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Capítulo 5 – Tempo de decisão

Eu observava a fisionomia dele e sabia que não era o melhor momento para conversar sobre algo tão sério, mas não tinha outra saída, precisava correr contra o tempo. Fui até o meu quarto e imprimi tudo que pude a respeito da viagem para auxiliar na minha defesa; precisava de argumentos bem estruturados, quem sabe dessa forma eles poderiam compreender melhor essa grande oportunidade para o meu futuro e não somente achar que era um capricho meu. Ir para o México sempre foi um grande sonho, mas não só pelo Julian, também admiro o país, a cultura... Vivenciar tudo isso é o que eu mais quero! Praticar o espanhol, conhecer lugares, pessoas, e sim, eu confesso que acredito que terei mais chances de conhecê-lo estando lá.

— Manuela, vai demorar muito aí, filha? Ainda temos que enrolar as bolinhas de queijo.

— Já estou indo, mãe. 

Ao sair do quarto, meu pai logo me questionou pelos papéis que estavam em minhas mãos. Tudo que fugia da normalidade ele questionava.

— Quero conversar com vocês sobre algo muito importante e delicado, por isso, quero que o Cristiano e o Nathan não estejam presentes. 

Percebi a revolta nos olhos do meu irmão mais velho. Ele não aceitava estar de fora das situações, para essas coisas se considerava maduro e adulto o suficiente. Então, obviamente começou a falar:

— O que você fez, Manuela, que eu não possa saber? Você sabe que logo nós saberemos.

— Cristiano, isso não é assunto para discutir com você.

— Você deve ter feito algo que se envergonhe muito e não quer que saibamos, mas logo a verdade vai aparecer e todos saberão! — disse ele em um tom de acusação, provocando em mim uma ira muito grande.

Finalmente meu pai interveio e ordenou que ambos fossem para o quarto. Aquilo gerou uma revolta em Cristiano, que saiu batendo o pé e em seguida a porta do quarto. Em outro momento, meu pai iria atrás para castigá-lo, mas ultimamente nem ele estava conseguindo dominar o gênio do meu irmão. Estava a cada dia pior. Tudo que falávamos ele rebatia e, em parte, meu pai era o culpado por isso, por tê-lo mimado muito; tanto meu pai, quanto minha mãe.

Eu percebi o quanto minha mãe estava aflita com a situação e curiosa para saber o quão sério era o que eu tinha a dizer, e já foi “cuspindo” as palavras que tanto a afligiam:

— Manuela, você não fez nada de errado, não é? Não vai me decepcionar agora ou vai, minha filha?

— Calma, mãe, não é nada disso — disse, nervosa. Papai me olhava fixamente mostrando desconfiança e ordenou que eu dissesse logo o que queria.

— Primeiramente eu quero dizer que amo os dois incondicionalmente. Amo com toda a minha alma, de todo o meu coração e sou grata por tudo que vocês fizeram por mim até hoje — comecei de forma que entendessem que não era nada em relação a eles e para que não me interpretassem mal. 

— Manuela, o que é isso, minha filha?! Parece que você vai morrer, parece uma despedida — disse minha mãe, já com os olhos vermelhos como se quisesse chorar.

— Mãe, para com isso, eu não vou morrer. Deixa eu continuar, por favor.

— Tudo bem, filha. Desculpa. Prossiga.

— Então, vocês são meus pais e, mais do que qualquer outra pessoa no mundo, são os únicos que me conhecem de verdade e sabem dos meus sonhos, sabem que quero estudar, quero realizar minha graduação...

— É, apesar de achar que você deveria estar pensando em arrumar um bom marido. Já está ficando velha e vai acabar ficando uma solteirona. 

— Pai, por favor, para com isso. Não estou velha, só tenho vinte e quatro anos. E meus sonhos são diferentes dos seus. Então, como eu estava dizendo, e agora vou direto ao assunto. Consegui uma bolsa de estudos de espanhol através do governo do México para passar seis meses lá com auxílio mensal, moradia e passagem. — Fui direto ao ponto em um rompante para que nenhuma palavra ficasse pra trás. 

