Era um prédio enorme com corredores infinitos. Nos dormitórios cada porta continha um universo. A Diretora do internato ia na minha frente me mostrando o caminho, o único barulho que existia eram dos seus saltos e da minha mala de rodinhas. Tudo parecia muito escuro mesmo com a claridade do sol entrando pelas grandes vidraças dos corredores.
Rudá não estava mais comigo, a escola não permitia animais de estimação. Não aceitei bem isso, Rudá era o meu melhor e único amigo.
O barulho do salto parou em uma porta de número 36, ela se virou e me olhou com um olhar severo como se eu já tivesse quebrado as regras da instituição sem antes conhecê-las. A diretora vestia uma farda da marinha, um conjunto de uma blusa de manga e uma saia reta todas elas brancas com detalhes azuis e o cabelo amarrado com um coque. Ela então começou a recitar as regras antes de abrir a porta do quarto.
O dia começava às 6:00 da manhã para o tempo de se arrumar e tomar o café, as aulas das disciplinas básicas começavam às 7:00 e a pausa do almoço era exatamente ao 12:30 e às 14:00 horas as aulas recomeçavam e iriam até às 16:40. A partir desse horário,tínhamos o tempo livre para tomar banho, voltar para os quartos e descansar até o jantar, muitos aproveitavam para praticar a suas habilidades e outros resolviam dar uma escapada dos estudos.O jantar seria servido a partir das 18:00, toque de recolher começava às 21:30 e as luzes se apagavam às 22:00.
Eu não entendia o que ela falava, aquela noção de tempo não significava nada para mim. Meu tempo era diferente, eu apenas sabia a passagem de um dia para ou outro até chegar no 365. O tempo dividido em partes do dia era algo estranho para mim.
De qualquer maneira, eu reconhecia aqueles olhos perversos da diretora, eram os mesmos da minha tia-avó. A maldade e a avareza dos homens eu já conhecia mas, não nas proporções que iria ver mais à frente na minha vida.
Depois de falar todas as regras, que eu imediatamente havia esquecido praticamente todas, ela afastou-se da porta e abriu para eu entrar. Lá, mais duas meninas estavam sentadas em suas respectivas camas.
Entrei em silêncio e elas também permaneceram em silêncio. Haviam três beliches, dando o total de seis camas, ou seja, haviam mais três companheiras no quarto. Éramos seis meninas desconhecidas em um quarto.
Depois que os passos da diretora se distanciaram, elas ficaram mais à vontade. Conversavam, davam risada, mexiam em uma caixa estranha. Ela emanava uma luz e sons variados. Depois elas olharam para mim.
_Você é a menina nova? _ uma delas levantou os olhos da caixinha e olhou para mim. Pelo jeito, esse tipo de gesto naquela sociedade significava muito pois as outras pararam também e começaram a prestar atenção em mim.
_Sim. _ foi a única coisa que consegui responder.
_ Que tipo de Excepcional você é? _ eu nunca tinha ouvido aquela palavra antes.
_Eu… não sei…
_Nunca fez o teste?
_Eu não sei o que é Excepcional…
_ Como não sabe o que é um Excepcional? Pelo menos conhece o Francisco e a Júlia?
Sim, eu os conhecia, afinal eram meus pais. Eu só não entendia como ela os conhecia. Nunca nos encontramos antes e ela parecia ter a minha idade, não poderia ter conhecido antes de irem para a ilha.
_ Eu os adoro! _ a ruiva começou a se animar e dar pulinhos no meio do quarto. _ Eu não sou uma Excepcional Natural mas eu os admiro! A história de amor deles é linda e eles sempre falaram por nós!
Eu olhava estatelada para ela. Não compreendia a importância dos meus pais para ela, sendo que, ela tinha a minha idade. Eles estavam na ilha, como ela os conheciam? Então ela me mostrou a caixinha dela com o meu pai lá dentro ao lado de uma mulher loira. Não sabia quem era, fiquei na mesma cara. O que me espantava mais era aquela caixinha luminosa. Jamais tinha visto algo igual aquilo. Ela falava, tocava, mostrava imagens que eu só via paradas em vídeos.
Elas perceberam já que estava bem na minha cara que eu me interessei pela caixinha. O nome era celular e pelo jeito ele evolui tanto que fazia parte essencial para a vida humana.
