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Capítulo 7 – Uma vida nova...

A semana foi muito agitada. Estava mentindo para todos e isso não me deixava confortável, mas não tinha alternativa. No dia em que fui demitida do trabalho, fui correndo para casa. Precisava separar toda a minha documentação e procurar o meu passaporte, pois teria que me apresentar no dia seguinte bem cedo ao consulado do México, localizado no bairro do Flamengo. No entanto, não fazia a mínima ideia de onde havia guardado. Por esse motivo, entrei em casa na ponta dos pés, tentando não fazer barulho. Não queria que minha mãe me visse.

Comecei a vasculhar todo o quarto. Procurei nas gavetas da cama, onde costumava guardar documentos, verifiquei na cômoda também, e nada. Abri o guarda-roupa e comecei a tirar as caixas com livros antigos e pastas. Quando olhei ao meu redor, me dei conta da enorme bagunça que tinha feito em minutos. Foi então que o desespero começou a me dominar. Não havia mais onde procurar! Olhei para cima do guarda-roupa e lembrei que havia escondido uma pasta, justamente para que não corresse o risco da minha mãe vasculhar minhas coisas. Abri a porta do quarto lentamente e percebi que ela estava no banheiro. Para conseguir realizar a tarefa, precisaria pegar a escada que ficava guardada na área de serviço, próximo à cozinha. Então sai do quarto, me sentindo quase como uma clandestina, mas fiquei aliviada quando ouvi o barulho do chuveiro aberto. Tudo estava saindo perfeitamente bem. Voltei para o quarto feliz da vida com a escada nas mãos sem que ela percebesse a minha presença e continuei tentando não fazer barulho. Felizmente, o passaporte estava lá, intacto, para a minha felicidade. Agradeci a Deus por isso, mas quando fui descer, dei um passo em falso e não consegui me segurar. O barulho foi inevitável e todo o trabalho que tive para me manter “invisível” tinha saído do meu controle. Lá se foi o meu modo furtivo. Logo, ela apareceu. Abriu a porta depressa para saber quem estava no meu quarto. Só deu tempo de esconder o passaporte atrás de mim.

— O que aconteceu aqui? Quer me matar do coração, Manuela? E que bagunça é essa? Passou um furacão nesse quarto?

— Calma, mãe! São muitas perguntas para uma pessoa só! 

— Manuela, o que está acontecendo? E o que você está fazendo em casa tão cedo? 

— Nada. Só estava procurando aquele sapato de salto alto. Aquele preto que comprei mês passado. A Katerine quer emprestado. E cheguei cedo porque meu chefe me deu o resto do dia de folga.

— E estava procurando o sapato em cima do guarda-roupa?

— Não achei em lugar nenhum! Estava olhando tudo.

— O sapato está lá na sapateira, na área de serviço. Precisava fazer essa bagunça toda? — disse ela saindo do quarto, porém voltou em seguida para me dar o último aviso.

— Quando a esmola é demais o santo desconfia! Cuidado, minha filha! Não é todo dia que chefe dá o resto do dia de folga para empregado. Alguma coisa ele deve estar querendo em troca, fica esperta!

— Mãe, para você, todos os homens da face da terra já têm segundas intenções quando fazem alguma gentileza. E além do mais, teve aquele dia na semana passada que fiquei até tarde na empresa trabalhando. O mínimo que ele podia fazer era me dar uma folga, certo?

Esses ditados populares sempre me aborreceram. Além disso, meu ex chefe é como um pai para mim, nunca me faltou com respeito. Não era a primeira vez que ela insinuava algo parecido e eu sentia que fazia isso para me aborrecer. Para ela, todos os homens do mundo têm interesse em mim. Quando disse da compensação do trabalho com a folga ela percebeu que estava sendo injusta e me deixou sozinha para arrumar a minha bagunça.