— Manuela, nem precisa continuar a falar, a resposta é não! Você não sai daqui. A culpa é da sua mãe que fica dando margens às suas loucuras. Vocês passam a metade do dia vendo essas novelas na televisão e acham que a vida é um conto de fadas.

— Pai, o senhor vai acabar com os meus sonhos assim? Sem mais nem menos? Nem vai parar pra pensar nisso? Eu mereço e preciso dessa oportunidade! Quando que eu teria condições de arcar com tudo isso?

— Já disse, Manuela, não me faça ficar nervoso.

— Mãe, você não vai dizer nada? — falei, aflita; estava realmente nervosa com a situação e tinha medo de não saber como falar e agir com meu pai. Porém ela parecia estar anestesiada. Não abriu a boca e parecia nem piscar, me deixando ainda mais nervosa. Meu pai nem me deu mais oportunidade de dialogar, ordenando que eu ouvisse e aceitasse o que ele tinha a dizer. 

Logo as lágrimas começaram a escorrer. Fiquei ali sentada olhando para ele, enquanto apresentava o seu monólogo. Meu corpo estava ali, porém meus pensamentos estavam em outro lugar. A vontade de levantar e sair correndo dali me consumia por dentro; nessas horas eu invejava meu irmão. Queria ter ao menos um pouco do Cristiano dentro de mim para falar tudo o que pensava e explodir do mesmo jeito que ele explodia, mas não podia, eu não era assim. Ainda mais com meu pai. Apesar de tudo, eu o amava e sabia que sua criação o limitava a entender o quanto era um intercâmbio importante e a dimensão dessa oportunidade. O que não conseguia era conter as lágrimas. Assimilava apenas algumas palavras duras e frias que ele dizia e isso só me fazia chorar ainda mais, tamanha era a injustiça daquilo.

— Eu sei bem o que você quer, Manuela. Quer se aventurar por aí. Já vi muitas reportagens e sei bem o que as pessoas fazem quando vão ao México. Todas querem é ir para os Estados Unidos e fazem qualquer coisa para conseguir isso. E eu sei muito bem que você está entendendo onde eu quero chegar. Mas a culpada disso tudo é a sua mãe, que vive pedindo para eu deixar você viajar com esses seus amigos que são má influência. Ficou com esse espírito de aventureira e agora pensa que pode fazer o que bem entende. Deve estar querendo viajar com algum cafajeste que não quer te assumir como namorada. Daqui de casa você só sai casada e ponto!

Parecia que ele nunca mais iria parar de aplicar o seu infinito sermão para me ofender de todas as formas que estavam ao seu alcance. Não consegui dizer uma só palavra, minha cabeça latejava e não conseguia mais abrir os olhos de tanto chorar. Tudo que ele dizia não fazia o menor sentido, suas comparações e seu ponto de vista arcaico só confirmavam o quão ignorante e machista era, isso me entristecia ainda mais. Estava cansada, acabada. Meu pai realmente não me conhecia. Como pode pensar que iria viajar para fugir com um homem? Estava solteira há tanto tempo, caramba! Não dava motivos para que me tratasse assim. Finalmente minha mãe resolveu intervir, dando um basta na situação. Vi meu pai olhá-la com repugnância, no entanto, se conteve para não explodir com ela também.

— José, já chega! Ela já entendeu dos perigos que há de viajar por aí sozinha. E para você, Manuela, vê se realmente esquece essa história maluca e encara a sua realidade. Você é brasileira, minha filha! Tem que amar e honrar seu país e sua cultura. Esquece Julian, ele não sabe nem que você existe! O que está pensando? Que quando chegar ao México vai conseguir vê-lo? Acorda, Manuela! Você já é uma moça, tem que amadurecer! Uma coisa é você viajar com suas amigas como já fez algumas vezes. Eu já deixei você ir para tantos lugares, Búzios, Cabo Frio, foi também para Ilha Grande. Sem contar os lugares que acampou. Qual o nome daquele lugar que você adora ir mesmo? Lembrei, Sana! Você não é uma prisioneira, minha filha. Só que tem que entender que tudo tem limites e você está querendo ir longe demais, não acha não? Coloca seus pés no chão!

