui até hoje. Uma cidade pequena e cultural como Vermont é um lar para famílias como a nossa. Sentimos a necessidade de nos manter aqui, pois, além da tranquilidade que a cidade oferece, ela garante um futuro calmo e receptivo, diferente das grandes cidades, com sua correria e agitação diária. No ano que vem, me formo na escola de artes e tenho pensado bastante sobre deixar Vermont. Aqui é meu lar, e tudo que conheço está aqui, mas não é o suficiente para mim. Quero ver o mundo com outros olhos e encontrar novas oportunidades. Quero trabalhar em um teatro ou, quem sabe, entrar para uma academia de dança. Meus pais não apoiam muito essa mudança, mas tem uma pessoa que apoia: meu melhor amigo, Josh. Ele é repórter investigativo e está fazendo estágio para uma delegacia em Stowe, além de trabalhar para uma empresa de anúncios. Josh não é daqui; ele vem de outra cidade, mas seus pais se mudaram para cá em busca de novas oportunidades. Infelizmente, Josh perdeu os pais em um acidente de carro há 4 anos. Desde então, minha família o adotou como um filho, já que ele é tudo aquilo que eu jamais seria. Nossa amizade é calma e, ao mesmo tempo, distante. Mesmo estando perto,Josh às vezes desaparece devido à rotina intensa. Ser repórter investigativo não é algo comum por aqui; sua escolha de profissão foi, no mínimo, curiosa, já que Stowe não é lugar de muitos crimes. Não há invasões domiciliares, nem crimes hediondos, de qualquer natureza. Josh nunca me disse em qual área atua, e, de qualquer forma, nunca me interessei em perguntar.ALEXANDRA KING, VOCÊ PODE DESCER E VIR TOMAR SEU CAFÉ COM SUA FAMÍLIA? Minha mãe grita como se não houvesse ninguém mais no mundo além dela. Já são 7 horas da manhã, e o Tobias me pediu para passar no bar dele e dar uma geral, porque na noite anterior uns caras mal-educados foram comemorar, perderam o controle e fizeram uma bagunça. Até umas 13h termino a limpeza do bar e vou para a escola de artes pegar o resultado do teste que fiz para entrar em uma academia de dança numa cidade grande. Se eu passar, nem sei como contaria isso para meus pais, que a filha caçula deles vai embora. Assim que termino minha higiene pessoal, desço para o andar de baixo para tomar café com minha família. Meus irmãos estão com cara de cansaço; mamãe e papai se abraçam enquanto os ovos queimam; meu tio lê o jornal como se fosse aparecer alguma notícia nova; e meus três sobrinhos brigam pelo controle da TV. Esse cenário se repete dia após dia. Só queria um café em paz para começar bem o dia, mas, nesta casa, estou começando a esquecer o que é paz. — Olha quem chegou, a Bela Adormecida que acha que a vida é um morango e não tem responsabilidades — disse meu irmão, Max. — Olha, Max, se você não fosse mais velho que eu, eu não te trataria com tanta educação. — Vocês dois podem parar! Hoje é um dia especial para mim e para o pai de vocês. Estamos comemorando nossas bodas de casamento e vamos celebrar no restaurante Trivele. Todos vocês vão, e, se tiverem compromisso, já digo para cancelarem — disse mamãe, com o semblante feliz por estar mais um ano com papai. Escuto o barulho do meu celular tocando, levanto da mesa e vou dar uma olhada. Fico curiosa, porque ninguém me liga, a não ser o Josh. Josh detesta mandar mensagens; ele acha antiquado e prefere ligações. Assim que pego o celular, vejo que tem 10 chamadas perdidas dele. Fiquei um pouco assustada, confesso; ele nunca me ligou 10 vezes seguidas. Mandei uma mensagem para ele dizendo que não atendi a ligação porque estava tomando café da manhã com minha família e pedi para que ele ligasse novamente quando pudesse. Josh não demorou muito a responder. — Alex, preciso falar com você. É algo urgente, não dá para explicar por mensagens. Irei passar no seu trabalho e lá te explico melhor — escreveu Josh.Assim que me visto, desço para o andar de baixo e pego as chaves do meu carro. Me despeço da minha família e, antes de abrir a porta da frente para ir trabalhar, escuto minha mãe falando: — Alex, a reserva do restaurante é às 21 horas. Não se atrase! — Okay, mãe, eu não vou me atrasar. Encontro vocês lá. Tchau, te amo. Só de pensar que terei que ficar devendo horas no meu trabalho para poder ir às bodas de casamento dos meus pais me dá uma raiva. Toda vez que eles resolvem comemorar à noite, acaba em conflito, porque nesta família a gente não sabe ser adulto o suficiente para se comportar em público. Mas, de toda forma, é tradição, então não posso fazer nada para mudar. Assim que chego perto do centro da cidade, vejo bastante movimento. Hoje tem a feira da cidade, então há muitos shows ao vivo e comida de graça. Uma pena eu ter que ir para o bar nessa hora; eu adoraria ficar aqui e comer tudo sem precisar pagar nada.Chego na rua de trás do bar e estaciono meu carro ali mesmo.
