Somente depois de meia hora que o casal Montenegro saiu é que Marta teve coragem de pegar seu celular. Fitou a tela do aparelho em sua mão, o dedo pairando indeciso. Não costumava, e nem deveria, pensar tanto para efetuar a ligação, afinal, só conseguiu aquele emprego porque Isabel falsificou sua carta de recomendação e vários dados de seu currículo. O único que ela pediu, que na época pareceu pouco, foi que a informasse do que acontecia no lar dos Montenegro. Sem a ajuda de Isabel permaneceria servindo drinques para um bando de bêbados tarados ou coisa pior para pagar a faculdade. Em vez disso, ganhava um salário alto para fazer quase nada em um apartamento aparelhado até o teto, recebia ainda mais dinheiro das mãos da loira e bônus quando a deixava feliz com as informações. No começo era fácil cumprir o combinado. A senhora Montenegro foi uma megera desde o primeiro dia. A azucrinava a toa, gritava sempre que se estressava - normalmente por algo relacionado com o marido -, e tinh
Diferente da primeira vez que entrou no hospital Santana em busca de sua madrinha, Sara foi bem recepcionada no balcão de atendimento pela mesma atendente da vez anterior. Embora a mulher ainda a mirasse com desdém, com um sorriso forçado, se prontificou a anunciar sua chegada e indicou a direção do escritório de Tatiana. Encontrou a diretora do Santana fora da sala. Ansiosa sua madrinha não conseguiu aguardar dentro do escritório, optando por ir ao encontro da afilhada para recepciona-la com um forte abraço. — Está magnífica! Finalmente trocou aqueles terninhos e vestidos de senhora por peças joviais — Tatiana elogiou ao se afastar, mantendo as mãos nos ombros de Sara ao observa-la de cima a baixo. — E a que devo a sua visita? — perguntou levando-a para dentro da sala. Sara aguardou Tatiana sentar-se, ocupou uma cadeira que a médica indicou e, inspirando fundo para juntar coragem, falou trêmula: — Quero fazer um pedido... Sei que provavelmente não deveria, mas... Curiosa com a i
Batendo distraído o lápis na escrivaninha de mogno, Rodrigo tentava, sem sucesso, desviar os pensamentos de sua mulher, mas Sara dominava sua mente. Queria saber o que fazia naquele momento, se estava no hospital, na tal galeria de arte ou com Laura.A impressão de que havia algo errado aumentou com o passar das horas, piorando depois do horário do almoço, em que ela não apareceu e nem telefonou para avisar que não viria.Remoeu a ironia de, após anos reclamando dos telefonemas e aparições de Sara em seu trabalho, desejar tanto que ela o fizesse. Pior, se segurava para não fazê-lo e exigir saber onde estava, com quem e o que fazia.Olhou para o telefone fixo ao seu lado quando a vontade retornou, os dedos formigando de vontade de agarrar o fone e digitar o número da esposa.— Oi, Rodrigo! — Júlio o cumprimentou, entrando em sua sala seguido de perto por uma aborrecida Karen.— Eu tentei dizer a essa criatura que checaria se podia ou não entrar, mas ele se faz de surdo — reclamou a sec
Robson voltava de seu horário de almoço, quando uma mulher colidiu contra ele. Automaticamente, percebendo que ela cairia, a segurou pela cintura, de forma a evitar a queda.Quando ela ergueu o rosto, surpreso e contente, a reconheceu de imediato.— Sara! — exclamou sorrindo, reclamando brincalhão. — Pensei que não viria mais.Por alguns segundos, como sempre acontecia desde seus quatorze anos, Sara se perdeu nos calorosos olhos castanhos.Houve um tempo em que pensou ser impossível atrair o olhar dele. Dois anos mais velho, talentoso e bem humorado, Robson tinha um carisma hipnótico, tornando-se popular entre as garotas de Cézario.Pensou que jamais teria uma chance, mas, para sua sorte, tinha uma amiga maravilhosa que agiu como cupido. Isabel contou sobre sua paixão para ele e conseguiu convencê-lo a sair com ela. Um encontro levou a outros e, pouco tempo depois, namoravam firme.Amar Robson lhe deu confiança, a fez se sentir a mais afortunada das garotas, ao ponto que cansava as am
