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Capítulo 3 – Primeiro passo do sonho

Na noite passada, assisti ao filme do Julian e mais uma vez fiquei me imaginando como par romântico dele nas cenas, pois é mais fácil me imaginar no lugar da protagonista do que no da Samantha. Quero que saiba que eu não me orgulho de parecer uma adolescente enlouquecida. Mas é incontrolável. Eu. Amo. Esse. Homem. Amor de fã ninguém explica, ponto final.

Já era tarde quando desliguei a TV e comecei a organizar o meu material para a aula de hoje. Mesmo cansada, fiquei rolando na cama tentando dormir. Eu não conseguia, estava ansiosa demais e não entendia por que me sentia assim. Foi de repente que senti as lágrimas. Elas simplesmente começaram a escorrer e quase que instantaneamente eu estava soluçando. Não quero e nem sou de reclamar da vida, afinal, eu tenho tudo: saúde, casa, família, emprego... Não posso ser tão injusta e ingrata. Contudo, sempre fui muito afoita, parece que parei no tempo. Gosto de ver as coisas acontecendo na minha vida e sinto que preciso mudar de alguma forma. Mas, ao mesmo tempo, estou de mãos atadas, ou seja, esse sentimento de impotência se instalou em mim. 

Foi uma noite difícil. O pouco que de fato eu havia dormido, foi uma sequência de diversos pesadelos, daqueles que não nos lembramos ao despertar, porém ficamos acometidos por uma angústia e aflição desesperadoras. Agradeci a Deus, literalmente, quando o meu celular tocou o primeiro alarme. Como já estava acordada, não esperei os demais avisos. Fui tomar banho e me arrumar para a aula.

Finalmente, sábado! Acredito que todo carioca que acorda cedo e entusiasmado com o final de semana está, provavelmente, se programando para algum bom lazer ao ar livre. Ainda mais com o sol maravilhoso que está fazendo hoje. Se não fosse o curso, certamente iria à praia ou faria alguma trilha. Todavia, não é sacrifício algum estudar o que se gosta. A metodologia da aula é totalmente prática, isso faz com que fique mais divertida. O professor tem me elogiado bastante. Até me emprestou uma gramática para eu praticar mais exercícios e sempre me envia uns links de diálogos e conteúdos interessantes para que eu não perca o contato com a língua e pratique minha conversação. Claro que tenho as minhas formas de estudar. Gosto de acompanhar as minhas novelas no Youtube pelos canais mexicanos e, no pouco tempo livre, ouço muita música latina, mais precisamente todos os CDs de Julian, óbvio.

Tudo que envolve o México me encanta. Eu aprendi a amar essa cultura. Meus irmãos implicam dizendo que eu não tenho amor pela nossa pátria, o que não é verdade. Amo o meu país, gosto e admiro diversos atores e cantores brasileiros também, no entanto, tenho um sonho, e quanto mais incluída eu estiver na cultura mexicana, me dá a impressão de que eu estou mais próxima de torná-lo realidade. E Julian. Ah! Julian. Ele é diferente de qualquer outra celebridade. Seu jeito é simples, acessível de alguma forma e sempre demonstra se importar com suas seguidoras. Acho que isso, somado a todo o seu talento, o faz chegar ao topo e ser tão famoso aqui. Não é à toa que tem milhares de fãs brasileiras.

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Após a aula, fui ajudar a Katerine com a mudança, como havia prometido. Como foi tudo de última hora, tivemos que dar uma boa faxina no apartamento antes de começar a arrumar. O que ela não sabia é que, no intervalo do curso, eu criei um grupo no W******p com nossos amigos mais chegados e os atualizei da mudança. É claro que por ser tão querida, todos se propuseram a presenteá-la. Eu estava economizando dinheiro para a viagem dos meus sonhos, mas minha amiga estava em primeiro plano e apesar de ela não ter pedido nenhuma ajuda financeira, eu sabia que Kate tinha usado suas economias com o depósito do apartamento e com a mudança. E certamente teria mais gastos até conseguir se organizar, portanto, qualquer ajuda seria bem-vinda.