— Não... não pode ser — murmuro, quase para mim mesma. — Meus pais sempre foram pessoas boas. Trabalhavam duro. Tudo o que temos é por causa disso... Josh me encara, e vejo um lampejo de compaixão em seus olhos. — Eu não estou dizendo que foi fácil pra eles — ele diz, lentamente. — Mas, Alex, às vezes as pessoas que mais amamos têm lados que nunca imaginamos. Fecho os olhos, sentindo as lágrimas começarem a se formar. — O que eu devo fazer agora, Josh? — minha voz sai fraca, quase quebrada. Ele se aproxima, colocando uma mão em meu ombro. — Precisamos descobrir o que realmente aconteceu, Alex. E a única maneira de fazer isso é encontrar as respostas que eles esconderam. Se você estiver disposta a me ajudar... talvez possamos descobrir toda a verdade.Eu sai rapidamente do bar em direção à floresta O céu estava nublado naquela tarde, e uma fina neblina cobria o ar enquanto eu me enfiava na floresta atrás de respostas. Cada passo no caminho coberto de folhas secas parecia
Volto ao cômodo dos fundos e procuro o quadro de energia. Consigo religá-lo, e a luz da casa volta ao normal. Retorno para a cozinha para ver se minha família deixou algum recado. Assim que entro, noto alguns copos quebrados perto do corredor e quadros caídos no chão. Não tinha reparado nisso antes, por causa da escuridão. Meu coração dispara. Algo está errado. Objetos quebrados, fora do lugar… Minha cabeça está a mil com as informações sobre meus pais, e o fato de ninguém dar sinal de vida só aumenta minha ansiedade e medo. Me aproximo devagar do corredor, cada passo fazendo o chão ranger. Quando chego à sala de jantar, tudo parece fora do lugar, como se o tempo tivesse parado. Então, vejo o horror.Meu coração para por um instante. Ali, ao redor da mesa, estão todos — minha mãe, meu pai, meus irmãos e até meus sobrinhos. Estão imóveis, silenciosos, com os rostos pálidos e os olhos fechados. Todos mortos. Meu corpo se recusa a se mover. É como se minhas pernas tivessem sido a
Cada passo é uma luta. Minhas roupas molhadas e pesadas grudam no corpo, e o frio da noite parece se infiltrar em meus ossos. Meus pés afundam na terra molhada enquanto continuo a caminhada, com o corpo exausto, mas a mente em alerta. A floresta, embora quieta, ainda guarda ecos dos gritos dos homens que deixei para trás. Não consigo evitar olhar por cima do ombro, sentindo que eles poderiam aparecer a qualquer momento. Depois de caminhar por quilômetros, vejo um brilho fraco no horizonte. Uma estrada. É uma visão surreal, quase inacreditável, e sinto uma pequena onda de alívio ao saber que estou perto de alguma forma de civilização. Me aproximo rapidamente e avisto, na beira da estrada, um telefone público. Sem hesitar, corro até ele e, com as mãos trêmulas, coloco algumas moedas que encontrei no bolso. Disco o número de Josh, e, após alguns segundos, ele atende. “Alô?” A voz dele soa cansada, mas familiar. Um alívio imediato me invade. “Josh… sou eu. Alex.” Minha voz sai quase co
Olho em volta, tentando localizar algum ponto de referência na escuridão. A floresta à minha volta é um labirinto de sombras, mas sei que preciso continuar. Josh pode estar por perto, ou pelo menos é o que eu espero. A ideia de perdê-lo também, depois de tudo, é insuportável.Caminho lentamente, com os músculos tensos e os sentidos em alerta. Cada folha que se move com o vento parece um sussurro ameaçador. Minha mão instintivamente vai até a faca presa ao meu cinto – é tudo o que tenho para me defender.“Josh!” chamo, minha voz saindo mais alta do que eu pretendia, cortando o silêncio da noite. Nada. Nem um eco. Apenas o farfalhar das árvores e o som distante de um riacho. Tento de novo, dessa vez mais hesitante: “Josh, sou eu... Alex.”Por um momento, penso ter ouvido algo. Um estalo, como um galho se partindo. Congelo no lugar, segurando o cabo da faca com força.“Alex?” A voz é baixa, quase um sussurro, mas reconheço na hora. Meu coração dispara, e viro na direção do som.“Josh!” c