O que para você é um mundo novo? Um novo mundo é composto de coisas inimagináveis aos seus olhos, costumes estranhos para sua natureza. Para mim o novo mundo abriu-se quando saímos da área da marinha e começamos a perambular pela Praça XV. Tínhamos chegado à costa brasileira à noite, adentramos pela Baía de Guanabara e aportamos na área militar.
Entramos na Baía em silêncio, um navio percebendo a estranha embarcação brilhante adentrando em águas brasileiras, veio para perto de nós. Fomos obrigados a parar e subir para o navio. O comandante pareceu ficar um pouco aturdido quando nos olhou e levou-nos diretamente para a base militar.
_ Não é para tocar! _ alertava minha tia-avó toda vez que eu me aproximava de algo. Eu queria ver, apalpar, cheirar cada coisa daquela sala. Rudá enroscado no meu pescoço participava da mesma curiosidade. _ Não é para se aproximar daí, também! _ Ela berrava toda vez que eu me aproximava de um objeto que, pelo jeito, parecia ser raro ou muito caro.
Os outros pareciam calmos, foram criados ali. Já eu, queria ver o que tinha lá fora, por uma das janelas dava para se ver um grande monstro de metal que submergiu, um outro maior ainda flutuava na água como nosso barco porém, sem a ajuda das Areias Brilhantes. De uma outra janela, dava-se para ver casas compridas e cada quadradinho aceso.
_ Preparamos o quarto para vocês. _ um marinheiro entrou no recinto._ As mulheres dormiram no dormitório feminino com as novatas, e o senhor conosco. O General verá você amanhã pela manhã.
Meu pai assentiu com a cabeça e olhou ligeiramente para minha tia. Com certeza não estava tão calmo. Da última vez que fiquei com ela, me “sequestrou” por dois anos. Mas ali estava tudo bem, não ficaríamos sozinhas, havia outras pessoas ao nosso redor e por sorte, eu e minhas primas ficamos em um quarto e ela em outro. Para ser mais confortável para todos, ficamos com as mais novas e ela com as mais velhas.
Era tarde da noite, todas já dormiam. A primeira vez que encontrei com outras pessoas sem ser a minha família mas, não consegui fazer nenhum contato. Não conseguia dormir naquela cama estranha que rangia a cada movimento que fazia. Saí para respirar, me sentia sufocada e confusa com tudo aquilo. Era uma mudança drástica demais.
Não havia estrelas naquele novo mundo. As luzes da Terra eram tão fortes que as apagava. Vagando pelo quartel vi uma sala iluminada, pela janela transparente dava para ver quem estava lá dentro: Meu pai e um soldado.
Hesitei em ir até lá. Da última vez que tinha espionado meu pai, não vi uma coisa tão legal. Respirei fundo e segui até a janela, me escondi perto dela e com discrição fui abrindo mais e mais a fresta que já estava ali para ouvir melhor a conversa.
_Ela também é?_ perguntou o soldado. Um ser rechonchudo e baixo que mantinha o quepe nas mãos ao invés da cabeça. Sua farda foi condecorada por várias medalhas de honra e seu ar era bem sério.
_Ela quem? É o quê? _ meu pai respondeu de um jeito desentendido como se não tivesse realmente entendido a pergunta do marinheiro.
_A sua filha, ela também é uma Excepcional? _ aquela palavra, foi a primeira vez que ouvi. O diálogo continuou como um confronto de espadas. Um querendo atacar o outro primeiro.
_Por que ela seria um?
_Por você é e a mãe dela também. Sabe que ela não poderá ficar andando livremente por aí. Terá que ir para algum Instituto de Excepcionais.
_A filha é minha. Se ela vai ou não para alguma escola especializada em Excepcionais, quem decide isso sou eu. E você não pode tirar essa conclusão só porque os pais dela são, não quer dizer que ela seja também.
