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Alina da Valáquia
Alina da Valáquia
Por: Rod Rodman
Capítulo 1 - Valáquia

ERAM MEADOS do século XIX nas planícies da Valáquia. Aquela tinha sido uma temporada extenuante de muito trabalho no campo. Notícias trazidas do Norte dos montes Cárpatos anunciavam rebeliões camponesas por todo território da Moldávia, o que dificultaria ainda mais o cultivo e o transporte das uvas para as vinícolas num futuro próximo. As tropas russo-turcas coibiam com rigor os protestos dos aldeões na vizinhança aumentando ainda mais seu domínio. Oprimindo gente que vivia da terra. Gente como a minha família.

Eu tinha sido batizada como Alina Grigorescu e era a filha única de Grigore e Ruxandra, um casal de camponeses valaquianos que morava há quase vinte anos naquela fazenda de poucos hectares. Eles viviam do que plantavam até mesmo antes do meu nascimento, sem qualquer medo do trabalho duro e sempre se gabando da sua saúde invejável. O que viria a acontecer posteriormente, todavia, provava o quanto o destino era dado a caprichosas ironias.

Naquele verão, a minha mãe caiu de cama vítima de varíola e nunca mais se levantou de lá. A praga assolava a Europa infectando países quase inteiros segundo diziam os viajantes vindos do Norte, e era muito provável que um daqueles al naibii tivesse trazido a doença para próximo do rio Danúbio, ao Sul de Cárpatos, onde ficava a fazenda onde eu morava. Nós enterramos mama na manhã seguinte, e naquele dia, o meu pai foi obrigado a trabalhar sozinho nos campos de uva. Chorei em meu quarto a tarde toda pela morte da minha mãe. Quando a noite caiu, tínhamos visitas em casa e elas não iriam embora tão cedo.

Grigore tinha mantido um relacionamento extraconjugal com uma mulher chamada Constanta por mais de dezoito anos e dessa relação tinha nascido um filho, o meu meio-irmão Costel. Quando Grigore os apresentou a mim em pleno luto, dizendo que a partir de agora eles iriam morar conosco na casa onde a minha mãe viveu e morreu, eu fugi dali desesperada. Não parei por nada. Corri até que caísse estafada. Fui encontrada coberta de lama e trêmula de frio dois dias depois por Grigore e Costel. Eles me carregaram de volta para a fazenda à força, mas eu ainda estava inconformada.

Três anos mais tarde, a Guerra da Criméia eclodia na Europa com tropas russas e austríacas começando a invadir a Valáquia. Rumores diziam que as regiões ao Sul dos Cárpatos e a Moldávia formariam uma nova nação denominada Romênia e era só o que se discutia nas tabernas da cidade. Eu estava com dezessete anos à época. Entendia pouco de política, mas era eficiente no cultivo da uva e na fabricação de vinho. Grigore agora era sócio de uma das vinícolas que abastecia as regiões vizinhas — de Ploiesti, passando por Craiova e chegando a Dundrea —, eu participava da fermentação, Constanta do engarrafamento, Costel cuidava das videiras.

Com o tempo, eu fui obrigada a tolerar a presença do meu meio-irmão e da sua mãe em casa, e às vezes, eu quase já conseguia achar engraçadas suas tentativas vãs de me fazer gostar dele. Todas as manhãs, ele colhia rosas frescas do campo e as deixava à minha porta. Para me assustar, contava-me as histórias sobre vircolacs e strigois que ouvira na infância em Brasov e fazia de tudo para me ver sorrir, embora eu tivesse poucas razões para demonstrações de afeto. Ele era quatro anos mais velho que eu, tinha sido o primeiro filho do meu pai, e por mais que eu o quisesse continuar odiando — como símbolo de minha consternação pela traição do meu pai à minha mãe —, algo naquele carinho que Costel tinha por mim estava me fazendo enxergá-lo por outra perspectiva.