Saí um pouco antes de terminar de desfazer as caixas. Dei a desculpa que precisava ajudar minha mãe com encomendas, pois tinha medo de não pegar o comércio aberto. Como moramos próximo à Madureira, um bairro muito conhecido no Rio de Janeiro pela sua diversidade comercial, tudo fica mais fácil. Eu conseguiria encontrar qualquer coisa ali. Comprei o fogão, que seria entregue dentro de uma semana e, para não chegar só com a nota fiscal, comprei um conjunto lindo de panelas, dessas que dá pena de usar, e uns mimos menores como: potinhos e panos de prato, itens que uma nova dona de casa iria precisar.

Marquei com todos de nos encontrarmos à noite na casa de Kate com os presentes. Fui a primeira a chegar, não havia conseguido embrulhar, então entreguei assim que entrei no apê. Essa foi a segunda vez que vi minha amiga chorar. A primeira foi quando seu pai faleceu. Éramos pequenas e foi muito doloroso. Desde então ela nunca mais havia derramado uma lágrima sequer, exceto quando cortava cebolas, mas quem não chora assim? Quando a olhei, parecia uma criança, soluçava tanto que me deixou preocupada. Não tive dúvidas de que vê-la feliz era uma grande realização para mim. Conforme os nossos amigos chegaram com presentes e notas fiscais, mais emocionada ela ficava. Conseguimos comprar quase tudo para o apê. Algumas coisas ela já tinha, como: o guarda-roupa, a cama e a televisão, que pertenciam ao seu quarto antigo. Também ganhou de sua mãe o sofá e a estante da sala. Dona Júlia não é uma pessoa ruim, mas desde que ficou viúva parece que quer viver tudo o que não conseguiu ao lado do marido, não que isso seja o problema. É que, às vezes (muitas vezes), parece estar competindo com Kate. Quando ela sai, pega as roupas no armário dela, só não usa os sapatos porque não calçam o mesmo número. E pra ser sincera, estou feliz com a mudança. Dessa forma, não preciso mais ver o Luã, namorado da mãe de Kate. Todas as vezes que ia à casa dela, sentia o jeito que ele me olhava, e uma mulher sabe quando um homem está interessado. Kate também percebeu isso, mas é incapaz de contar para sua mãe, até porque ela está obcecada e totalmente cega. Tudo relacionado a ele parece uma afronta.

Como os eletrodomésticos ainda estavam para chegar, pedimos pizzas e, assim que todos foram embora, assistimos a um filme de Julian, que Kate havia baixado. Liguei para minha mãe implorando para que eu dormisse com minha amiga, porém, como já era de se esperar, meu pai não concordou com a ideia e fui obrigada a voltar para casa.

Ao chegar, tomei um banho quente e enquanto a água caia sobre os meus ombros eu só consegui pensar que adiei ainda mais o meu sonho, fiquei mais distante da minha viagem. Comprei os presentes para minha amiga como se fossem para mim e gastei quase tudo que tinha conseguido juntar. Mas eu não tenho dúvidas, empreguei o meu dinheiro da melhor maneira possível. Além do mais, eu tenho a certeza de que se fosse em outras circunstâncias ela faria o mesmo por mim. 

Estava tão cansada que deitei na cama na intenção de ver o F******k e apaguei. No domingo, acordei com o meu celular despertando. Não entendi de imediato o porquê. Fiquei confusa, confundindo os dias, pensei rapidamente, mas assim que olhei a tela, percebi que não era meu despertador me acordando para trabalhar. Era Kate me ligando.

— Oi — falei, desanimada e de olhos fechados, quase me recusando a acordar.

— Que voz de sono é essa, Manuela? Levanta agora dessa cama e olha o seu F******k, parece que a vida está sorrindo para nós.

— O que você está falando? São sete horas da manhã, Kate, vai dormir. — Insisti no desânimo.

— Não, Manuela, você precisa ver isso agora mesmo. Liga o notebook, rápido.

— Está bem — resmunguei.

Concordei pensando em como podia ter uma amiga tão anormal. Ela continuava na linha e eu estava desmaiando de sono. Mas assim o fiz. Liguei o notebook e vi a notificação de mensagem. Cliquei no link e demorei um tempo para assimilar o que estava lendo.

— Kate, pode me explicar?! Acho que não estou entendendo nada.

— Manuela, acorda! O governo do México está disponibilizando trinta bolsas de intercâmbio para aprender espanhol por seis meses! Com passagem, uma pequena ajuda de custo e hospedagem em um albergue para os sorteados.