O peso na consciência estava me matando, mas ao olhar todas aquelas fotos nas paredes do meu quarto, pude perceber que valeria a pena qualquer sacrifício. Comecei a arrumar o quarto. Abri o guarda-roupa novamente e na parte de baixo, onde não mexia há muito tempo, encontrei a caixa de presentes que havia feito para Julian. Ela estava bem escondida e tive certeza de que não poderia deixar de levá-la comigo. Precisava entregar a ele! Eu acreditava que esse dia chegaria, meu foco era esse. Dentro da caixa, encontrei uma foto que tinha tirado em um dia enquanto praticava slackline. Estava em cima do elástico com uma plaquinha escrito "Julian, te amo". Eu não me contive e comecei a rir. A foto era antiga, mas queria muito que ele visse. Nós nos parecemos em diversas coisas. Ele adora natureza, assim como eu e ama esportes radicais; com essa foto eu poderia chamar a sua atenção de alguma forma. Acho que meus dias são focados nisso, em como obter e segurar a atenção do meu ídolo.

Óbvio que sabia que era mais uma dentre suas milhões de fãs e que, provavelmente, todas nós tínhamos os mesmos sonhos relacionados a ele, mas agora eu sentia que estava um passo à frente de muitas delas, pelo menos das brasileiras. Eu iria estar lá, no México, bem mais próxima a ele. E nem que eu fizesse plantão em frente a Telemont para vê-lo, eu iria dar meu jeito. Precisava conseguir! Não voltaria para o Brasil sem conquistar meus objetivos e estou certa de que irá valer a pena tudo que precisarei fazer para isso. 

O dia terminou com a rotina de sempre. Ajudei minha mãe com o salgadinho, enquanto víamos as novelas e após a minha preferida, onde Julian estava, fui para meu quarto acessar a internet. Entrei nas redes sociais também para ver se ele havia curtido alguma publicação minha em seu mural ou retweetado alguma mensagem. Infelizmente, nenhuma novidade. Fiquei pesquisando no G****e Maps a localização do aeroporto e de algumas ruas, calculando a distância também da Telemont. A única coisa que sabia até o momento era que ficaria na delegação de Coyoacán. Pelo que andei pesquisando, a divisão do México é diferente do Brasil. Os bairros são chamados de colônias, que pertencem à delegações. Isso porque a Cidade do México é formada por dezesseis delegações. Infelizmente eu não ficaria na delegação de Álvaro Obregón, na Colônia de San Ángel, onde a Telemont é localizada. Mas isso não seria problema para mim. Nada que um tempo dentro do ônibus ou metrô não resolvesse. Quanto mais eu lia sobre localização, mais dúvidas eu tinha. Estava ansiosa para sábado, mas além da ansiedade, tinha a insegurança, o medo, nervosismo, dentre outros. Como seria quando eu chegasse lá? Desliguei o computador e fui dormir. Precisava acordar cedo e não queria me atrasar.

No dia seguinte, saí de casa como se fosse trabalhar. Deixei mais roupas na casa de Katerine, como planejado e fui para o Flamengo. Sempre fui uma negação andando na Zona Sul. Primeiramente porque, na Zona Norte do Rio, eu tinha acesso a tudo e, quando se tratava de praia, eu geralmente vou para a Prainha ou fico no Pontal, no Recreio. Sempre que tenho oportunidade gosto de viajar para lugares mais afastados da cidade. 

Minha trajetória para a Zona Sul foi longa e cansativa. Andei até o bairro de Madureira para pegar o trem, desci na Central do Brasil, depois peguei o metrô para o Largo do Machado e ainda tive que andar uma boa distância até conseguir chegar à rua. Parecia cena de filme eu andando por aquelas ruas. A Zona Sul me lembra as novelas brasileiras. Tinha hora que me sentia como uma estrela da TV e conseguia até ouvir a trilha sonora de fundo com a música Samba de Verão de Caetano Veloso. Claro que nos meus pensamentos! Nessas horas que eu percebia o quanto minha imaginação ia longe, até eu ria de mim mesma.

Na porta do prédio havia uma bandeira do México pendurada e logo aquele friozinho na barriga surgiu, como se anunciasse o início do sonho. Fui tratada tão bem por todos! Parecia que eu era alguém importante. No mesmo dia, eles agilizaram toda a documentação e saí de lá com o visto de estudante, o que talvez demorasse meses para ser resolvido se estivesse indo viajar por conta própria. Até então, eu não sabia que havia sido a única brasileira contemplada com a bolsa de estudo, então, de certa forma, estaria representando o meu país. Saí do consulado com essa responsabilidade, mas com a certeza de que esse seria o momento de dar uma guinada na minha vida.

