O domingo amanheceu com o céu encoberto. Grossas gotas batendo nas janelas do apartamento, molhando a varanda, dando a Sara uma vontade de não sair da cama até que o sol voltasse a dar o sinal da graça. No entanto, seu estômago tinha outros planos.Pegou um casaco pesado e felpudo cinza, pertencente às roupas adquiridas pela senhora Montenegro, uma calça moletom e meias para se manter aquecida. Calçou os chinelos e rumo à cozinha para saciar o ronco dolorido da barriga.Foi pisar na sala para salivar com o delicioso aroma de café e pão fresco. Preparando-se para encontrar Rodrigo, arrumou o cabelo usando os dedos como pente. Era tarde para escovar os dentes, que nem lembrou ao levantar com a fome urrando alto, mas nem precisava. Começar do zero era uma dica para evitar beijos e semelhantes, não era?Seu cérebro, recém-desperto do sono, bradou um sonoro “não” ao visualizar Rodrigo sentado na cozinha. Ele simplesmente era demais para Sara. Forte demais, bonito demais e excitante demais,
A chuva não deu trégua o domingo inteiro e na segunda não foi diferente. Seu barulho tranquilizante, aliado ao clima frio, fez Sara pensar em adiar seus planos e permanecer enrolada no edredom quentinho. No entanto, um clarão, seguido de um estrondo assustador, a fez sentar na cama com o coração a mil. Amava o som da chuva na mesma intensidade que odiava trovões.Suspirou, sentida pela frustração de seus planos de dormir mais um pouco e, quando outro trovão ecoou potente, desistiu de vez de dormir e seguiu para o banheiro.Depois de um banho, que a fez lamentar abandonar a água quentinha, se secou, colocou seu roupão e seguiu até sua penteadeira para se maquiar. Destacou os olhos com lápis, os cílios com rímel e completou com um batom clarinho. Depois se concentrou no longo cabelo, penteando-os de forma a caírem em uma cascata de cachos por seus ombros e costas.No closet escolheu calças jeans skinny e camisa de gola alta e manga comprida branca com listras rosa. Duas peças do guarda-
Perdidos nos braços um do outro entre beijos e carícias, só perceberam a presença de uma terceira pessoa quando ouviram o barulho de algo caindo. Voltaramos rostos para a porta, vendo Marta parada no vão, fitando-os boquiaberta e com olhos arregalados.— Ah! Desculpe... Eu não... É que... — gaguejava abaixando-se para pegar sua bolsa, que caiu tamanha a surpresa em flagra o casal se agarrando em cima da mesa.“Droga, Marta sempre chega na hora errada”, pensou Sara desgostosa.Observou a empregada apertar a bolsa contra o peito, o constrangimento vibrante em suas feições. Então retornou sua atenção para Rodrigo, ainda com uma mão fechada, e paralisada, em seu seio.Ele a fitou parecendo tão insatisfeito quanto ela com a interrupção. Por um instante, ignoraram a presença de Marta e riram cúmplices, suas testas se tocando, os olhos brilhantes e contemplativos, os corações no mesmo ritmo apaixonado.Sara suspirou ao sentir a mão de Rodrigo deslizar de seu seio para sua cintura, seu lament
Somente depois de meia hora que o casal Montenegro saiu é que Marta teve coragem de pegar seu celular. Fitou a tela do aparelho em sua mão, o dedo pairando indeciso. Não costumava, e nem deveria, pensar tanto para efetuar a ligação, afinal, só conseguiu aquele emprego porque Isabel falsificou sua carta de recomendação e vários dados de seu currículo. O único que ela pediu, que na época pareceu pouco, foi que a informasse do que acontecia no lar dos Montenegro. Sem a ajuda de Isabel permaneceria servindo drinques para um bando de bêbados tarados ou coisa pior para pagar a faculdade. Em vez disso, ganhava um salário alto para fazer quase nada em um apartamento aparelhado até o teto, recebia ainda mais dinheiro das mãos da loira e bônus quando a deixava feliz com as informações. No começo era fácil cumprir o combinado. A senhora Montenegro foi uma megera desde o primeiro dia. A azucrinava a toa, gritava sempre que se estressava - normalmente por algo relacionado com o marido -, e tinh