— Como assim? Mas isso deve ser muito caro, já fez os cálculos?

— Amiga, se estou te ligando e dizendo que a vida está sorrindo para nós é porque está. São bolsas de estudo, é gratuito. Você só precisa se inscrever. Eu já me inscrevi. E você tem que fazer isso agora porque encerra hoje. Por isso o meu desespero.

— Como você achou isso?

— Passei a madrugada navegando através do wi-fi da vizinha, daí, estava lendo algumas coisas sobre o México e não sei como vi esse link de inscrição e entrei no site para me certificar se não era fake. Já li tudo. Faz a sua inscrição agora, senão faço eu!

— Se você está dizendo e sendo tão enfática, eu acredito. Obrigada, farei agora mesmo essa inscrição e muita sorte para nós — falei, tentando demonstrar ânimo.

— Vamos ter sim, amiga. O resultado sai segunda e já teremos que pedir demissão, pois a viagem será no próximo sábado. 

— Como assim, Kate? E o que eu vou dizer ao meu pai? “Olha só, pai, nós fomos sorteadas para uma bolsa de estudo ali no México e daqui a seis meses estou de volta. Desempregada, mas estarei aqui.”

— Isso, Manu, adorei. Vai treinando aí em frente ao espelho.

— Muito engraçadinha você.

— É um dom. Mas, Manuela, me diz uma coisa, você realmente seria capaz de desperdiçar essa oportunidade caso seja sorteada?

Essa pergunta mexeu muito comigo. Fui dormir quase sem esperança, desmotivada, e agora parecia que Deus estava colocando essa oportunidade em minha vida. Não poderia ser coincidência, estava perfeito demais para um simples acaso.

— Não, Kate! Eu não teria coragem de jogar o meu sonho ao vento.

— Eu sei disso, até porque eu não iria permitir.

Ela sempre sabia o que dizer para me fazer sorrir. Desliguei a ligação e fiz a minha inscrição. Após, comecei a ler tudo sobre o programa do governo e realmente era incrível. Um sonho. Ainda bem que o passaporte nós já tínhamos. Havíamos tirado ano passado nas nossas férias. Nem cheguei a comentar a respeito com meus pais, porque sabia que seriam totalmente contra gastar dinheiro em algo que, para eles, eu jamais usaria.

Passei o domingo ajudando minha mãe nos afazeres da casa. Meus irmãos permaneciam na sala jogando vídeo game quase que o dia inteiro. Meu pai não reclamava sobre isso, mas se fosse minha novela ele sempre tinha algo a dizer. 

Um amigo de Cristiano veio chamá-lo para sair, minha mãe deu dinheiro para ele, como sempre, e isso me deixava muito aborrecida. Nathan foi para o quarto mexer no computador, os dois dividiam o mesmo quarto, pelo menos nisso eu era favorecida. Esse era o único lado bom do machismo do meu pai. 

Ele tivera uma infância difícil. Meu avô e bisavô foram militares, e ele, na época, não conseguiu engajar no quartel, causando um grande trauma em sua vida. Cresceu como se estivesse dentro do regime militar e quando chegou o seu momento de provar para meu avô que também era capaz, não pôde. Isso o fez passar anos e anos remoendo essa dor sozinho. Meus dois tios seguiram a carreira do meu avô e ele foi o único que não conseguiu a mesma posição. Acho que isso também contribuiu para sua calvície, e o pouco cabelo que lhe restou estava bem grisalho. Passou toda sua vida trabalhando em um mercadinho próximo a nossa casa como açougueiro e foi lá que conheceu minha mãe. Logo os dois começaram a namorar e em pouco tempo se casaram. Naquela época era comum casar cedo e rápido para não ter risco de cometer nenhum "erro". Ficaram um bom tempo sem filhos, até que minha mãe descobriu que tinha problemas para engravidar. Assim que terminou o tratamento engravidou de mim e logo após engravidou novamente, mas devido a um tombo que sofreu no banheiro, acabou abortando. Esse é um assunto tipo tabu, pois comentar sobre isso não os faz bem, mas sei que ajudou a criarem o Cristiano tão mal. A dor da perda fez com que transferissem muito zelo e proteção a ele, já que minha mãe demorou uns anos para engravidar novamente. Nathan também está indo pelo mesmo caminho, ou seja, ambos são mimados.