Passei o resto do dia na casa de Kate. Ela tinha deixado uma cópia da chave comigo e de tarde, no horário de sair do trabalho, fui para casa. Nós tínhamos um plano e hoje precisava que tudo desse certo. 

Estava em casa quando a campainha tocou e minha mãe foi atender.

— Boa noite, dona Clarice. Desculpa incomodar a essa hora. Eu tentei ligar para cá, mas acho que o telefone da senhora está ruim. Minha prima vai viajar para São Paulo amanhã à noite e pediu minha mala emprestada, mas ela está com uma amiga. Será que a senhora poderia pedir à Manuela que me emprestasse a dela?

Minha amiga nasceu para ser atriz e roteirista. Minha mãe nem desconfiou da história que ela inventou. Veio ao meu quarto, me pediu a mala e entregou à Kate. Ela deu uma desculpa que estava com pressa porque queria manter a cena perfeita. E agora tinha menos um obstáculo. Só faltava trocar os vales que recebi pelas passagens no dia seguinte direto com a companhia aérea.

Passei toda a minha semana tentando despistar, fingindo ir trabalhar, mas procurei estar mais próximo de todos durante a noite, principalmente dos meus irmãos. Deixei de fazer salgadinho por dois dias para sair com eles. Fomos ao cinema um dia e, sem saber, eles me ajudaram a comprar algumas roupas que precisaria para a viagem. Não entenderam quando na volta para casa deixei as compras na casa de Kate. Inventei a história que não queria que minha mãe soubesse para não brigar comigo pelos gastos. No outro dia, fomos a uma lanchonete perto de casa e aproveitei para conversar com Cristiano sobre suas amizades. Falei sobre ele ajudar mais em casa e ser independente financeiramente dos nossos pais. Ele não se alegrou muito com a conversa, mas como havia comprado combos completos para nós três lancharmos, ele não se atreveu a brigar comigo.

Os dias passaram rápido demais e não me sentia preparada para partir. Estava bastante agarrada aos meus irmãos. Só assim para perceber o quanto eles eram carinhosos. Nathan era mais. Cristiano não gostava de demonstrar muito seus sentimentos, mas eu percebia o quanto os dois precisavam de mim. Só que essa era a oportunidade da minha vida e eu não desperdiçaria por absolutamente nada!

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Finalmente o sábado tão aguardado por mim! Acordei cedo e, ao abrir a janela, percebi que seria um dia perfeito. O céu estava limpo, não havia quase nuvens e o sol, meio tímido, começava a aparecer. Sentia um ventinho gelado que entrava e se espalhava por todo o meu quarto fazendo o meu filtro dos sonhos girar depressa. Acordei os meus irmãos para tomar café comigo e com minha mãe, claro que eles reclamaram bastante, mas consegui convencê-los. Já meu pai levantava mais cedo aos sábados para trabalhar. Fiquei ali sentada à mesa observando minha linda família enquanto conversávamos e comíamos. Após o café, fui para o meu quarto e organizei a minha mochila. Joguei a caixa de Julian pela janela, para que pudesse pegar depois que saísse de casa. Por sorte não quebrou. Olhei para o celular para ver a hora e minha ansiedade em sair dali o quanto antes me dominava. Peguei uma folha do meu caderno e me pus a escrever. Admito que me senti bastante clichê. Não que uma carta fizesse com que todos me perdoassem, mas tirava um pouco do fardo que estava carregando e era uma tentativa de os acalmar depois que lessem. 

“Querida família,

Primeiramente, quero agradecer a Deus por ter me dado cada um de vocês e por todo amor recebido, apesar de nossas diferenças e desavenças. É impossível uma família grande não ter opiniões e pensamentos distintos, mas sei que isso nos completa e não impede de nos amarmos. Talvez o que estou fazendo hoje mude algumas coisas e abale a nossa relação familiar por um tempo, mas espero que consigamos passar por tudo isso.

