Mandy se jogou no sofá de sua sala, as lágrimas teimosas escorrendo por seu rosto. Em seu íntimo, um caldeirão de emoções borbulhava: magoa, raiva, frustação, medo, amor e tristeza. Olhou ao seu redor, para o lugar preenchido de boas recordações. Como em um filme, podia ver ecos de um casal se divertindo, rindo e se amando em uma época feliz.
Em uma mesinha ao lado do sofá, encontrou algumas canetas coloridas e papéis de cartas que sua sobrinha deixara na última visita. Tomada por um impulso, resolveu desabafar. Com o cheiro de morango enfestando suas narinas, começou uma carta:
“Meu querido Thiago,
Acabei de chegar da base. Advinha? Você não estava lá mais uma vez. Thi, estou cansada, estou tão cansada desta situação... De ter que dar desculpas por você não estar presente, por ter que aguentar os olhares de piedade de nossos conhecidos.
Você me prometeu que esta seria a última missão. Que não ia mais para estes países em guerra. Pode me chamar de egoísta, eu não ligo. Sabe por quê? Porque são dez anos de idas e vindas, dez anos em que estou em segundo plano, que espero para enfim me casar com você e poder ter a nossa família. Mas como ter uma família com você a quilômetros de distância? Só nos vemos por Skype quando você consegue conexão no fim do mundo onde está.
Eu quero bebês, quero você aqui comigo para cuidar deles. Pensa que eu não fico preocupada com você? Que não passo noites em claro imaginando se está vivo, se não foi capturado. Tudo porque quer ser um maldito herói, Tenente-Coronel Silva. Eu prefiro um herói vivo, do que morto.
Este é um ultimato Thiago. Não queria fazer, Deus sabe o quanto eu protelei, como estou me odiando por fazer isso. Porém vai ter que escolher entre mim e o exército. Já esperei demais, e a cada dia que passa não estou ficando mais jovem. Eu amo você desde que tinha cinco anos de idade e você, dez, mas juro que se escolher o exército novamente, vou me empenhar para matar e enterrar bem fundo este amor que sinto por você.
Com amor,
Sua Mandy”.
Amanda usou o dorso da manga de sua blusa para enxugar as lágrimas do rosto. Pegou as chaves do carro e saiu do apartamento. No caminho de volta à base, ficou se debatendo internamente se enviava ou não a carta. Mas a dor prevaleceu, e finalmente se decidiu: entregou a carta no posto de comando e retornou para sua residência, pensando como seria sua vida seria sem Thiago.
A música da Pity veio sua cabeça:
Te vejo errando, isso não é pecado
Exceto quando faz outra pessoa sangrarTe vejo sonhando e isso dá medoPerdido num mundo que não dá pra entrarVocê está saindo da minha vidaE parece que vai demorarSe não souber voltar, ao menos mande notíciaCê acha que eu sou loucaMas tudo vai se encaixar
***
Thiago entrou em sua barraca, estava exausto, sujo e com fome, querendo muito voltar para sua casa. Veio para Síria em uma missão de paz da ONU, e seu comboio entrou no meio do fogo cruzado, demorando dias para conseguir escapar quase ileso de tudo aquilo. Sua equipe estava de luto pela perda de um dos seus homens.
Pobre Carlos, achou que iria fazer a diferença e acabou morto em combate no primeiro dia, pensou ao pegar o bolo de cartas endereçadas a ele. Aqueles envelopes o deixavam mais perto de seu lar. Jurou para si mesmo que seria a última missão. As supostas missões de paz que o levavam para o meio de uma guerra que não era dele.
Havia envelopes da maioria de seus parentes, mas se encontrava ávido por um em especial, o de sua Mandy. Só de pensar em sua amada, seu coração disparava. Quando encontrou o que procurava, sorriu, animado. Ao ler as linhas, o sorriso foi se desfazendo. Em alguns pontos, notou um borrão, como se ela estivesse chorando ao escrever a carta.