Estávamos na primavera daquele ano. Eu e Costel tínhamos concluído a nossa colheita semanal e descansávamos num dos depósitos da fazenda perto do feno para os cavalos. Havia dezenas de caixas de madeira carregadas de uva empilhadas contra a parede e outra boa parte ainda carecia de armazenamento adequado.

— Creio que ficará para amanhã — falei, indo me sentar em seguida.

Ele enxugava o suor do rosto com o dorso de uma das mãos quando decidiu sentar-se mais perto de mim do que jamais estivera. A fenda das suas vestes me permitia ver o peito nu e ossudo. Seu rosto estava mal barbeado e os cabelos negros se encontravam sujos de fuligem da velha caldeira. Costel era alto e esguio, tinha uma pele tão clara quanto a minha e qualquer esforço que fazia lhe acentuava as veias grossas dos braços. Raramente eu o observava daquela forma, todavia, ele estava próximo o suficiente para que eu sentisse até o cheiro do seu suor.

— Por que me odeia tanto, Alina? — soou a sua voz, rouca aos meus ouvidos, estimulante ao resto todo.

— Eu não o odeio.

Seus olhos azuis pareceram analisar as minhas expressões por um momento.

— Então por que faz essa cara sempre que estou por perto?

— Qual cara?

— A que está fazendo agora, miere. Cara de quem quer me devorar vivo.

A vida na Valáquia era de muito trabalho e nenhuma diversão. Antes de Costel, eu nunca tinha conhecido nenhum rapaz com idade próxima a minha, o que me fazia conviver quase sempre com homens velhos, ébrios ou rudes. Estava aprendendo a ver e ser vista com desejo pela primeira vez, o que me deixava insegura perto dele. Preferia manter distância… até aquele momento.

— Não quero devorá-lo…

Estávamos sozinhos no galpão e então decidi não rechaçar o atrevimento de sua aproximação. Sua mão grande de dedos compridos afagou os meus cabelos arrastando-os para trás da minha orelha. Meu ombro ficava levemente exposto pela alça do vestido. Costel notou que eu tinha ficado arrepiada com o seu toque.

— Tem certeza?

Após desviar seu olhar por um segundo, o bastardo esquadrinhou a região da minha cintura dando atenção ao meu quadril. Após passar a língua obscenamente entre os lábios grossos, ele começou a aproximar o seu rosto do meu, segurando agora a parte lateral do meu pescoço. Estava trêmula, mas outra vez não o impedi.

— Tenho certeza.

Nossos lábios se tocaram pela primeira vez e o resultado daquele contato tão íntimo entre nós dois causou-me labaredas por todo o corpo, o que me incitou a deixar acontecer o que veio depois. Levando em consideração a minha total inabilidade, Costel cuidou para que eu me sentisse segura em seus braços e teve que agir diferente da forma como fazia com as meretrizes que tanto ele quanto Grigore tomavam nas noites pós-temporada de colheita, nos bordéis de Dundrea. Naquela tarde, um novo horizonte se descortinou para mim. Ele me penetrou pela primeira vez ali, e escondidos no depósito, repetimos aquele ato proibido muitas outras vezes até o final da primavera. Jamais tinha experimentado uma sensação tão prazerosa.

Agora que já o aceitava melhor como um membro da família, eu passei a gostar cada vez mais da presença de Costel, tanto que me vi sentindo sua falta à noite quando todos se recolhiam para dormir. Eu sabia que, devido aos nossos laços sanguíneos, aquilo que fazíamos com cada vez mais frequência pelas sombras da fazenda não podia ser considerado correto, embora não me impedisse de ansiar por mais. Ouvia histórias tenebrosas sobre criaturas geradas de relações incestuosas — de monstros deformados que atacavam pessoas à noite — e aquilo me dava pesadelos quando me deitava para dormir, o que me fazia querer ficar acordada com Costel entre as minhas pernas.

