DUMITRI ME ACOMPANHOU mais algumas noites em caçada depois da primeira vez e vê-lo matando pessoas desavisadas tão discriminadamente de forma tão sádica me causou certo desconforto. Havia prazer nele em tirar uma vida humana e embora eu agora fosse dependente de sangue para sobreviver, algo dentro de mim se recusava a aceitar aquela nova rotina. Quando chegou a minha vez de caçar sozinha, escolhi que não queria tirar a vida de pessoas inocentes e fui em busca de gente que valesse a pena matar. Comecei a espreitar becos e vielas onde ladrões e estupradores costumavam fazer as suas vítimas e ali comecei a caçar de verdade me passando antes por presa. Eu circulava por aquelas bandas usando vestidos decotados de tecido claro e fino, o que facilitava a minha identificação pelos pervertidos da cidade. Eu havia sido transformada em vampira em minha melhor forma física. Era jovem, bonita, tinha curvas bem acentuadas para uma garota de dezessete anos — agora dezoito — e aquilo chamava a atençã
ERA INVERNO na Europa quando eu e Costel chegamos à Kainsk — atual Kuibysev — localizada 315 km a Oeste de Novosibirski. Situada às margens do rio Om, a cidade tinha área em torno de 110 km² e havia sido fundada como um forte militar ainda no século XVIII. Com uma população pequena, formada principalmente por camponeses e lavradores, a cidade sofreria diretamente com o que estava para acontecer no restante do país nos próximos anos no governo do czar Alexandre II. Com uma gestão humanitária voltada para o povo, Alexandre II assumiu sua função de governante um ano após a minha chegada à Rússia. A Guerra da Crimeia ainda estava movimentando o Velho Continente e o czar havia decidido manter as forças russas em combate, o que mais tarde se mostrou um erro hediondo. A Inglaterra e a França esmagaram a Rússia um ano mais tarde, o que fez com que Al
A SITUAÇÃO POLÍTICA estava mudando rapidamente na Rússia sob o reinado de Alexandre II e além da abolição da servidão promulgada pelo czar, uma nova Assembleia Constituinte instalada por grupos radicais começava a discutir ideias socialistas dentro do país. Enquanto intelectuais e estudantes viam no campesinato uma classe revolucionária contra o regime de estado atual, a aristocracia via com preocupação o fim de certos privilégios antes fortemente gozados por ela. Aqueles assuntos eram amplamente comentados durante as festas que agora eu e Costel frequentávamos como os irmãos Vassiliev, e graças às aulas de Ivan, conseguíamos discutir de igual para igual com os prolixos. Nos passávamos facilmente entre eles como os órfãos de magnatas à frente das empresas dos pais, mas foi numa daquelas noites que me deparei com algué
UMA SEMANA HAVIA SE PASSADO desde que Adon tinha enfrentado Costel tentando fazê-lo entender que ele precisava ser cauteloso sobre nosso passado na Romênia, e naqueles dias, eu tomei a decisão que considerei a mais acertada.— Me leve até a mulher que pode me curar de minha maldição.Adon tinha se recuperado bem dos ferimentos quase mortais e esperamos a noite para tomarmos uma embarcação que iria nos levar desta vez para a Espanha, país onde morava Iolanda Columbus, uma bruxa capaz de me curar. Devido minhas condições, eu era obrigada a me esconder nos porões do barco sempre que o sol raiava do lado de fora e os ratos eram tudo que eu tinha para me banquetear por dias inteiros lá embaixo. Tinha aprendido logo em minhas primeiras semanas como vampira que a radiação solar era extremamente nociva em contato com minha pele e que eu não podia perambular por a
ERA DIFÍCIL SABER com precisão, mas segundo o que Alejandro relatou algum tempo depois, a viagem a bordo daquele barco, entre os Açores e a América do Sul, levou algo em torno de dois meses. Talvez mais, mas com certeza não menos. Parei de contar os dias por volta da terceira semana enfurnada em outro porão sujo e malcheiroso, onde os marujos jogavam todo tipo de resto de alimento consumido lá em cima, bebidas e às vezes até cadáveres que seriam jogados ao mar posteriormente. Alejandro tinha feito um acordo com o capitão do barco impedindo que outras pessoas além dele descessem ao porão por minha causa, e assim, eu tinha sempre a oportunidade de vê-lo, já que ele era o responsável por trazer e levar as cargas guardadas ali. Usando bastante de sua lábia, ele tinha convencido seu colega comandante que eu era uma pessoa muito doente que necessitava de cuidados especiais
TRUJILLO ERA UMA CIDADE muito aprazível com área total de 1100 km² conhecida como a “Capital da Cultura do Peru”, e apesar de estrangeiros — com o agravante de um de nós ter ascendência espanhola — fomos muito bem recebidos por seu povo. Minha temporada na calorenta Espanha não tinha sido longa o bastante para que eu já estivesse acostumada ao calor dos trópicos que fazia na América do Sul, e demorei a me adaptar ao clima insuportavelmente árido que fazia no litoral dali. Nos instalamos em um casebre rústico à beira-mar que Alejandro conseguira alugar vendendo um cordão de ouro que trazia desde a Europa no pescoço — e escondido muito bem dos apostadores no barco — e com o que sobrara do dinheiro, ele conseguiu abastecer o lugar com mantimentos que durariam cerca de um mês. Para que eu não tivesse que viver de peixe mais uma vez, comecei a ca
COMEÇOU COM UM zumbido. Depois pareciam sussurros ouvidos através de uma parede. Então era o tamborilar de dois corações. Um jovem e vigoroso, o outro errático e irregular. O ruído de martelo e cinzel sobre pedra sólida ecoava no que parecia ser uma câmara oca. Havia outros sussurros mais distantes, indefiníveis. Podiam ser dez ou vinte. O som de máquinas mecânicas fazia estremecer as paredes externas. Os sussurros agora eram vozes. Firmes, nítidas. Eram dois. Falavam num idioma estrangeiro anasalado. Me parecia inglês.— Ei, Peter! Traga aqui a lanterna. Acho que tem algo dentro dessa câmara.Estavam perto o suficiente agora para que eu sentisse o odor de suor em suas peles. O velho cheirava a colônia vagabunda de alfazema. O mais jovem tinha cheiro de leite estragado dentro das calças e suas mãos tremiam segurando um instrumento pontiagudo de
MACHU-PICCHU TINHA sido descoberta em 1911, em meio a uma floresta que ocultava aquilo que parecia ser os restos de uma civilização que não existia mais há muito tempo. O Império Inca sempre despertou interesse da humanidade devido sua disciplina incrivelmente aguçada para com a agricultura e arquitetura, mas além disso, havia muito a ser descoberto sobre o lado místico dos antigos habitantes da região onde agora ficava o Peru. Quando a encontrei, guiada até ela por uma espécie de magia pululante que emitira propositalmente na calada da noite, a velha bruxa estava sentada diante de uma fogueira, de olhos fechados, em meio a uma clareira na floresta, em meditação. Parecia mais idosa do que sua real idade provava. Tinha a pele escura, traços indígenas e fartos cabelos pretos já perdidos entre os muitos fios grisalhos que desciam do alto de sua cabeça. Vestia um tipo d