Estou imaginando a dor que vou causar a vocês a partir de hoje. Sei que a intenção era me ver saindo de casa com uma aliança no dedo, compromissada com alguém, mas não foi isso que escolhi para mim. Posso imaginar como meu pai reagirá ao ler essa carta. Talvez me odeie para sempre, porém quero que saibam que sempre vou amar vocês! Eu sei que o que estou fazendo é loucura, mas a loucura já faz parte de mim, não posso deixar simplesmente de aproveitar essa oportunidade única de estudar fora do país. Quantos jovens não gostariam de estar em meu lugar agora?! Mas quando os consultei, não concordaram e não me deram a oportunidade de explicar e, por isso, resolvi me deixar levar pelo meu sonho. Preciso viver minhas próprias experiências.

Apesar de toda a culpa que carrego comigo a partir de hoje, eu estou feliz e queria muito que me dessem essa oportunidade de tentar algo novo, de lutar pelos meus ideais. Quanto às despesas, peço que não se preocupem. Já dei entrada no seguro-desemprego pelo aplicativo e pedi ajuda à Katerine. Ela está com meu cartão do banco e se propôs a sacar mensalmente o dinheiro da conta. A Kate trará o dinheiro dos cinco meses integralmente e isso será bem mais do que eu ajudaria em seis meses.

Quero surpreendê-los! Preciso fazer dar certo. Mãe, pai, Cristiano e Nathan, vocês ainda terão muito orgulho de mim! Vou alcançar o que todos acham ser impossível. Vou voltar com um currículo melhor, aprimorar os meus conhecimentos com o espanhol e conseguir um bom emprego aqui quando retornar. Talvez como secretária bilíngue ou algo relacionado, e ainda irei realizar minha faculdade. Tudo parece tão distante agora, mas vou além das possibilidades.

Amo vocês e me perdoem por isso. 

Manuela"

Deixei a carta em cima da mesa e coloquei o meu notebook na mochila, enquanto minha mãe estava lavando roupa na área e meus irmãos estavam no quarto; eles haviam voltado a dormir. Me despedi em pensamento, dei a volta na casa para poder pegar a caixa que estava caída no chão e fui para a casa de Kate.

Queria chegar cedo ao aeroporto para o check-in. Nunca havia andado de avião. Katerine disse que antes queria que eu a acompanhasse a um lugar. Era um barzinho que frequentamos aos finais de semana. O dono era nosso amigo e havia cedido o espaço no horário da manhã para a Kate realizar o “evento”. Ela havia preparado um café da manhã surpresa de despedida para mim, só com os amigos mais íntimos. Nem preciso dizer que me emocionei muito. Só a Kate mesmo para fazer essas coisas! Foi um pouco corrido, mas marcou o meu dia, na verdade marcou a minha vida. Tiramos muitas fotos; realmente me senti privilegiada pelas amizades que cultivei. Todos eram tão especiais para mim, mas Kate era essencial. Sabia que uma amiga igual eu não encontraria em lugar nenhum.

Enquanto recebia um DVD, o Uber já tinha chegado e precisei me despedir correndo. Kate foi comigo para o aeroporto. Chegamos cedo demais, mas foi bom, porque pude fazer o check-in com calma. Despachei a mala e ficamos dando voltas e tirando mais fotos daquele momento. O tempo foi passando e eu precisava embarcar. Finalmente chegou a hora de partir. Dizer um "até logo" ao Rio de Janeiro, minha cidade natal, me despedir do meu Brasil. Deixar a minha família, amigos, resumindo, toda a minha vida. A partir dali, Rio de Janeiro era meu passado. Pelo menos nos próximos seis meses. Eu estou disposta a viver uma vida nova no México!

Dizer adeus dói, e doeu bastante. Ao me despedir de Kate, não consegui conter as lágrimas e ela tampouco. Queria que ela me acompanhasse até a hora que eu fosse entrar no avião, mas havia uma divisão e dali para frente só quem estivesse portando o cartão de embarque poderia passar. Eu precisava ir, era a hora de viver algo novo. Kate me lembrou do DVD e pediu que eu assistisse e, assim chegasse lá, entrasse imediatamente em contato com ela. 

Era aquele o momento! Dei o abraço mais apertado que pude e fui rumo a minha grande oportunidade munida de todos os meus sonhos e perspectivas.

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