O domingo foi cansativo, porém muito gratificante. Era o único dia em que me atrevia a dormir até mais tarde. Acordei no susto com o toque do telefone. Era ligação de Rafael para saber se eu estava pronto para o compromisso que tínhamos com uma empresa de cosméticos. Mas é claro que eu havia me esquecido completamente.
— Rafael, por que não me lembrou disso ontem? — resmunguei.
— Julian, eu te falei. Assim que saímos da Telemont, você não lembra?
— Mas você tinha que ter me falado depois que saímos do estúdio. Tudo bem, vou correr aqui para me arrumar.
O almoço era para apresentar a ideia de uma propaganda de um de seus perfumes e tínhamos menos de uma hora para chegarmos ao restaurante. Acordei Samantha, que ficou aborrecida com os poucos minutos que teria para se arrumar, todavia, por sorte, conseguimos chegar a tempo. Eu não suporto atrasos! Ainda mais se tratando de um almoço de negócios.
Rafael nos acompanhou e foi incumbido de me dar o comunicado por parte da empresa. Eles não só me queriam no comercial, como lançariam um perfume com o meu nome e seria eu quem escolheria a fragrância. Eles criaram amostras para eu testá-las durante uma semana. A empresa tinha interesse que fosse característico meu e supervisionado por mim. Confesso que fiquei deslumbrado com a ideia. Eu acreditava no meu potencial e nos meus sonhos, porém nunca havia imaginado chegar a esse ponto na minha carreira.
À noite, fomos jantar na casa dos pais de minha namorada, como estava combinado. Queria que, da mesma forma que eu tinha liberdade de ir à casa dos meus sogros, Samantha fosse recebida também na casa dos meus pais. No entanto, era extremamente difícil a convivência. O México jogava contra o Brasil no amistoso, antes da Copa América. Sr. Ramiro gosta tanto de futebol quanto eu e, mais uma vez, não pude deixar de pensar no meu pai. Como eu sentia falta de conversar com ele!
Tomamos algumas bebidas enquanto assistimos ao jogo. Dona Vera ficou sentada ao lado de Samantha. As duas não gostam muito de futebol, todavia, quando se tratava de jogo da seleção mexicana, elas se esforçavam. Apesar das cobranças do meu sogro quanto ao noivado, a noite estava agradável. Até que, para minha infelicidade, percebi que estava sentado bem de frente para a minha sogra. Sentia-me um pouco incomodado com a situação.
Preciso confidenciar: ela não é o tipo de sogra comum. Sei bem de quem Samantha herdou tanta beleza. Apesar dos olhos de dona Vera não serem azuis como os da filha, seu olhar é muito semelhante. Samantha tem o rosto mais angelical, acredito que pela idade, porém dona Vera indiscutivelmente está muito bem conservada. Engravidou aos dezenove anos e me pergunto: se hoje ela está assim, como será que era há vinte e seis anos? Eu não gosto nem de me pegar com os pensamentos na minha sogra, mas é inevitável, ainda mais com ela a olhar-me fixamente durante toda a noite. Sem contar nas roupas que costuma usar. Definitivamente, ela havia extrapolado no decote, além da saia longa com o lascado que ia quase até a cintura do lado direito. Eu sei que reparei muito em sua roupa, contudo, é realmente difícil como homem estar em uma situação assim. Ela sentou-se de lado, o que fez com que toda a perna ficasse em evidência. Eu repetia para mim mesmo durante toda a partida: "Julian, foca na bola", "Julian, olha o futebol”. Espero que não me julguem por isso, mas de fato foi difícil não reparar.