_ Sabe que é muito raro isso acontecer. Francisco, ela é mais especial ainda. Nunca conviveu em sociedade e se tiver habilidades será pior para ela. Melhor que fique em algum Instituto para Excepcionais.
_ Sabe que esses Institutos são prisões disfarçadas de escolas, Otto. Como você disse, Aiyra sempre viveu em um ambiente livre, se colocá-la em algum lugar assim ela pode não se adaptar, e sofrer por conta disso.
_Uma coisa que fiquei curioso em saber foi como podem ter ido apenas vocês dois, e voltar com a tia e as primas da sua esposa e com uma filha. Pensei que fosse lá a trabalho e não por… 14 anos de férias.
_Júlia não sabia que estava grávida, descobrimos mais tarde. Jezabel chegou com as gêmeas de surpresa, não sabíamos que ela nos seguiria. Também não sabia que demoraria tanto assim, nossa estimativa era de, pelo menos, dois anos acabou sendo catorze.
_E Júlia? O que aconteceu com ela?
_Teve complicações no parto, perdeu muito sangue, nem mesmo eu consegui salvá-la...
Uma compaixão tomou conta do marinheiro gordinho. Ele colocou a mão no ombro do meu pai. Vi até ali, saí correndo porém, virando do lado janela e entrando na sala depois do momento de empatia, o soldado olhou para o meu resolveu falar do meu futuro.
_Chico, preste atenção. A marinha, fez um Colégio Naval apropriado aos Excepcionais. Posso te colocar como professor dos Naturalistas e uma vaga para Aiyra como aluna… Eu sei que você quer protegê-la mas, pense bem: Colocá-la nesse internato é muito mais seguro, tente imaginar ela sozinha com Jezabel.
Eu já estava longe para saber como foi a reação de meu pai, no entanto, foi aquela conversa que mudou nossa vida completamente.
Era um prédio enorme com corredores infinitos. Nos dormitórios cada porta continha um universo. A Diretora do internato ia na minha frente me mostrando o caminho, o único barulho que existia eram dos seus saltos e da minha mala de rodinhas. Tudo parecia muito escuro mesmo com a claridade do sol entrando pelas grandes vidraças dos corredores.Rudá não estava mais comigo, a escola não permitia animais de estimação. Não aceitei bem isso, Rudá era o meu melhor e único amigo.O barulho do salto parou em uma porta de número 36, ela se virou e me olhou com um olhar severo como se eu já tivesse quebrado as regras da instituição sem antes conhecê-las. A diretora vestia uma farda da marinha, um conjunto de uma blusa de manga e uma saia reta todas elas bra
A mansão ficava em um condomínio de luxo. Era a casa onde minha mãe passara a infância, onde ela e meu pai levavam desde os mais pobres aos mais ricos brincarem juntos no mesmo quintal. Onde também minha tia-avó criou as sobrinhas e que eles deixaram para trás. A casa era fruto do trabalho pioneiro na área de medicina do meu avô com os Excepcionais. Não imaginava que a filha dele também seria uma assim. A única herdeira era a minha mãe. Jezabel, sabia que não iria ter direito a fortuna mesmo se considerasse a sobrinha morta. Foi para a ilha deserta vigiá-los.Quem cuidava desses bens era um advogado da família. Uma pessoa de confiança é comprovadamente incorruptível. A minha mãe o deixou no cargo de cuidar de todos os bens m
Demorou pouco tempo para eu descobrir que aquela caixinha brilhante que comandava a vida das pessoas chamava-se celular. Antes era feito apenas para ligar quando não estava fora de casa, depois, começou a mandar mensagem, tocar música, reproduzir vídeos… Acabou dominando a vida de todos.Mas aquilo não era a única coisa. Outras caixas brilhantes também dominavam aquela civilização. No internato, era tão importante que havia uma sala apenas para ela. As pessoas pareciam venerá-la como um “deus”, ela ficava lá no alto enquanto que nós sentados, logo abaixo, ficávamos vidrados