EM 1964 MINHA mineradora petrolífera na Arábia Saudita havia faturado mais nos seis primeiros meses do ano do que em todo o ano fiscal anterior e aquele crescimento exponencial me deu ânimo novo para voltar aos negócios e participar mais ativamente de seu gerenciamento. Eu havia transformado a mineradora venezuelana em uma filial de minha empresa principal e com a contratação de vários técnicos e engenheiros petrolíferos para trabalhar em ambos os lugares coloquei a Rux-Oil no topo das listas das companhias mais bem-sucedidas da década.
Os advogados da Casavette & Montanaro que eu havia contratado há mais de dez anos haviam descoberto que um financiador ucraniano misterioso estava por trás da diretoria da Novyy Kordon — a empresa que havia comprado minhas ações da Rassvet — e quando o grupo começou a pedir diversas concordatas, fazendo com que o val
NO FINAL DAQUELE ANO, eu me mudei para um castelo em Edimburgo, na Escócia e de lá fiquei a tocar os negócios da Rux-Oil tendo minha presença requisitada raras vezes tanto na sede em Riad quanto em sua filial na Venezuela. Depois de tudo que havia me acontecido em Vaucluse, depois de tantas perdas, decidi contratar apenas um empregado para cuidar do castelo, mas suas características físicas peculiares faziam dele o servo perfeito: Ele era um licantropo.Eu havia conhecido Sergio Gutierrez em Caracas, numa de minhas visitas à mineradora e era uma noite comum de final de expediente quando eu o encontrei escondido no banheiro de meu escritório, sujo, rasgado e ensanguentado. Ele não devia ter mais do que dezessete anos na época e os moradores do bairro onde ele vivia haviam descoberto no que ele se transformava em noites de lua cheia, passando a persegui-lo. Vi na história daquele menino a minha pr&oacu
ERAM MEADOS do século XIX nas planícies da Valáquia. Aquela tinha sido uma temporada extenuante de muito trabalho no campo. Notícias trazidas do Norte dos montes Cárpatos anunciavam rebeliões camponesas por todo território da Moldávia, o que dificultaria ainda mais o cultivo e o transporte das uvas para as vinícolas num futuro próximo. As tropas russo-turcas coibiam com rigor os protestos dos aldeões na vizinhança aumentando ainda mais seu domínio. Oprimindo gente que vivia da terra. Gente como a minha família. Eu tinha sido batizada como Alina Grigorescu e era a filha única de Grigore e Ruxandra, um casal de camponeses valaquianos que morava há quase vinte anos naquela fazenda de poucos hectares. Eles viviam do que plantavam até mesmo antes do meu nascimento, sem qualquer medo do trabalho duro e sempre se gabando da sua saúde invejável. O que viria a acontecer posteriormente, todavia, provava o quanto o destino era dado a caprichosas ironias. Naquele verão, a minha mãe caiu de cama
POR ALGUM TEMPO, a companhia de Costel nos dias extenuantes e nas noites frias de sarjeta bastou, mas logo a necessidade de sobreviver nas ruas perigosas de Bucareste — para onde tínhamos fugido muito tempo depois — começou a criar conflitos entre nós dois. Tínhamos nos tornado dois pedintes em busca constante de abrigo e alimento, o que nos fazia brigar a todo momento. — Temos que pedir ajuda, Costel. — Não seja estúpida, Alina! Quem nessa cidade iria nos ajudar? Sofríamos diariamente para encontrar um teto sobre a cabeça ou mesmo roupas adequadas para suportar a temperatura baixíssima do outono europeu. Feito andarilhos, mudávamos de um endereço para outro logo que as autoridades nos identificavam, e naquele período, encontramos pelo caminho o que de pior a recém-formada Romênia tinha a nos oferecer. Passamos frio, fome e muito medo nas ruas por alguns meses até encontrarmos aquele que parecia ser o esconderijo perfeito na torre de uma velha igreja católica. Datada do século XVII