Respirou fundo, tentando conter a emoção. Amassando a carta em suas mãos, saiu da barraca e olhou ao redor. Uma música veio em sua cabeça que dizia assim:
Então ninguém te disse que a vida seria desse jeito
Seu trabalho é uma piada
Você está sem dinheiro
Sua vida amorosa morre antes mesmo de começar
É como se você estivesse sempre preso na segunda marcha
Bem, esse não foi seu dia
Sua semana, seu mês
Nem mesmo seu ano, mas
Seu primeiro tenente vem ao seu encontro.
— Senhor — Thiago deu permissão para falar. — A força rebelde capturou o contingente do tenente Mendonça.
Olhando para o caminhão do exército chegando, Thiago perguntou:
— Quantas baixas?
— Setenta por cento, senhor — disse com pesar.
Em sua mente, uma frase de Mandy se destacou: “Eu prefiro um herói vivo do que morto”. Thiago fez um aceno com a cabeça e retornou. De dentro de sua mochila, puxou uma folha e uma caneta.
“Minha amada Mandy,
Peço desculpas por não estar ao seu lado. Sei que perdi seu aniversário, tínhamos feito tantos planos para esta data. Mais uma vez coloquei meu trabalho acima das nossas vidas. Eu também estou cansado. A humanidade é podre, e não tenho forças para nadar contra a maré. Pensei que estava fazendo a diferença, mas a realidade é outra, estou entrando em conflitos que não são meus.
Minha pequena, peço, por favor, que não desista de nós. A única coisa que me faz não desistir de tudo são as nossas lembranças. Meu contingente foi emboscado alguns dias atrás e ficamos com poucos suprimentos, tivemos que racionar. Quando a fome bateu, eu lembrei de você.
Lembra daquela ceia de natal que ficamos de levar a sobremesa para a festa que minha mãe ia dar? Cheguei na cozinha, e você estava rebolando enquanto mexia a panela. Agora não me recordo da música que tocava. Quando fecho os olhos, sinto o cheiro doce do bolo no forno. Me lembro das risadas, da doçura do creme em sua pele aveludada. Do suor escorrendo pela pele enquanto fazíamos amor no chão da cozinha. Naquele natal, levamos bronca por chegarmos atrasados.
Eu também quero nossos bebês. Uma menina linda, com cachos dourados e olhos de azul-céu, iguais aos da mãe, e um garotão, sei que você vai querer que ele seja igual a mim. Eu levaria os dois para acampar, ensinaria a amar e a preservar a natureza, nós chegaríamos sujos de lama da cabeça aos pés, e você fingiria que estava brava, mas aposto que estaria nos esperando com um delicioso bolo de chocolate”.
Thiago parou de escrever a carta, pois foi chamado na tenda principal. O coronel o designou para voltar ao Brasil com os feridos. Aquela ordem não poderia ter chegado em tão boa hora. Levou tempo para arrumar tudo e voltar. Mais alguns dias para embarcar e quando chegou finalmente ao país, correu para conseguir sua baixa do exército. No final, dois meses se passaram desde que lera a carta de Mandy.
No caminho para o apartamento deles, pegou um trânsito infernal, alguma obra ou acidente de carro. Nada importava para ele naquele momento, só ver sua amada. Para passar o tempo, puxou a carta inacabada e continuou a escrever.
“Confia em mim, minha pequena, desta vez é de verdade. Construiremos nossa família. Case comigo, tenha meus filhos. Vamos morar em uma casinha branca, com cerca azul e um amplo quintal para que nossos meninos possam correr livres. Vamos fazer novas lembranças.
Com todo amor,
Thiago.”
Depois da viagem conturbada, Thiago chegou em casa. Deu dois toques na porta e esperou, não quis usar a própria chave para entrar, estava hesitante, pensando se já não era tarde demais. Minutos depois, Mandy atendeu ao chamado. Quando o viu, arregalou os olhos, abriu os braços para abraçá-lo, porém ele estendeu o envelope lacrado contendo a carta na frente dele. Sem entender nada, ela abriu e começou a ler a carta. Ficou atento às reações dela, e quando chegou ao fim, com o rosto banhado em lágrimas, tudo que queria e era tomá-la em seus braços.
— Tem mais — ele apontou. — A última folha é a mais importante.