Cansado, e com um milhão de dúvidas rondando sua mente, Rodrigo entrou no apartamento disposto a seguir o conselho de Júlio.As luzes estavam apagadas, porém, o televisor da sala encontrava-se ligado, garantindo visibilidade suficiente para que não necessitasse acende-las.Trancou a porta e caminhou devagar para o centro da sala. Viu, sobre a mesinha de centro, uma grande tigela de pipoca, uma garrafa de refrigerante e um copo com vestígios da bebida.Sara estava deitada no sofá, um cobertor a cobrindo até a cintura, a cabeça apoiada em uma almofada, os cabelos bagunçados e os lindos olhos verdes atentos na tela. Não demorou a notar sua presença e sentar, um discreto sorriso se formando em seus lábios.— Boa noite! — ela disse ajeitando os fios sem muito sucesso. — Como foi seu dia de trabalho? — perguntou desistindo de pentear o cabelo com os dedos.Rodrigo largou sua pasta na mesinha e sentou-se ao lado dela.— Bem. Mas seria melhor se tivesse me visitado — respondeu, esticando o br
Girando sua cadeira, Isabel apreciava extasiada a nova edição da revista Famous, cuja capa estampava uma foto do casal Montenegro rasgada ao meio, abaixo da foto a legenda: “Casal Montenegro perto de um eminente divórcio?”. Nas páginas internas mais fotos, essas tão comprometedoras que deixavam claro o motivo da legenda da capa.— Está magnífica — comemorou.Apertou a revista contra o peito e forçou sua cadeira a girar um pouco mais enquanto ria divertida. Era a realização de seu maior desejo, a cartada final contra Sara. Por fim, abalaria a vida dela como a sua foi por causa do ciúme obsessivo da Montenegro.— Quanta felicidade — Gabriel resmungou, sentando na beira de sua mesa. — Não entendo esse prazer em prejudicar os Montenegro. — A fitou atento. — Continua apaixonada por Rodrigo Montenegro por acaso?Isabel bufou irritada. Pelo jeito seus colegas - um bando de fofoqueiros sem o que fazer -, andaram espalhando sua antiga paixão pelo marido da ex-amiga. Quantas vezes teria que rep
Olhando repetidas vezes as imagens, Karen exultava com a repercussão que aquela notícia teria em Rodrigo.Estava no mesmo nível da esposa dissimulada. Ambas o traíram e tinham as mesmas chances. Karen estava confiante de sair vencedora, pois, após ler e ver as fotos impressas na revista, era perceptível que Sara não lutaria por Rodrigo. Pelo menos uma vantagem teve com a amnésia dela.A porta do elevador a sua frente abriu-se, dando passagem para Rodrigo. Os olhos escuros evitaram mira-la ao passar pela antessala. Ciente seguiria direto para o escritório, Karen se levantou, pegou a revista e barrou o caminho do Montenegro.— Chegou uma correspondência interessante para você, amorzinho! — cantarolou com uma sórdida satisfação.— Deixe na minha sala — informou irritado por ela se colocar entre ele e sua sala.— Não, não, não, Rodrigo — disse com voz manhosa, estendendo a revista. — Tenho de entregar em mãos. Não perderei essa oportunidade por nada no mundo.Rodrigo pegou sem qualquer in
Após ver as fotos publicadas e ler superficialmente a matéria, Júlio entendeu o acesso de fúria do amigo e sócio. Lembrava-se de como Rodrigo ficou devastado depois da traição de Karen. Ele tomou decisões duvidosas por causa dessa raiva, uma delas sendo pedir Sara em casamento. Tudo para manter a postura de senhor de seu destino, mesmo que por dentro estivesse destruído.A vida não era fácil para o Montenegro, toda vez que se erguia orgulhoso, algo vinha lhe dar uma rasteira e lança-lo ao chão.Entrou na sala do sócio e o encontrou em pé, atrás da mesa de mogno do escritório, virado para a janela, a testa e os punhos cerrados apoiados no vidro.— É apenas fofoca — declarou depois de alguns instantes de silêncio. — Sara deve ter uma explicação.— Claro que tem. Elas sempre têm — Rodrigo riu e se voltou para o loiro, os lábios curvados em um sorriso desdenhoso. — A explicação é que insistiu em sair de casa sozinha para encontrar o amante. Enquanto isso, o imbecil aqui — apontou para o p