Meus pais sonham com o meu casamento. Por eles eu teria casado com o meu primeiro namorado, mas eu tenho aversão a isso. Não consigo me imaginar como minha mãe, tendo que cuidar da casa, dos filhos e aturar um homem machista incapaz de lavar um copo e preparar o seu próprio prato de comida. Não entendo como ela passou a vida inteira vivendo assim. Se todo casamento for assim eu nunca irei me casar, a não ser que seja com Julian. Para ele eu não tenho como negar. E já estou aqui, novamente pensando nele. Parece que tudo me leva até ele.

Quando anoiteceu, fiquei no F******k e no W******p conversando com Kate sobre nossa possível viagem. Eu estava feliz, mesmo que as chances fossem remotas, elas ainda existiam e eu tinha esperança, graças a ela que me motiva. No dia seguinte, fui a viagem toda para o trabalho atualizando o site para checar a classificação. E foi assim o dia todo. Eu não gosto de mexer em sites e nem no celular no trabalho, mas isso é um caso excepcional. Nosso futuro está em jogo. Infelizmente nada havia sido publicado e passei o dia todo assim, eu olhava, Kate também e a gente se comunicava por olhares.

Cheguei em casa me preparando para começar a fabricação de salgadinhos e para assistir minhas novelas, quando o meu celular tocou. E já atendi indagando.

— Oi, Kate. Você conseguiu ver o site?

— Parabéns, amiga! Você vai para o México!!

— Para de brincadeira, Katerine — disse isso, mas já correndo para o notebook e entrando no site do governo do México.

— Estou falando sério, Manuela, você vai para o México.

— Não acredito. Nós fomos sorteadas?

— Nós não, você foi e eu estou muito feliz por isso. Só eu sei o quanto você merece realizar esse sonho. E vai realizar por nós duas!

Senti como se meu coração tivesse partido ao meio. Abri a página e fui conferir rapidamente a listagem enquanto assimilava cada palavra dita por ela. E de fato estava certa.

— Eu não vou, Kate. Você vai no meu lugar. Você viu a publicação, se não fosse por isso eu nem teria me inscrito. Vamos lá amanhã e eu passo a bolsa para o seu nome.

— Manuela, para com isso. Eu estou bem, estou muito feliz por você, amiga. E além do mais, seria loucura eu sair agora do país, estou pagando aluguel; agora sou dona de casa, preciso esperar os móveis chegarem e terminar de organizar meu apê. E outra coisa, eu sei o grande sacrifício que fez por mim. Eu vi o quanto gastou com os meus presentes. Você merece essa viagem mais do que ninguém nesse mundo. Só mais um argumento para você parar de uma vez por todas com essas ideias malucas. A bolsa é intransferível e se não for, aí sim eu juro que não respondo por mim.

Assenti, mas ainda anestesiada, porém logo fui tomada pelo desespero. Precisava conversar com meus pais. Como eu iria explicar tudo isso? Eles precisavam da minha ajuda financeira também. Como ficariam sem mim por seis meses? Minha mãe daria conta das encomendas sozinha? E apesar de tudo, eu me preocupava com meus irmãos, principalmente com Cristiano. Ultimamente ele está andando com alguns garotos do bairro que não me agradam em nada. Como poderia ficar de olho nele estando tão longe? 

Finalmente o milagre aconteceu e tudo que sonhei a minha vida inteira agora estava prestes a se tornar realidade. Por que não me sentia tranquila com isso? Enquanto Kate falava e me incentivava a tomar coragem de falar com os meus pais, meu coração batia acelerado e minhas mãos suavam frio. Milhões de pensamentos se misturavam em minha mente.

— Manuela, você não vai me ajudar na encomenda?

Minha mãe apareceu na porta do quarto e meu coração quase saiu pela boca.

— Já estou indo, mãe — respondi, aflita. 

Me despedi de Kate e fui para a sala. Precisava conversar com eles. Eu tinha menos de uma semana para me organizar e precisava do apoio dos meus pais. Me sentia como se estivesse indo para a forca. Fiquei enrolando salgadinhos até meu pai chegar do trabalho. E parecia estressado, pois entrou desligando a TV. Não reclamei, precisava que ele estivesse calmo para que entendesse o que tinha a dizer. Essa noite seria decisiva em minha vida.

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