— Estela, a culpada é você! Deu liberdade demais para ela. Nunca achei isso certo, deixar ela ficar por aí viajando. No meu tempo, nenhuma mulher fazia essas coisas. Você que fica colocando caraminholas na cabeça dela e fica permitindo que ela sonhe demais. Esquece o verdadeiro papel de uma mulher! — disse ele, com o rosto todo enrugado de raiva. Olhando severamente para minha mãe. 

O que eu menos queria estava acontecendo. Os dois estavam brigando por minha causa. Em todo o tempo que fiquei ali não pronunciei uma só palavra depois que meu pai começou seus insultos e julgamentos descabidos. Também não esperei ela terminar de falar com ele, ao menos agora eu não era mais o centro das atenções. Pedi licença aos dois para me retirar, porque mesmo magoada não seria desrespeitosa. Fui andando lentamente para o meu quarto para que papai não iniciasse outro discurso me chamando de rebelde por e deixá-los falando sozinhos. Eu sabia exatamente como agir com eles e sabia que essa conversa não seria fácil, mas queria acreditar que poderia mudar o pensamento dos dois. Depois disso tudo, reparei na ilusão que havia criado e me sentia uma completa idiota. Além de os fazer discutir, recebi mais insultos do que imaginava ser possível.

Fui até meu guarda-roupa, abri e comecei a retirar o álbum que havia guardado em uma caixa de sapato. Folheando, fui revendo e me recordando das viagens que minha mãe havia mencionado. Graças a ela que conseguiu convencer meu pai com muito esforço, eu pude aproveitar a minha vida junto aos meus amigos. Havia fotos de trilhas e rapel que já havíamos realizado. Todas as minhas pequenas aventuras que foram permitidas. Sou uma grande admiradora da natureza e definitivamente apaixonada por esportes radicais. Praticava slackline na praia da Reserva aos sábados antes de iniciar o curso de espanhol. 

Fiquei um tempão ali, olhando foto por foto, relembrando histórias engraçadas que me faziam rir e chorar ao mesmo tempo. Observei também que o álbum estava cheio de espaços vazios para serem preenchidos. Sempre revelo ao menos uma foto de cada dia que considero importante e diferente; sei que faltam histórias na minha própria vida se eu quiser ter um álbum completo.

Foi então que tomei a decisão que iria mudar tudo isso completamente. 

— Estou determinada! Preciso viver a minha vida, tomar minhas próprias decisões, aprender com meus próprios erros, vou fazer essa viagem com ou sem o consentimento deles — disse para mim mesma, enquanto encarava o espelho.

De repente, senti uma coragem minar dentro de mim, maior do que as vezes que pulei de algumas cachoeiras. Ali, senti que precisava mudar. Como não podia falar ao telefone, mandei mensagem de texto pelo W******p para Kate, que imediatamente respondeu. Tive que escrever tudo que aconteceu e solicitei a ajuda da minha amiga, que obviamente adorou. Não sabia como faria para sair de casa despercebida, com as roupas e uma mala tão grande. Porém em menos tempo do que imaginei, ela teve uma ideia e arquitetou todo o plano.