No dia da festa de inauguração da novela em que conheci Samantha, eu conversava com o senhor Ramiro, quando sua filha se aproximou. Fomos apresentados e começamos a conversar, fiquei admirado com tanto beleza e me encantei à primeira vista. Ele solicitou à filha que o acompanhasse para conhecer o diretor e, logo após eles terem saído, dona Vera se aproximou. Eu jamais imaginaria que ela seria sua esposa! Estava em uma fase da minha vida em que nenhuma mulher passava despercebida e ela, irrevogavelmente, não passaria despercebida por ninguém. Entretanto, eu não precisei dizer nada, muito pelo contrário, ela insinuou-se para mim. Por sorte, a imagem de Samantha ainda estava em minha mente e eu nada fiz naqueles minutos que conversamos. Felizmente os dois retornaram a tempo. Quando meu sogro a abraçou e beijou eu fiquei estagnado, totalmente sem reação. Até hoje, nunca tive coragem de contar isso à Samantha, assim como ela nunca comentou nada duvidoso sobre o comportamento de sua mãe, mesmo sendo tão nítida a forma que ela me encara. Sem contar as inúmeras vezes que fingiu me tratar como filho para me abraçar ou me acariciar. Será que só eu consigo enxergar essas coisas, ou eles simplesmente ignoram? Sempre que me lembro disso, agradeço a Deus por não termos tido nenhuma espécie de envolvimento em cena. Já foi difícil fugir dela durante os gravações, imagina se tivéssemos contracenado juntos.
O placar final não foi nada atraente. Perdemos de 2x1, porém pela primeira vez eu estava ansioso para que jogo terminasse logo e não me importava muito com o resultado. Pedi a Samantha que fôssemos embora, pois as gravações no estúdio seriam iniciadas no dia seguinte e precisava acordar cedo. Geralmente, antes do início das gravações, um evento interno era realizado para que conhecêssemos os nossos futuros colegas de trabalho. No entanto, como Edgar não é muito de seguir protocolo, marcou o evento para a semana seguinte. Ou seja, iria conhecer a equipe durante as gravações, assim como foi com Pietra.
Despedimo-nos do casal e me deu aflição o atrevimento de dona Vera. Ao me abraçar, senti sua mão apertar firmemente uma de minhas nádegas. Minha reação de espanto a fez sorrir e cinicamente fingir que nada aconteceu. Como ninguém viu aquilo? Ela precisava parar, já tinha passado dos limites, mas eu não tinha como falar nada ali e ela sabia bem disso. Retornamos para casa e Samantha logo pegou no sono. Já eu, fiquei a remexer-me na cama sem conseguir fechar os olhos. Eu precisava pensar em como iria resolver essa situação. Tinha que falar com a dona Vera. Não estavam certas as suas atitudes e eu me sentia culpado por esconder esses ocorridos de minha namorada.
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Eu comecei a sentir o peso da correria da semana. O projeto do DVD tomava quase todas as minhas noites. Eu dormia tarde e acordava muito cedo. As gravações estavam a todo vapor também, todavia, não era isso que fazia eu me sentir tão cansado. Antes de Samantha, minha vida era tão agitada quanto e eu não me sentia assim. Estava exausto, porém era o cansaço mental que me sufocava. Ela percebia isso, entretanto, parecia não se importar. Mesmo eu fazendo questão de mostrar que todo aquele ciúme possessivo me sufocava. Chegou a implicar até com a minha cabeleireira na emissora, uma jovem senhora muito atenciosa, a qual sempre me tratou como um filho, porém Samantha sempre via as coisas com malícia e trazia o meu passado mulherengo à tona. Eu estava confuso sobre meus sentimentos, mas com essas lembranças do meu passado eu dava certa razão a ela. Talvez noivando ela diminuísse o ciúme e, quem sabe assim, dona Vera cessasse com seus abusos. Acho que Samantha precisava de uma certeza maior sobre o nosso futuro, precisava confirmar os meus sentimentos. Mas qual era o sentimento real, afinal? Essa pergunta não saía da minha mente e me fazia refletir se realmente a amava ou se estava apenas acostumado com a situação. Tê-la como namorada era o desejo de milhares de homens, muitos gostariam de estar no meu lugar. Ela se doava quase vinte e quatro horas por dia para estar ao meu lado. Portanto, era isso que atrapalhava o nosso namoro, ou será que faltava essa atitude de minha parte? Talvez eu devesse retribuir mais.
Eu sempre me mantive na linha, nunca a traí e compartilhei todo o meu passado com ela, convicto de que, assim, ela teria mais confiança em mim, pela honestidade. Abri mão de muitas coisas para fazê-la feliz. O que eu não gostava era de todo aquele sentimento de posse. Às vezes, eu dava certa razão ao Heitor. Eu não tinha mais vida social e minha vida se baseava nos desejos dela. Nossas brigas eram constantes e dramáticas, brigávamos por motivos inúteis, insignificantes. Com frequência, ela dizia que alguma mulher estava a se insinuar para mim. E quem realmente se oferecia ela não percebia. Samantha chorava em quase todas as discussões e dizia me amar muito. Mesmo com a certeza de que estava coberto de razão, eu sempre cedia, queria fazê-la feliz e vê-la chorar partia meu coração. No final fazíamos amor e tudo se resolvia, ou ao menos parecia se resolver.