Diferente da primeira vez que entrou no hospital Santana em busca de sua madrinha, Sara foi bem recepcionada no balcão de atendimento pela mesma atendente da vez anterior. Embora a mulher ainda a mirasse com desdém, com um sorriso forçado, se prontificou a anunciar sua chegada e indicou a direção do escritório de Tatiana. Encontrou a diretora do Santana fora da sala. Ansiosa sua madrinha não conseguiu aguardar dentro do escritório, optando por ir ao encontro da afilhada para recepciona-la com um forte abraço. — Está magnífica! Finalmente trocou aqueles terninhos e vestidos de senhora por peças joviais — Tatiana elogiou ao se afastar, mantendo as mãos nos ombros de Sara ao observa-la de cima a baixo. — E a que devo a sua visita? — perguntou levando-a para dentro da sala. Sara aguardou Tatiana sentar-se, ocupou uma cadeira que a médica indicou e, inspirando fundo para juntar coragem, falou trêmula: — Quero fazer um pedido... Sei que provavelmente não deveria, mas... Curiosa com a i
Batendo distraído o lápis na escrivaninha de mogno, Rodrigo tentava, sem sucesso, desviar os pensamentos de sua mulher, mas Sara dominava sua mente. Queria saber o que fazia naquele momento, se estava no hospital, na tal galeria de arte ou com Laura.A impressão de que havia algo errado aumentou com o passar das horas, piorando depois do horário do almoço, em que ela não apareceu e nem telefonou para avisar que não viria.Remoeu a ironia de, após anos reclamando dos telefonemas e aparições de Sara em seu trabalho, desejar tanto que ela o fizesse. Pior, se segurava para não fazê-lo e exigir saber onde estava, com quem e o que fazia.Olhou para o telefone fixo ao seu lado quando a vontade retornou, os dedos formigando de vontade de agarrar o fone e digitar o número da esposa.— Oi, Rodrigo! — Júlio o cumprimentou, entrando em sua sala seguido de perto por uma aborrecida Karen.— Eu tentei dizer a essa criatura que checaria se podia ou não entrar, mas ele se faz de surdo — reclamou a sec
Robson voltava de seu horário de almoço, quando uma mulher colidiu contra ele. Automaticamente, percebendo que ela cairia, a segurou pela cintura, de forma a evitar a queda.Quando ela ergueu o rosto, surpreso e contente, a reconheceu de imediato.— Sara! — exclamou sorrindo, reclamando brincalhão. — Pensei que não viria mais.Por alguns segundos, como sempre acontecia desde seus quatorze anos, Sara se perdeu nos calorosos olhos castanhos.Houve um tempo em que pensou ser impossível atrair o olhar dele. Dois anos mais velho, talentoso e bem humorado, Robson tinha um carisma hipnótico, tornando-se popular entre as garotas de Cézario.Pensou que jamais teria uma chance, mas, para sua sorte, tinha uma amiga maravilhosa que agiu como cupido. Isabel contou sobre sua paixão para ele e conseguiu convencê-lo a sair com ela. Um encontro levou a outros e, pouco tempo depois, namoravam firme.Amar Robson lhe deu confiança, a fez se sentir a mais afortunada das garotas, ao ponto que cansava as am
Cansado, e com um milhão de dúvidas rondando sua mente, Rodrigo entrou no apartamento disposto a seguir o conselho de Júlio.As luzes estavam apagadas, porém, o televisor da sala encontrava-se ligado, garantindo visibilidade suficiente para que não necessitasse acende-las.Trancou a porta e caminhou devagar para o centro da sala. Viu, sobre a mesinha de centro, uma grande tigela de pipoca, uma garrafa de refrigerante e um copo com vestígios da bebida.Sara estava deitada no sofá, um cobertor a cobrindo até a cintura, a cabeça apoiada em uma almofada, os cabelos bagunçados e os lindos olhos verdes atentos na tela. Não demorou a notar sua presença e sentar, um discreto sorriso se formando em seus lábios.— Boa noite! — ela disse ajeitando os fios sem muito sucesso. — Como foi seu dia de trabalho? — perguntou desistindo de pentear o cabelo com os dedos.Rodrigo largou sua pasta na mesinha e sentou-se ao lado dela.— Bem. Mas seria melhor se tivesse me visitado — respondeu, esticando o br