- Onde... Estão Pipe e os filhotes? – Tentei gritar, mas minha voz não acompanhou o tom que eu queria, saindo rouca e cheia de medo.- Botei todos no carro e joguei numa lixeira. Eu sabia que ele não estava blefando. Conhecia sua maldade a ponto de ter certeza de que realmente havia botado a minha cachorra, que tinha recém parido, junto dos filhotes numa lata de lixo.- Em que lugar? – implorei – Eu preciso resgatá-los.- Eles não ficarão nesta casa. - Eu... Só quero salvá-los. Acharei um lar para eles. – A dor dentro de mim era insuportável.- Larguei-os na cidade de Preston. Mas não os encontrará novamente. - Em qual... Rua?- Aquela deserta, que acaba no cemitério. Alguém vai encontrar eles e lhes dar um lar, não se preocupe. Só não quero aquela bicharada na minha casa. - Onde está mamãe? - Ela foi ao mercado... Ou está rodando a bolsa numa esquina, que é o que vagabundas fazem de melhor. – Riu, com escárnio.Pus minha mochila nas costas e saí sem olhar para trás. Era o fim. N
Ainda assim vovó nunca me disse o nome dele. E creio que fosse exatamente por medo que eu fizesse o que estava fazendo naquele momento: tentando descobrir quem ele era. Para poder entender o que tinha acontecido e se fosse o caso, fazê-lo pagar pela dor que minha mãe passou e o luto da minha vida inteira, por ter crescido sem meus pais. Quando parei o carro na calçada de casa, ajeitando sua frente para entrar na garagem, avistei Clara sentada no chão, na calçada, de frente para o portão.Desliguei o automóvel e corri na direção dela, que estava com a cabeça baixa. Percebi que tinha a mochila nas costas. Mas já era final de tarde. Então ela não havia ido para a escola?Assim que me viu ela levantou o rosto e percebi seus olhos vermelhos e inchados. Nitidamente havia chorado. E aquilo fez com que meu coração acelerasse e um frio percorresse meu estômago.Peguei suas mãos e a ajudei a levantar-se. Clara me abraçou, sem dizer nada. Deixei que suas lágrimas molhassem minha camiseta e alis
- Eu não tinha como saber, Clara. Se tivesse me contado a verdade, se aberto comigo desde o início, ou mesmo agora, quando comecei a frequentar a sua casa, eu saberia que não era para emprestar. – Perdi a paciência.- Meio milhão de norians... – ela riu, ironicamente – Quem empresta meio milhão de norians a um desconhecido?- Ele não é um desconhecido, caralho! É o seu pai!- Que não tem onde cair morto! Que deve para agiotas em todos os cantos! Que bate na mulher! Que nunca vai poder lhe pagar! Que pegou a porra da sua grana e comprou um carro zero quilômetro! – Ela gritava e chorava ao mesmo tempo, me culpando.Tentei me aproximar de Clara, que não me deixou, se afastando, ficando entre a porta e a estante de livros.- Eu não tenho culpa. Achei que estivesse ajudando... De alguma forma.- Por que não falou comigo antes?- Porque “você” não falou comigo antes... Porque não me contou a verdade?- Não estava claro a verdade para você, Pedro? Não pensei que eu tivesse que falar com pala
Mas eu não podia ser mãe agora. Nem nos próximos anos. Isso atrapalharia a vida de Pedro e seus sonhos e planos. E embora eu não soubesse o que queria fazer da vida, ser dona de casa não era uma das coisas que me representavam.Aguentei dezoito anos. Por que não aguentar mais dois, no máximo três? O que poderia ficar pior? Meu pai já tinha pedido o dinheiro. Mamãe e eu já sabíamos que ele devia a agiotas. Ele já havia traído a esposa com dezenas de mulheres diferentes. E agora não batia mais nela, o que era uma vitória, por menor que fosse. E Pipeline já havia sido largada em outra cidade com os filhotes e eu nunca mais a encontraria.- Obrigada, Pedro. Mas não! – Tentei não parecer irritada ou que estivesse fazendo pouco caso do convite dele.Também não passava pela minha cabeça explicar-lhe o tanto de coisas que pensei em tão pouco tempo antes de lhe dar aquela resposta.- Não... O quê?- “Não” para morar aqui. “Sim” para dormir aqui. “Não” para que me leve embora. – Sorri, tentando
