O silêncio que se formou ao redor de Sara e Rodrigo durante todo o percurso até a casa dos Castro incomodava ambos, mas nenhum tinha a intenção de quebra-lo.Rodrigo dirigia concentrado na estrada, embora consciente da irritada esposa ao seu lado. Não era do tipo que gostava de conversar, mas aquele silêncio entre eles o incomodava. No entanto, não seria o primeiro a falar algo, o orgulho sendo o culpado dessa decisão. Estava inconformado com a acusação de adultério e em ser transformado, mesmo que em sonho, em um espectro cinza.Apertou com força as mãos no volante para controlar a raiva que o dominou, a maior parte concentrada contra si. Deveria imaginar que havia alguém por trás dos ataques insanos de ciúmes.Ao seu lado, Sara deslizava angustiada as mãos pelo vestido floral de alcinhas, que terminava pouco acima dos joelhos. Um de seus pés, coberto por uma delicada sandália de salto, batia nervosamente no piso do carro. Encontrava-se indignada com o marido recém-descoberto, traido
Entraram em uma grande sala, lindamente decorada com quadros, vasos com flores e móveis na cor marfim. Havia um sofá de seis lugares, outro de quatro e uma poltrona, todos na cor azul. O chão, de madeira polida, era coberto por um tapete felpudo no centro formado pelos sofás. Sentado no tapete, brincando com duas crianças, estava Júlio, vestindo camiseta branca e calça jeans.A menina, de longo cabelo loiro preso em uma trança, trajando um vestido amarelo, foi a primeira a nota-los, encarando-os com redondos olhos castanho-claros, o mesmo tom caramelado dos de Laura. Sendo seguida pelos olhos atentos do menino loiro, usando calça azul e blusa laranja, que parou a brincadeira para observar curioso os recém-chegados.— Essas crianças...?— São meus filhos, Ana e Carlos — informou Júlio ao levantar com um sorriso de puro orgulho na face. — Vou chamar a Laura. Se sintam em casa.Assim que Júlio sumiu por uma porta, o menininho correu empolgado em direção a Sara para abraçá-la.— Que bom v
Depois de almoçarem, Júlio levou Rodrigo ao escritório, montado ao lado da sala, justificando terem assuntos da empresa para resolver. Sara e Laura retornaram a sala de estar, observando os gêmeos brincarem enquanto conversavam animadas.Sara ouviu fascinada tudo que se passou na vida de Laura desde que se formou no colegial. A amiga contou que casou com Júlio há sete anos, trabalhava como decoradora de interiores e não via a hora de segurar o filho que crescia em seu ventre, um menino que aumentaria a alegria do casal. Riu quando a Laura narrou todas as loucuras que Júlio cometeu nos últimos meses, para atender os desejos que ela tinha no meio da noite, e os ataques de choro que, às vezes, incomodavam a própria Laura.Em certo momento, quando a conversa era em tom de total descontração, Sara fez a pergunta que povoava sua mente.— Porque não me visitou no hospital? Ou no apartamento do Rodrigo?Sem graça, Laura desviou os olhos para os filhos, que brincavam alheios a conversa dos adu
O domingo amanheceu com o céu encoberto. Grossas gotas batendo nas janelas do apartamento, molhando a varanda, dando a Sara uma vontade de não sair da cama até que o sol voltasse a dar o sinal da graça. No entanto, seu estômago tinha outros planos.Pegou um casaco pesado e felpudo cinza, pertencente às roupas adquiridas pela senhora Montenegro, uma calça moletom e meias para se manter aquecida. Calçou os chinelos e rumo à cozinha para saciar o ronco dolorido da barriga.Foi pisar na sala para salivar com o delicioso aroma de café e pão fresco. Preparando-se para encontrar Rodrigo, arrumou o cabelo usando os dedos como pente. Era tarde para escovar os dentes, que nem lembrou ao levantar com a fome urrando alto, mas nem precisava. Começar do zero era uma dica para evitar beijos e semelhantes, não era?Seu cérebro, recém-desperto do sono, bradou um sonoro “não” ao visualizar Rodrigo sentado na cozinha. Ele simplesmente era demais para Sara. Forte demais, bonito demais e excitante demais,