Thiago tinha colocado o certificado de baixa do exército junto. Ele se ajoelhou no chão e tirou um anel do bolso.
— Casa comigo? — Thiago segurou o fôlego, aguardando a resposta. — Espero que não seja tarde.
— Sim! — Mandy gritou e pulou em cima dele. Thiago se ergueu com ela nos braços. — Jura que você nunca mais vai para longe?
— Eu juro. Sou seu para sempre... — Coloquei ela no chão e foi até a bolsa jogada no chão.
Abrir a mochila e de dentro dela duas camisetas uma escrita papai em treinamento e outra com mamãe sabe das coisas. Ofereceu a ela.
— Que lindas. — Ela exclamou.
— Pedi para um amigo fazer, assim que cheguei aqui ele me deu. Estou cem porcento comprometido. — Mostrei novamente a caixinha do bolso da mochila. — É improvisado. — Prometo comprar um melhor.
— Não me importo com jóias, só em estar com você. — Ela pegou o anel improvisado e colocou no dedo, junto com a nossa aliança de compromisso.
Estou bêbada, pensei ao me escorar na parede ao lado do banheiro e esperar Luci vomitar. Ou não estou? Minha mente está confusa. Passei meus dedos pelas mechas grudentas do meu cabelo ruivo. Estava um calor dos infernos, e considerei por uns instantes me jogar na piscina.Olhei para lado e vi Júlio vindo em minha direção. Acho que meu cérebro mergulhado em álcool me fazia ver coisas.Nossa, como ele está gatinho, pensei enquanto admirava seu corpo de cima a baixo em interesse.Ana para com isso, ele é o melhor amigo do seu irmão.Eu e meu irmão temos uma diferença de idade de seis anos. Sou a mais velha, temos vinte e sete e vinte e um anos, respectivamente. Se nos damos bem? Sim. Como quaisquer irmãos, brigamos por qualquer coisa, mas sempre nos apoiamos e brigamos com qualquer pessoal que mexer com o outro.
A noite foi extremamente tensa, tive um paciente com um problema cardíaco que me levou a fazer uma cirurgia de emergência. Doze horas depois, finalmente conseguimos salvá-lo. Resultado: eu estava acabado. Eu não sabia o que queria mais, se era comer ou dormir.Eu me olhei no espelho do banheiro do vestiário dos médicos do hospital Memorial Esperança. Desde minhas duas residências, não saí mais de lá. Minha aparência era péssima. Meus cabelos pretos estavam molhados do banho tomado uns minutos antes e, se eu virasse a cabeça, poderia notar alguns fios brancos. Eu estava ficando velho. Meus trinta e cinco anos estavam pesando nos ombros. Vi pequenas ruguinhas ao redor dos meus olhos pretos e da minha boca.Eu realmente deveria estar muito cansando para notar isso tudo, pensei ao dar as costas para o espelho e ir me vestir. Peguei uma blusa polo preta e a coloque
Sabe aquela história da nerd e o popular que a Disney nos faz engolir? Bem, é só filme, a realidade é bem diferente. Eu era a nerd do colégio, a garota quietinha, que vivia com um livro grudado na cara, com camisetas de bandas e de animes e que não casou com o cara popular. Essa nerd se tornou uma neurologista muito boa e vivia sozinha em um apartamento com um gato que se achava o rei.Por que eu estou contando tudo isso? Por causa de uma noite qualquer que fui chamada no quarto de sobreaviso para atender um paciente. Era três horas da manhã de um dia chuvoso e frio, estava dormindo enrolada nos meus cobertores quentinhos, quando Ana, a enfermeira do pronto-socorro, veio me chamar.— Doutora Melinda! — olhei entre as dobras do cobertor para a cabecinha loira que me chamava. — Temos um paciente grave chegando em dois minutos, acidente de carro.Resmunguei um OK, levantei da cam