olhando para as imagens que ela produzia como um altar a ser venerado._Para onde foram? _ perguntei a um aluno apontando para ela. Ele tinha olhos rasgados com a íris negra, formando uma bola perfeita. Seu cabelo era vermelho, uma das poucas marcas de rebeldia que ainda existiam no seu corpo. Mandaram tirar seus piercings porém ele insistia em ficar com um na orelha além do brinco e a cor vermelha no cabelo.Eu tinha inveja dele. Ele ficava o dia inteiro correndo enquanto eu ficava o dia inteiro respondendo a perguntas estúpidas e testes estranhos. Nos encontrávamos na hora do intervalo, ele comprava as coisas para mim já que, eu não tinha dinheiro nenhum.Ele me achava estranha mas, era o único que falava comigo na escola além das minhas companheiras de quarto, sabia do meu passado mas, não parecia estar curioso como os outros. Comíamos em silêncio muitas das vezes, porém, era confortável. Foi OLHOS RASGADOS
Fazia um mês que eu estava lá. Pelo menos eu achava que sim, não tinha certeza. Eu não sabia o que meu pai estava fazendo, eu queria encontrar o Haru mas, as meninas me monitoravam dia e noite.Elas assumiram a responsabilidade de me ensinar a como se comportar corretamente. Não se podia entrar em qualquer banheiro. Tinha o das meninas e dos meninos, não era para ficar horas se encarando no espelho de nenhum banheiro. O colégio inteiro tinha grupo de amigos e amigas, eles chamavam de “panelinhas”, algumas até se misturavam, já outras, não podiam se encontrar.Não podia sair através dos muros do internato, não podia usar outros ambientes quando ainda estava na Turma de Introdução.Era preciso fazer todo
_Eu posso fazer de novo? _eu perguntei para o entediado Haru na minha frente_Vá em frente…Eu tinha achado um novo brinquedo naquele novo mundo. Consistia em uma caixa de papel duro que vinha com algo comprido e encurvado grudado nele. O Haru disse que o nome daquilo era canudo, e dentro da caixinha havia algo chamado de achocolatado.Na verdade, a diversão era espetar o tal canudo na caixinha. Eu fiquei empolgada, ele teve que comprar uns dez para mim. Isso aconteceu em uma lanchonete em que paramos depois de percorrer a cidade.Desde da minha chegada, eu passava de lugares fechados para lugares fechados. Quando enfim escapamos, Haru me levou até a Praça XV. As casas compridas que eu vira na minha chegada eram maiores que eu pensava.
Enquanto estava no internato, meu pai, minha tia-avó e minhas primas viviam juntos. Ela não iria largá-lo agora, minha tia não quis se dar por vencida. No entanto, as gêmeas já estavam cansadas daquilo. Viram praticamente suas vidas se esvaindo por conta da avareza da mãe. Deixaram a casa do seu pai quando ele morreu, depois aos dez anos deixaram a casa em que viveram para morar em uma ilha deserta sem amigos, sem nada. Agora elas voltaram à civilização, não queriam mais estar neste campo de batalha inútil. As duas trataram de seguir com as suas vidas.Olivia, ao se instalar na mansão, a primeira coisa que fez foi fazer uma conta em todas as redes sociais possíveis. Antes de ir embora, combinara com um amigo seu, que se encontrariam assim que ela voltasse.Ela n&ati
_Olivia foi para Minas Gerais e eu ajudei.E foi assim o estopim da Grande Guerra na Mansão Martins Gonçalves._O que Francisco? Fez isso sobre as minhas costas? Você deixou minha filha ir embora sem nem perguntar?Jezabel iradíssima, dava socos na mesa perdendo totalmente a compostura que ela tanto prezava. Eu sentava perto do meu pai com as mão sobre a mesa e Sofia na cadeira da ponta um pouco mais afastada, de braços cruzados e olhando para baixo._Ela pediu para não contar._Mas eu sou a mãe dela!_O que você faria? Trancar ela em um quarto? As gêmeas já são adultas.Último capítulo