Comecei a trabalhar no turno da manhã, numa loja de roupas. A dona era amiga da tia Rute, que me indicou, mesmo não estando na cidade, para a vaga. O salário era uma merda, mas eu tinha que partir de algo para ter dinheiro para pagar Pedro.Não levou uma semana e comecei a me atrapalhar com os horários, pois acordava cedo, ia para a escola à tarde e à noite estudava e fazia meus trabalhos, já que o ano estava acabando e as tarefas finais exigiam muito esforço e dedicação.Algumas tardes deixei de ir na aula para poder dormir mais tempo ou concluir trabalhos.Eu não havia contado a Pedro que estava trabalhando para pagá-lo pois sabia que ele ficaria furioso.Não havia passado um mês desde que comecei o trabalho e cheguei na aula atrasada. Achei melhor ir depois do que faltar novamente. Sabia que minhas notas haviam baixado, embora fosse quase impossível eu reprovar devido às médias altas dos bimestres anteriores.Na hora do intervalo, Flora pediu que eu fosse com ela ao banheiro. Assim
Talvez ele tivesse razão. Eu amava Flora e seríamos amigas para sempre. Mas era Pedro que estaria ao meu lado todos os dias, até o fim. Porque ele era minha outra metade, a pessoa detentora do ponto luminoso no ombro esquerdo, a marca que comprovava que minha alma esperou pela dele durante muito tempo, talvez até de vidas passadas.Se eu ficaria com Pedro Moratti para sempre? Eu gostaria, do fundo do meu coração, que sim.Se eu pagaria a dívida, mesmo que um dia viéssemos a casar? Sim, pagaria.- Tudo bem. – Concordei com ele.Pedro me entregou o envelope de dinheiro:- Devolva à Flora.- Eu entrego amanhã. – Pus de volta no porta-luvas.Pedro pegou-o e abriu o bolso da minha mochila, pondo dentro.- Assim é mais garantido que não vai esquecer. – Sorriu.Revirei os olhos e acabei sorrindo. Ele deu-me um beijo na bochecha:- Não se esqueça que precisamos confiar um no outro se queremos que tudo que planejamos para o futuro aconteça.- Eu sei... Sinto muito. Mas dever esta quantia de di
POV PATRICK- Por que tenho que contratar uma mulher para vendedora? – Tentei convencer Artemis mais uma vez a mudar de ideia.- Porque é bom para sua imagem, Patrick.- Minha imagem já está feita, Artemis. – Dei de ombros.- Me contratou para ser seu empresário porque confiava em mim, não é mesmo? Então faça como estou lhe sugerindo, porra! – Ele parecia estar perdendo a paciência.- Mulheres não entendem de surf.- Sabe que tem muitas delas entrando no esporte, não é mesmo?- Não sabem nada. Só querem aparecer. – Dei minha opinião.- Pode até pensar isso, Patrick, mas jamais dirá em público ou sequer em voz alta para qualquer pessoa ou até para si mesmo. Tem seleção hoje para a loja nova que vai abrir no Shopping de Cidade Planalto e irá escolher uma garota para a Matriz.- Acho que está querendo comer minhas funcionárias, Artemis – debochei, olhando-o de relance, atento ao trânsito.- Era só o que me faltava, Patrick, você pensar isso de mim!Dei um tapinha no seu ombro:- Estou br
- A vaga é para a Huxley Surf & Skate? – Ela perguntou.- Sim. Acho importante que alguém do sexo feminino passe a atender por lá, junto do meu outro funcionário. É uma forma de empregar mulheres, que raramente trabalham neste tipo de loja, além de tentar trazê-las para comprar... Ou simplesmente curtirem um pouco o esporte. Já estamos trabalhando com roupas femininas de marcas conhecidas de surf e skate. Mas tenho interesse em ampliar as marcas... Bem como a quantidade de... Roupas.- Legal. Me joguei para trás da cadeira e continuei com a caneta na mão, girando-a:- Gosta de surf – olhei para o currículo, fingindo não saber o nome dela, precisando ler – Clara... É isso?- Sim, Clara. Talvez... Minha letra não esteja muito legível. Fiz muitos currículos e no final... Meus dedos doíam. – Confessou de forma séria.- Gosta de escrever?Ela me olhou demoradamente antes de responder, parecendo escolher as palavras que diria:- Não muito.Sorri de forma irônica:- Bom que na loja não pre