A chuva não deu trégua o domingo inteiro e na segunda não foi diferente. Seu barulho tranquilizante, aliado ao clima frio, fez Sara pensar em adiar seus planos e permanecer enrolada no edredom quentinho. No entanto, um clarão, seguido de um estrondo assustador, a fez sentar na cama com o coração a mil. Amava o som da chuva na mesma intensidade que odiava trovões.Suspirou, sentida pela frustração de seus planos de dormir mais um pouco e, quando outro trovão ecoou potente, desistiu de vez de dormir e seguiu para o banheiro.Depois de um banho, que a fez lamentar abandonar a água quentinha, se secou, colocou seu roupão e seguiu até sua penteadeira para se maquiar. Destacou os olhos com lápis, os cílios com rímel e completou com um batom clarinho. Depois se concentrou no longo cabelo, penteando-os de forma a caírem em uma cascata de cachos por seus ombros e costas.No closet escolheu calças jeans skinny e camisa de gola alta e manga comprida branca com listras rosa. Duas peças do guarda-
Perdidos nos braços um do outro entre beijos e carícias, só perceberam a presença de uma terceira pessoa quando ouviram o barulho de algo caindo. Voltaramos rostos para a porta, vendo Marta parada no vão, fitando-os boquiaberta e com olhos arregalados.— Ah! Desculpe... Eu não... É que... — gaguejava abaixando-se para pegar sua bolsa, que caiu tamanha a surpresa em flagra o casal se agarrando em cima da mesa.“Droga, Marta sempre chega na hora errada”, pensou Sara desgostosa.Observou a empregada apertar a bolsa contra o peito, o constrangimento vibrante em suas feições. Então retornou sua atenção para Rodrigo, ainda com uma mão fechada, e paralisada, em seu seio.Ele a fitou parecendo tão insatisfeito quanto ela com a interrupção. Por um instante, ignoraram a presença de Marta e riram cúmplices, suas testas se tocando, os olhos brilhantes e contemplativos, os corações no mesmo ritmo apaixonado.Sara suspirou ao sentir a mão de Rodrigo deslizar de seu seio para sua cintura, seu lament
Somente depois de meia hora que o casal Montenegro saiu é que Marta teve coragem de pegar seu celular. Fitou a tela do aparelho em sua mão, o dedo pairando indeciso. Não costumava, e nem deveria, pensar tanto para efetuar a ligação, afinal, só conseguiu aquele emprego porque Isabel falsificou sua carta de recomendação e vários dados de seu currículo. O único que ela pediu, que na época pareceu pouco, foi que a informasse do que acontecia no lar dos Montenegro. Sem a ajuda de Isabel permaneceria servindo drinques para um bando de bêbados tarados ou coisa pior para pagar a faculdade. Em vez disso, ganhava um salário alto para fazer quase nada em um apartamento aparelhado até o teto, recebia ainda mais dinheiro das mãos da loira e bônus quando a deixava feliz com as informações. No começo era fácil cumprir o combinado. A senhora Montenegro foi uma megera desde o primeiro dia. A azucrinava a toa, gritava sempre que se estressava - normalmente por algo relacionado com o marido -, e tinh
Diferente da primeira vez que entrou no hospital Santana em busca de sua madrinha, Sara foi bem recepcionada no balcão de atendimento pela mesma atendente da vez anterior. Embora a mulher ainda a mirasse com desdém, com um sorriso forçado, se prontificou a anunciar sua chegada e indicou a direção do escritório de Tatiana. Encontrou a diretora do Santana fora da sala. Ansiosa sua madrinha não conseguiu aguardar dentro do escritório, optando por ir ao encontro da afilhada para recepciona-la com um forte abraço. — Está magnífica! Finalmente trocou aqueles terninhos e vestidos de senhora por peças joviais — Tatiana elogiou ao se afastar, mantendo as mãos nos ombros de Sara ao observa-la de cima a baixo. — E a que devo a sua visita? — perguntou levando-a para dentro da sala. Sara aguardou Tatiana sentar-se, ocupou uma cadeira que a médica indicou e, inspirando fundo para juntar coragem, falou trêmula: — Quero fazer um pedido... Sei que provavelmente não deveria, mas... Curiosa com a i