A cabeça estava zunindo depois de ontem. Vanessa se recriminou por dentro. Ela e as amigas saíram em plena quarta-feira para comemorar sua promoção. Saiu de secretária para secretária executiva de, nada mais, nada menos, que um dos donos da companhia de seguros para qual trabalhava.Estou tão contente que meu patrão esteja de férias, pensou, desanimada, ao chegar no escritório e desabar em sua cadeira. A ressaca a estava matando. Abriu sua bolsa vermelha, que fazia conjunto com seu terninho de corte reto preto, e vasculhou tudo atrás de um comprimido de analgésico.Com o comprimido na mão, lançou na boca e tomou um gole de seu café da Starbucks. Sorriu ao apreciar a bebida quente. Com o novo emprego, ela poderia se dar ao luxo de vez em quando de tomar a iguaria.Seu celular em cima da mesa vibrou com alerta de mensagem. Pegando, desblo
Olá, meu nome é Melissa, tenho vinte e seis anos e resolvi morar sozinha. Aí você pensa: já estava na hora, minha filha. Bem, bem, bem, tem toda a razão, mas a situação é outra. Consegui um emprego fabuloso na capital de São Paulo, zona sul. Virei burguesa, #sóquenão.Eu trabalho com design gráfico. — Sou a mais nova contrata da Editora Globo!Dancinha da vitória, vamos lá, galera, mãos para cima, uuuh!!!Por isso, sair da casinha dos meus pais e me aventurar na grande selva de pedra foi quando minha história realmente começou.***— Este é o último, senhorita — olhei para o entregador gordinho.Senti pena dele, alcancei minha carteira e depois senti pena de mim ao olhar para ela e contatar os meus baixos rendimentos.Final do mê
Abrindo a bolsa, Lárisa caçou entre as quinquilharias desnecessárias seu maço de cigarros. Achou lá no fundo, ao lado de uma embalagem de preservativo, e pegou os dois na mão. A embalagem de cigarros estava vazia, o que era uma completa droga no ponto de vista dela, e a segunda, olhando bem, estava vencida.Aquilo só poderia ser um sinal divino, pensou Lárisa com amargura. Naquela noite, tinha marcado de sair com o Hugo, da contabilidade. O carinha vinha insistindo em sair com ela havia meses. Quando finalmente cedeu à insistência, foi a pior decisão que teve em muito tempo. E olha que era a rainha das más decisões.Saiu da estação Brigadeiro, tremendo de frio, pois o que estava vestindo — um vestido preto na altura das coxas, meia arrastão e um salto altíssimo azul-escuro para combinar com a bolsa e os detalhes do casaco — não era um
Droga! Droga! Droga!, pensou Marcia ao sair na plataforma de metrô na Paulista. Em uma mão, levava uma grande e muito pesada mala sem rodinhas. Na outra mão apertava firmemente a pequena mãozinha de sua filha menor, enquanto a alça de sua bolsa escorregava pelo ombro.— Não vamos chegar — Ana Clara, a filha mais velha, mordeu os lábios, segurando firmemente as lágrimas teimosas que queriam cair por seu rostinho pálido. — E a culpa é sua — cruzou os braços e encarou a irmã.— Ana — suspirou Marcia. — Nada de drama, vamos conseguir se formos correndo — a loira olhou para aquele monte de pessoas subindo as escadas, parecia um formigueiro. Eram oito horas da manhã, um dos horários mais movimentados da linha amarela do metrô.Enfrentando a multidão e puxando a mala e as meninas, s
Liliane puxou novamente a manga de seu belo vestido verde e longo, feito somente para ela. A ocasião era muito especial, sua irmã mais velha seria apresentada à sociedade. Seus trajes combinavam com seus olhos, que eram da mesma cor. O comprido cabelo preto foi preso em um belíssimo e intricado penteado.— Pelo amor de Deus, Liliane — a senhora Debout, do outro lado da carruagem da família, gritou para a menina. — Pare de puxar, vai estragar o vestido. Não me envergonhe! Ouviu bem, mocinha? — ela apontou para a filha mais velha ao seu lado. — É a grande noite de sua irmã, este ano ela fará um bom casamento. No próximo, será você.— Por que tenho que me casar? — Liliane olhou com súplica para o pai. — Eu posso te ajudar na importadora...— Está vendo? — a senhora Debout interrompeu