Revelações Em Soluthur

Soluthurn 1990

Chloé

Cheguei em casa me sentindo mais leve. Tomei um banho e fui preparar algo para comer. Tinha que contratar alguém urgente para cozinhar.

Tive uma vontade louca de tomar um Gim com tônica, estava sozinha...animada, mas... lembrei-me que não tinha comprado, e não seria bom beber álcool no meu estado, ao menos por enquanto. Por mais que me esforçasse, ainda achava que eu estava mesmo era esgotada pelos anos de trabalho.

Preparei um sanduíche, suco de morango. Fui para a sala de estar ver um filme no vídeo cassete. Sentei-me para ver a fita, mas o ambiente me reportava a uma sensação boa, indescritível ao notar a decoração:

era bastante confortável, bem planejado com as paredes pintadas na cor grafite, contrastando com o tons mostarda de alguns objetos; o sofá em couro, super confortável. Um recamiê original dos anos 30. Uma grande tela de natureza morta na parede atrás do sofá e um coffe-bar, belíssimo. O chão tinha um bonito tapete persa bastante original dando a impressão que já tinha visto aquela peça em algum lugar.

Peguei no sono muito rápido, sequer vi a primeira parte do filme, “Uma linda Mulher “. Ele havia estreado em Julho, fazia mais de oito meses, mas eu não pude ir ao cinema por causa do trabalho. Ainda bem que pude locar a fita aqui próximo.

O sistema de aquecimento estava ligado, mas despertei com os pés quase congelando, as mãos também. Parecia que estava dentro de uma câmara frigorífica. Olhei ao redor e tudo estava normal. Mas lembrei-me de imediato do sonho que acabara de ter: Era como se tivesse acontecido de fato; e não só um sonho: Eu me via deitada no recamiê. Mas, ao mesmo tempo via outra imagem minha semelhante que observava tudo á parte. Os cabelos eram louros, lisos com grandes cachos nas pontas . Vestia uma camisola de mangas compridas toda em renda. O semblante estava sereno. Um olhar meio que sorrindo para alguém que estava sentado em frente.

Não sei ao certo mas juro que pude sentir a colônia de barbear daquele homem invadir minhas narinas; a mesma que senti outro dia na cozinha. Ele bem trajado, usava uma camisa e um colete azul marinho . Eu sorria timidamente baixando os olhos vez em quando, ruborizava ao ouvir sua voz suave; pude escutar nitidamente quando ele falou:

“Tu sei il mio sole Isabelle. Senza la tua luce, sono solo oscurità. Ti voglio bene.”

Você é o meu sol Isabelle. Sem sua luz, sou apenas escuridão. Eu te amo

Ela respondeu: “Ti amo di più. Molto più! “ Eu te amo mais. Muito mais!

Parecia que eu estava assistindo a um filme romântico. Ele se aproximou ajoelhando-se em frente dela, pude ver no olhar daquela mulher o brilho do sol tomando a sala inteira. Havia amor entre eles, e não era pouco.

Ele acariciou suavemente seu rosto afastando um cacho de cabelo delicadamente :

—Já lhe disse o quanto es bela ?

Ele se aproxima beijando sua boca.

Nossa, Eu pude sentir aquele beijo. Sua barba por fazer, seu bigode perfumado. Ah...Eu me embriaguei.

Então... despertei. O frio me fez levantar rapidamente. Desliguei o aparelho de vídeo e TV e saí correndo pra cozinha. Fiz um chá para relaxar a tensão que o sonho havia deixado em mim. Segurei a xícara com as duas mãos ainda trêmula. Fui para o quarto me enfiar debaixo dos cobertores. Apaguei de novo. Desta vez, sem sonho algum.

Escutei a campanha tocar insistentemente. Não sei como não caí das escadas ao descer . Passava das onze, e eu dormindo. Não era meu costume dormir tanto! Ajeitei os cabelos, e abri a porta. Era o Sr. Frederick com uma jovem ao seu lado. Mandei-os entrar.

—Me perdoe se ainda os recebo de pijama. Não dormi bem essa noite por isso acordei agora.

—A Srta. Não se preocupe. Está aqui para descansar. Essa é Amélie Rose, sua cozinheira.

—Mas que boa notícia logo pela manhã! Já não suporto mais comer sanduíche no jantar. Durante o dia ainda me arrisco saí por aí .

—Pois então, ela virá preparar suas refeições. Vou deixá-las à vontade para conversar. A Emma, me espera no carro.

—Obrigada Sr. Frederick, e dê lembranças a Emma.

—Até logo!

Eu e a Amélie decidimos que ela não só cozinharia, mas faria uma limpeza semanal na mansão. Pedi que trouxesse mais alguém com ela para auxiliar.

Quando ela se foi...eu tomei um banho. Coloquei uma meia calça encorpada preta com um sobretudo cinza na altura do joelho. Pus um cachecol envolvendo o pescoço estava frio. Deixei os cabelos negros deslizarem sobre os ombros. Eu usava uma franja lateral dando um ar jovial. Meus olhos azuis eram notados pelos cílios encharcados de rímel.

Saí para dar um passeio. Queria informações o suficiente para iniciar minha história. Peguei um táxi para que me levasse ao Museo de bela Artes o Künstmuseum, fundado em 1902. Lá estão guardados os maiores acervos de pinturas: Vincent van Gogh, Gustav Klimt, René Matisse e Paul Cézanne. A estrutura do Museu era muito bonita.

Eu sempre fui amante das artes; principalmente os pintores. Entre eles Claude Monet. Suas obras impressionistas me faziam crer que estivera sempre dentro de um sonho, no qual não desejaria mais sair. Mas Monet, não estava exposto nesse museu.