A semana passou rápido demais. Já era quinta-feira e estava preocupado com a quantidade de cenas que precisaria gravar no dia seguinte. Enquanto Samantha dormia, estudei o texto na sala. Para minha surpresa, descobri que teria minha primeira cena de beijo na trama, a qual não seria com a Pietra e sim com uma atriz que faria uma participação especial. Daniel Hernandez, o meu personagem, conseguiria um emprego em um grande escritório e, no momento em que se concentrava no trabalho, seria surpreendido pela filha do seu chefe. Ela iria provocá-lo e beijá-lo e ele tentaria conter os ânimos, contudo, ela se jogaria em cima dele e o empurraria para cima da mesa. Então ele se descontrolaria invertendo a situação ao colocá-la sentada sobre a mesa, à medida que a beijava intensamente. Os dois seriam surpreendidos com a chegada do pai da moça, que imediatamente o demitiria, pois teria a impressão de que ele quem havia iniciado o curto affair. Ou seja, a oportunidade de Daniel indo à ruína em menos de dois dias empregado.
Ao terminar de ler a cena, verifiquei em outra folha o nome da atriz que iria contracenar comigo. Ao ler o nome Pâmella do Valle já soube o tamanho da encrenca que acabara de me meter. Antes de conhecer Samantha, Heitor me apresentou a Pâmella em uma premiação e saímos algumas vezes. Nada muito sério. Logo depois, conheci minha namorada e mudei de vida, por mais que ela não acreditasse nisso.
Mais uma noite conturbada para mim. Fui deitar com a mente voltada em achar uma maneira de contar a ela sobre a cena com a atriz. Samantha conhecia minha história com boa parte das mulheres com as quais me envolvi e sua memória sempre foi excelente. Eu precisava contar, ela saberia de qualquer forma e, pelo horário da cena, provavelmente já estaria no estúdio acompanhando as gravações. Entretanto, a coragem não vinha, e pensei, se for para ouvir suas reclamações, melhor que ouvisse por menos horas possíveis.
A semana foi muito agitada. Estava mentindo para todos e isso não me deixava confortável, mas não tinha alternativa. No dia em que fui demitida do trabalho, fui correndo para casa. Precisava separar toda a minha documentação e procurar o meu passaporte, pois teria que me apresentar no dia seguinte bem cedo ao consulado do México, localizado no bairro do Flamengo. No entanto, não fazia a mínima ideia de onde havia guardado. Por esse motivo, entrei em casa na ponta dos pés, tentando não fazer barulho. Não queria que minha mãe me visse.Comecei a vasculhar todo o quarto. Procurei nas gavetas da cama, onde costumava guardar documentos, verifiquei na cômoda também, e nada. Abri o guarda-roupa e comecei a tirar as caixas com livros antigos e pastas. Quando olhei ao meu redor, me dei conta da enorme bagunça que
Como de costume, fui o primeiro a acordar. Coloquei a discografia da banda Camilla para escutar enquanto adiantava o café, precisava chegar cedo ao set. Aproveitei que Samantha ainda dormia para checar as redes sociais e responder ao máximo de fãs que conseguisse, mas pouco depois ela acordou. Mexi no e-mail para disfarçar, no intuito de não começarmos a discutir tão cedo. A coragem ainda não vinha para contar sobre a cena que faria. Tomamos café e nos despedimos no estacionamento, ela iria para a academia e eu para a emissora.Gravei algumas tomadas com Heitor e Pietra e, logo depois, me dirigi para o camarim. Enquanto trocava de figurino para a cena com Pâmella, Samantha chegou. Fiquei nervoso, cheguei a suar frio. Queria falar de forma que amenizasse o problema, o qual certamente ela
Já estava na sala de embarque. Passei pelo detector de metais e pelos agentes da imigração. Estava prestes a entregar o cartão de embarque, o passaporte e o visto a um agente de aeroporto, quando ouvi anunciarem meu nome.— Manuela, do Voo Latam 3511 para Guarulhos, favor comparecer ao balcão da companhia.Na hora, senti meu coração disparar como se quisesse sair pela boca. Minhas mãos estavam geladas, trêmulas e comecei a suar frio. O que será que tinha acontecido? Realmente estava tudo dando certo demais. Estranhei, plenamente ciente de que as coisas não são fáceis assim.Fui em direção à saída da sala de embarque, quando avistei meus pais. Meu coração quase saiu pela boca. Como