Foi uma sucessão de equívocos que nos levou a cair em desgraça, e na metade do verão da Romênia, nós dois fomos tentados a nos relacionar em plena luz do dia, confiando em nossos instintos que nunca antes tinham falhado em detectar a presença de curiosos nos arredores. Estávamos dentro do estábulo enquanto os cavalos que montávamos na colheita se alimentavam do feno, amarrados do lado de fora.

— Isso. Erga um pouco mais o seu quadril.

Eu estava apoiada em uma das grades de madeira da cavalariça; ele segurando a minha saia amontoada na altura da minha cintura e me penetrando vigoroso por trás da forma como ele mais gostava de fazer.

— Oh, Costel!

Fazíamos sons de cópula. Eram audíveis e perniciosos. Eu estava de olhos fechados sentindo o seu falo grande entrando e saindo entre as minhas pernas. Ele curvado às minhas costas segurando a saia com uma das mãos e os meus cabelos com a outra. Dizia-me obscenidades ao pé do ouvido enquanto me tomava com força, ora me espremendo contra as tábuas do estábulo, ora me comprimindo contra o seu corpo suado puxando-me com firmeza.  

— Oh, meu Deus!

Andreea era uma das camponesas que moravam na vizinhança. A segunda de quatro irmãs e filha do casal Balan. Passeava por nossa fazenda com grande frequência por trabalhar nas videiras, e às vezes, me ajudava com as minhas tarefas na vinícola. Nos conhecíamos desde a infância. Dividíamos as bonecas de pano que a minha mãe costurava para nós duas. Brincávamos de pega-pega e dançávamos alunelul até cansar junto das suas irmãs. Jamais imaginei que ela teria uma atitude tão intempestiva ao me flagrar com o meu meio-irmão — por mais que aquilo lhe fosse chocante — em situação tão delicada, mas aquilo me ensinou uma lição para todo o resto da minha vida — e da minha morte —; as pessoas eram imprevisíveis.

Liderada pelos pais de Andreea, ambos cristãos fervorosos e defensores dos bons costumes, uma turba enraivecida surgiu diante da casa do meu pai naquela mesma noite exigindo com tochas e pedras em punho que Grigore lhes entregasse os dois pecadores que ele abrigava.

— Entregue os incestuosos! — exigiu de um só fôlego a senhora Balan.

— Deixe-nos mostrar a fúria de Deus a esses pecadores! — bradou uma das nossas outras vizinhas, a que tinha uma ótima mão para fazer papanasi.

— Que a chama divina queime seus pecados!

Todos eles estavam enlouquecidos. Quando espiei pela janela, as suas vozes e fisionomias lá embaixo estavam transfiguradas pela encarnação do ódio. Eram quase duas dezenas, todos vizinhos amorosos e, até então, amigos da minha família. Transformados pela sede de justiça… modificados pelo ódio aos pecados alheios.

— Não temos chances. Precisamos fugir!

Naquele instante, eu percebi que não havia mais o que fazer se quiséssemos salvar a fazenda da fúria cristã dos pais de Andreea, e sem conseguir conter as lágrimas que nasciam desenfreadas dos meus olhos, eu segurei firme a mão de Costel e corri com ele para longe daquele lugar.

Păcătoși! Peguem os dois păcătoși!

Enquanto o meu pai procurava argumentar inutilmente com a multidão enraivecida diante da sua casa, o líder deles nos viu fugir pelos fundos e nos perseguiu, arremessando pedras contra nós dois até bem próximo da fronteira com Ploiesti, a muitos quilômetros de distância da fazenda. O véu da noite e as ruas escuras da cidade vizinha ajudaram a nos ocultar, o que permitiu que escapássemos das pedras e do fogo daqueles que tinham passado a nos odiar por nossa relação mais que fraternal.

— Acho que os despistamos.

Quando paramos na primeira esquina, estávamos exaustos e incapacitados de dizer mais uma só palavra. Tudo que tinha nos restado eram as roupas que trazíamos no corpo e a dura certeza de que jamais poderíamos retornar para a nossa casa. Tínhamos desonrado a família Grigorescu para sempre e agora só tínhamos um ao outro. 

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