NOS DOIS PRIMEIROS DIAS que passei como hóspede do enigmático Dumitri, eu fui muito bem tratada por ele e seus lacaios. Embora não tivesse autorização para conhecer os demais ambientes do soturno castelo que mais parecia um intrincado labirinto de corredores sombrios, todos agiam com extrema cortesia me acompanhando do quarto ao banheiro, de lá para a sala de jantar e dali de volta para o meu quarto. Eu tinha roupas limpas à minha disposição, a água do banho estava sempre aquecida e não podia me queixar da comida que era sempre farta. Experimentei pratos que nunca antes tinha ouvido falar, de receitas vindas da Bulgária e até da Índia. Dumitri fazia questão que eu estivesse sempre bem alimentada, me encarando de perto enquanto eu comia sem nunca botar nada na própria boca. Parecia não sentir fome, porém, a sua sede era insaciável. Todos os dias tinha uma garrafa nova de vinho sobre a mesa. — Pedirei a sobremesa agora. Vamos ver o que os meus cozinheiros prepararam hoje. — Ele batia du
EU ENXERGUEI duas velas negras quase completamente derretidas no bocal de um castiçal de ferro dourado e lustrado logo que abri as pálpebras. Minhas pupilas demoraram para focar o objeto atado à uma das paredes petrificadas do castelo, mas quando o fizeram, foi como se a luz do sol tivesse retinido em meu rosto. Vozes cada vez mais nítidas e próximas enchiam-me os ouvidos trazendo-me desconforto. Uma carroça carregando esterco passava ruidosa pela via de paralelepípedos. Um cão pulguento erguia a pata traseira em direção à parede lateral de um armazém enquanto um líquido quente e asqueroso era direcionado a ela em jatos intermitentes. O cheiro! Oh, Deus! O cheiro! Voltei a sentir os meus braços logo que percebi que estava viva. Levei a minha mão em direção ao meu rosto e quase não a consegui controlar. Meti um dedo bem dentro do olho. Não senti dor alguma, e então, tentei erguer o meu tronco que pesava mais que o normal, comprimindo-me contra a cama. Uma senhora de sotaque búlgaro te
DUMITRI ME ACOMPANHOU mais algumas noites em caçada depois da primeira vez e vê-lo matando pessoas desavisadas tão discriminadamente de forma tão sádica me causou certo desconforto. Havia prazer nele em tirar uma vida humana e embora eu agora fosse dependente de sangue para sobreviver, algo dentro de mim se recusava a aceitar aquela nova rotina. Quando chegou a minha vez de caçar sozinha, escolhi que não queria tirar a vida de pessoas inocentes e fui em busca de gente que valesse a pena matar. Comecei a espreitar becos e vielas onde ladrões e estupradores costumavam fazer as suas vítimas e ali comecei a caçar de verdade me passando antes por presa. Eu circulava por aquelas bandas usando vestidos decotados de tecido claro e fino, o que facilitava a minha identificação pelos pervertidos da cidade. Eu havia sido transformada em vampira em minha melhor forma física. Era jovem, bonita, tinha curvas bem acentuadas para uma garota de dezessete anos — agora dezoito — e aquilo chamava a atençã
ERA INVERNO na Europa quando eu e Costel chegamos à Kainsk — atual Kuibysev — localizada 315 km a Oeste de Novosibirski. Situada às margens do rio Om, a cidade tinha área em torno de 110 km² e havia sido fundada como um forte militar ainda no século XVIII. Com uma população pequena, formada principalmente por camponeses e lavradores, a cidade sofreria diretamente com o que estava para acontecer no restante do país nos próximos anos no governo do czar Alexandre II. Com uma gestão humanitária voltada para o povo, Alexandre II assumiu sua função de governante um ano após a minha chegada à Rússia. A Guerra da Crimeia ainda estava movimentando o Velho Continente e o czar havia decidido manter as forças russas em combate, o que mais tarde se mostrou um erro hediondo. A Inglaterra e a França esmagaram a Rússia um ano mais tarde, o que fez com que Al
A SITUAÇÃO POLÍTICA estava mudando rapidamente na Rússia sob o reinado de Alexandre II e além da abolição da servidão promulgada pelo czar, uma nova Assembleia Constituinte instalada por grupos radicais começava a discutir ideias socialistas dentro do país. Enquanto intelectuais e estudantes viam no campesinato uma classe revolucionária contra o regime de estado atual, a aristocracia via com preocupação o fim de certos privilégios antes fortemente gozados por ela. Aqueles assuntos eram amplamente comentados durante as festas que agora eu e Costel frequentávamos como os irmãos Vassiliev, e graças às aulas de Ivan, conseguíamos discutir de igual para igual com os prolixos. Nos passávamos facilmente entre eles como os órfãos de magnatas à frente das empresas dos pais, mas foi numa daquelas noites que me deparei com algué