Eu achei que não conseguiria ficar ali, sozinho novamente. Apesar das roupas dela não estarem mais, eu ainda sentia seu cheiro impregnado em cada canto. Almocei, lavei a louça e comecei a faxinar. Não queria mais suas lembranças me atormentando. Queria, na verdade, a minha vida de volta.Como pude estar cego durante tanto tempo e deixá-la me persuadir daquela forma? Somente naquele momento consegui perceber o tempo que perdi em uma relação egoísta e manipuladora. Entendi que nós não tínhamos mesmo futuro juntos. Combinávamos no sexo, isso não tinha como negar. Todavia, que tipo de relação sobrevive só de atração física e sexual?Sua aparência me dominou, mas pudera, qual homem em sã consciência não
O passeio havia sido maravilhoso, mas estava cansada e louca para tomar um bom banho. Ao entrar em casa, percebi o silêncio. Todos haviam saído, exceto o australiano. Era notório que ficou constrangido ao me ver, e pudera, os seus comentários sobre mim na noite anterior foram os mais audaciosos.— Olá, boa tarde! — disse, colocando as sacolas de compras sobre a mesa da sala.— Boa tarde! Nem vi você pela manhã. Madrugou? — ele falou, se aproximando.— Quase isso. Estava ansiosa para sair, fui ao Centro Copilco el Bajo. E você, o que fez de bom?— Eu estava muito cansado para sair, não tive condições de acompanhá-los. Fiquei aqui estudando um pouco. O idiom
Finalmente, o dia tão esperado! Acordei cedo demais, o horário de estar no shopping era somente às dez horas da manhã e já estava cansado de aguardar as horas passarem. Ainda me sentia um pouco confuso e relutava para não pensar muito em Samantha. Estava há cinco dias sem nenhuma notícia. Perguntava-me se ela também sentia a minha falta e como estava vivendo sem mim. Eu pensei que seria mais fácil me desprender, mas nos momentos em que ficava sozinho suas lembranças me sufocavam e eu me odiava por isso.Aproveitei o tempo livre para definir de uma vez por todas a fragrância do novo perfume que seria lançado em meu nome. Eram todas incríveis, porém uma me chamou a atenção e achei que se identificava mais comigo. Seu cheiro era bastante peculiar, o aroma era amadeirado e à base de cane
Ao sairmos do shopping estávamos desnorteadas e ficamos por um tempo tentando nos encontrar. Ellen conhecia bem o lugar, mas claro que com tudo que havia acontecido, estava tão abalada quanto eu. Até cogitamos voltar para casa de condução pública, porém, depois de pensarmos melhor, concluímos que seria impossível passarmos despercebidas. Entramos no primeiro táxi que parou. Eu estava com medo das represálias, não estava disposta a dar explicações a ninguém e Ellen tampouco. Senti-me culpada por tê-la envolvido naquela tremenda confusão.Quando estava de frente para Julian, pensei que seriam os milésimos de segundos mais importantes da minha vida. Como nos filmes, em que o tempo parece passar devagar! Todavia, jamais pensei que acab
Para não perder o costume, o restante do dia foi de muito trabalho. Não nos ausentamos do set de gravações. Até o horário de almoço foi reduzido. Edgar pediu comida para almoçarmos todos juntos ali mesmo, justamente para não perdermos tempo.Geralmente, na produção de uma novela, o ritmo é um pouco mais lento no início das gravações e, após as primeiras cenas irem ao ar, tende a acelerar automaticamente. Mas Edgar tem pressa, devido a extensão da novela. Quer correr contra o tempo. Ocorrem gravações simultâneas em estúdio, na cidade cenográfica e até externas, para agilizar o processo e, ainda assim, não é suficiente para ele. Em um pouco mais de dois meses a história tem que estar no ar, pois outra está por encerrar e is