Terminei meu passeio sentada em um café muito agradável em Schaalgasse ,o “ LeSisters by Yougurtlandia.” Pedi um café com creme e uma porção de Frühstück . Um atendimento primoroso!

Fiquei alí por um bom tempo observando as pessoas e pensando o que estaria fazendo sozinha em uma cidade estranha?!

Saí do café caminhando naquele entardecer nostálgico. Pela primeira vez, senti falta de ter alguém comigo. Os casais pareciam felizes, rindo enquanto passeavam. Logo caia na real. Eu não era uma mulher fácil de se domar; tendo uma personalidade forte e instinto de sobrevivência.

Parei numa praça, haviam senhores de meia idade jogando xadrez. Eu me aproximei e sentei para ouvir o que falavam. Parecia que a conversa tinha discordâncias.

Um deles falou em alemão

—Was wissen Sie über diese Geschichten? Du wurdest nicht einmal hier geboren!

—O que você sabe dessa história? Você nem nasceu aqui!

Um outro Sr. Muito mais agitado respondia levantando os dois braços...

Ich weiß mehr als du. Meine Großeltern sind hier geboren

—Eu sei mais que você. Meus avós nasceram aqui.

Aquela conversa me interessou, não pelo tema da discussão e sim pela maneira extravagante que os dois conversavam enquanto os demais presentes olhavam sem esboçar nenhuma reação.

Então um deles tomou a conversa... Nessas alturas já falavam em Italiano, Romanche e se duvidar...em Hebraico, rsrs.

—Escute bem seu velho metido! Ninguém melhor do que eu sei sobre a catedral e aquele relógio na praça central.

—Sabia que foram trazidos para pavimentar a Catedral São Ursos, 11 tipos de mármores? Aposto que esse detalhe você não desconhecia?!

O outro parecia está numa competição se preparando para uma revanche...

—A Catedral de São Ursos, senhor sabe tudo é bastante conhecida; não precisa ser um catedrático para saber que nela há 11 pés direitos com 11m de altura, 2 fontes belíssimas tendo as imagens de Moisés e Gideão com 11 torneiras. Sem contar os 11 altares...

—Ahah! Sua rena velhaca, pelo visto andou estudando. Mas, e as 11 portas que você não mencionou? Muito menos lembrou que foi construída em 11 anos. Aquelas três escadarias que vemos, contém 11 degraus cada.

—Ok, sua biblioteca ambulante. Até aí tudo bem, mas qual o motivo de tanto número 11 ? Agora me explica, já que sabe tudo!

—Sou mesmo um compêndio de fatos:  O que meus pais me contaram quando menino ainda foi que no século XV, nossa cidade virou o décimo primeiro cantão (estado) a integrar a confederação Suíça. E um século depois foi repartido em 11 protetorados. Eu nunca tinha visto  tantos onze assim!! Ah, me esqueci de citar que um século antes em 1152, foram escolhidos 11 membros do conselho. Isso é fantástico !!

O outro velhote muito simpático calou-se dando a conversa por vencida.

Eu estava anotando tudo sentada num banco de costas pra eles, fiquei perplexa com o histórico desse lugar. E olha, que ainda tinham muitos 11 para eu desvendar.

Quando percebi que os dois senhores já haviam mudado de assunto, levantei-me e continuei minha caminhada pelas ruas que guardavam encantos e segredos que ainda iria descobrir.

A noite em Soleura parecia não ter fim. Mas a minha fome dava sinal de vida. Estava cansada de comer bobagens desde que cheguei. Busquei um restaurante tranquilo que fosse ao meu gosto. Encontrei uma cozinha Italiana. Pedi o menu. Estava com sede mas não queria nada com álcool, decidi por uma tônica e um Espaguete Vongolle com ervas finas, frutos do mar. Eu estava com muita fome mesmo. Pedi um pedaço de torta de damasco pra viagem. Eu não pensava em dormi tão cedo. Queria mesmo está abastecida.

Saí do restaurante e peguei um táxi e logo estava na Mansão. O motorista me indagou se haviam muitos moradores naquela residência. Eu lhe disse que sim; alguns fantasmas e eu. Ele riu discretamente e pediu desculpas pela intromissão, mas é que nunca havia trazido ninguém alí desde que passou a guiar táxi. Eu fiquei sem resposta. O que eu diria? Que alí não morava ninguém porque não podia ser vendido; e só uma louca feito eu, tive coragem de alugar? Nem pensar!

Chegando em casa, fui logo tomar uma ducha; botei meu roupão e fui fazer um bom café pra saborear com pedaço da torta que havia trazido.

Segui para a biblioteca vasculhar algo para ler. Certamente não me faltaria opções.

—Deixa-me ver ver aqui os clássicos... Não. Melhor ler tragédias gregas.

Hum,aqui está! Vou ler algo sobre os imperadores romanos, eles me atraem muito! Sentei-me confortavelmente numa poltrona e alí permaneci por meia hora. Mas lembrei que não havia posto alimento para Germain e Lara . Saí da biblioteca e notei uma acentuada queda de luz no grande corredor que ligava o andar superior aos quartos. Mas devia ser algo externo, estava começando a esfriar e logo viria a chuva.

Chamei meus gatos mas eles estavam parados na porta da cozinha olhando por cima do meu ombro. Coloquei a comida deles nos pratos . Água limpa e fui para o meu quarto. Hoje não estaria disposta aguentar nenhum Gasparzinho .

Ajeitei-me embaixo dos cobertores observando o nada. Estava sem sono. Mas o que eu faria naquela situação? A qualquer momento poderia escutar algo indesejado. Me mantive alí olhando para o vazio sem questionar nada.

Fui vencida pelo cansaço, adormeci.

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