Na manhã seguinte, enchi minha mochila de roupa e me arrumei como se eu fosse trabalhar. Já havia tomado meu café da manhã e não consegui falar uma palavra a mesa. Meus irmãos, por um milagre, acordaram cedo e percebi que já sabiam o que havia acontecido na noite anterior, até porque meu pai não fez questão nenhuma de falar baixo. Saí de casa sem me despedir para mostrar que ainda estava chateada com a situação e fui direto à casa de Kate. Desfiz a mochila lá e faria isso durante toda a semana. Logo após fui para o curso de espanhol para trancar minha matrícula. Meu professor estava lá e ficou triste com a notícia. Me dissera que estava perdendo a aluna mais promissora que já teve. Claro que isso gerou em mim mais coragem de viver os meus sonhos. Sabia que merecia essa oportunidade e daria toda a minha dedicação e comprometimento para me superar como aluna no México também. Prometi devolver a gramática na mesma semana, porém ele disse que fazia questão que eu ficasse com ela, pois me ajudaria na viagem. Também complementou o discurso dizendo que desejava o melhor para mim e que sabia que, após o intercâmbio com esse intensivo em espanhol, voltaria do México mais preparada para o mercado de trabalho, portanto, era somente por isso que estava aceitando me perder como aluna tão facilmente.

Essa foi a parte mais fácil do dia. Estava realmente preocupada com o que o meu chefe diria a respeito da minha decisão. Eu tinha certeza de que o pegaria de surpresa, mas também era novidade pra mim. Mesmo eu já sabendo que o Sr. Alexander é um chefe excepcional, ele me surpreendeu totalmente, pois não só ficou feliz com a notícia, como resolveu me demitir para me ajudar. Fez questão de que eu saísse do meu emprego recebendo toda a minha rescisão de contrato e auxílio desemprego; isso sem que fosse necessário um acordo. 

— Manuela, quero que saiba que eu tenho um carinho por você como se fosse minha filha. Um intercâmbio é uma oportunidade de crescimento. Vai ser ótimo para você, até mesmo para decidir sua vida profissional. Vai em paz, minha filha. Quando voltar, me procure. Prometo fazer o possível para empregá-la novamente. Só peço uma coisa. Não conte a ninguém do nosso trato. Imagina se toda vez que alguém pedir demissão, eu tiver que demitir? Seria uma loucura.

— Sr. Alexander, nem sei como agradecer por tudo que está fazendo por mim. Mas só pra constar, não posso contar nem à Kate? Porque ela sabe que eu viria aqui hoje e já imagina que eu vá contar ao retornar para minha mesa e…

— Por favor, peça a ela total sigilo — informou ele, finalizando nossa breve e súbita reunião.

Que funcionária não gostaria de ouvir isso de um patrão? Fiquei muito feliz com aquelas palavras, ao mesmo tempo veio uma sensação de medo e insegurança que me assombrou. Como será mudar a vida de uma semana para a outra? Deixar tudo para trás, minha família, amigos, meu trabalho… Quando saí da sala, precisei fingir que estava chateada e que tinha sido mandada embora. Acho que de tanto assistir novelas, eu tinha aprendido a interpretar muito bem. Até Kate ficou sem entender nada. Sorte que ela segurou a língua e esperou o momento certo para falar comigo. 

— Não estou entendendo nada, amiga. Como assim ele te demitiu? Você fez alguma coisa? Pelo menos veio a calhar, você já teria que pedir mesmo.

— Kate, shiu! Fale baixo e seja discreta!! Ninguém pode saber que eu ia pedir demissão. Ele está me fazendo um enorme favor!

— Nossa, amiga, que legal! Perfeito! Está tudo dando certo! Viu? Coisas boas acontecem com pessoas boas. Você mais do que merece!

— Mais ou menos, né? Tirando os meus pais, está tudo correndo bem...

Aquela manhã foi uma choradeira. Ninguém se conformava que eu estava sendo demitida. Kate foi obrigada a interpretar, mas adorou. Sr. Alexander sabia que eu precisava agilizar tudo o mais rápido possível e estava totalmente disposto a me ajudar. Como o escritório era de contabilidade, ficou tudo mais fácil. Fui ao mesmo dia à clínica, que ficava a uma quadra dali, para fazer o exame demissional, enquanto o Sr. Alexander mesmo preparava a minha demissão. Passei aquela manhã inteira resolvendo todas as questões burocráticas, mas feliz! Mais um passo dado em direção ao meu futuro e uma nova página do álbum.

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