Eu vi todos os tipos de animais e culturas do mundo, porém eram imagens e desenhos parados. No celular elas me mostraram os sons dos animais, as danças com as músicas e os movimentos.
Aquele foi o meu primeiro mergulho no novo mundo.
A mansão ficava em um condomínio de luxo. Era a casa onde minha mãe passara a infância, onde ela e meu pai levavam desde os mais pobres aos mais ricos brincarem juntos no mesmo quintal. Onde também minha tia-avó criou as sobrinhas e que eles deixaram para trás. A casa era fruto do trabalho pioneiro na área de medicina do meu avô com os Excepcionais. Não imaginava que a filha dele também seria uma assim. A única herdeira era a minha mãe. Jezabel, sabia que não iria ter direito a fortuna mesmo se considerasse a sobrinha morta. Foi para a ilha deserta vigiá-los.Quem cuidava desses bens era um advogado da família. Uma pessoa de confiança é comprovadamente incorruptível. A minha mãe o deixou no cargo de cuidar de todos os bens m
Demorou pouco tempo para eu descobrir que aquela caixinha brilhante que comandava a vida das pessoas chamava-se celular. Antes era feito apenas para ligar quando não estava fora de casa, depois, começou a mandar mensagem, tocar música, reproduzir vídeos… Acabou dominando a vida de todos.Mas aquilo não era a única coisa. Outras caixas brilhantes também dominavam aquela civilização. No internato, era tão importante que havia uma sala apenas para ela. As pessoas pareciam venerá-la como um “deus”, ela ficava lá no alto enquanto que nós sentados, logo abaixo, ficávamos vidrados olhando para as imagens que ela produzia como um altar a ser venerado._Para onde foram? _ perguntei a um aluno apontando para ela. Ele tinha olhos rasgados com a íris negra, formando uma bola perfeita. Seu cabelo era vermelho, uma das poucas marcas de rebeldia que ainda existiam no seu corpo. Mandaram tirar seus piercings porém ele insistia em ficar com um na orelha além do brinco e a cor vermelha no cabelo.Eu tinha inveja dele. Ele ficava o dia inteiro correndo enquanto eu ficava o dia inteiro respondendo a perguntas estúpidas e testes estranhos. Nos encontrávamos na hora do intervalo, ele comprava as coisas para mim já que, eu não tinha dinheiro nenhum.Ele me achava estranha mas, era o único que falava comigo na escola além das minhas companheiras de quarto, sabia do meu passado mas, não parecia estar curioso como os outros. Comíamos em silêncio muitas das vezes, porém, era confortável. Foi OLHOS RASGADOS
Fazia um mês que eu estava lá. Pelo menos eu achava que sim, não tinha certeza. Eu não sabia o que meu pai estava fazendo, eu queria encontrar o Haru mas, as meninas me monitoravam dia e noite.Elas assumiram a responsabilidade de me ensinar a como se comportar corretamente. Não se podia entrar em qualquer banheiro. Tinha o das meninas e dos meninos, não era para ficar horas se encarando no espelho de nenhum banheiro. O colégio inteiro tinha grupo de amigos e amigas, eles chamavam de “panelinhas”, algumas até se misturavam, já outras, não podiam se encontrar.Não podia sair através dos muros do internato, não podia usar outros ambientes quando ainda estava na Turma de Introdução.Era preciso fazer todo
_Eu posso fazer de novo? _eu perguntei para o entediado Haru na minha frente_Vá em frente…Eu tinha achado um novo brinquedo naquele novo mundo. Consistia em uma caixa de papel duro que vinha com algo comprido e encurvado grudado nele. O Haru disse que o nome daquilo era canudo, e dentro da caixinha havia algo chamado de achocolatado.Na verdade, a diversão era espetar o tal canudo na caixinha. Eu fiquei empolgada, ele teve que comprar uns dez para mim. Isso aconteceu em uma lanchonete em que paramos depois de percorrer a cidade.Desde da minha chegada, eu passava de lugares fechados para lugares fechados. Quando enfim escapamos, Haru me levou até a Praça XV. As casas compridas que eu vira na minha chegada eram maiores que eu pensava.
Enquanto estava no internato, meu pai, minha tia-avó e minhas primas viviam juntos. Ela não iria largá-lo agora, minha tia não quis se dar por vencida. No entanto, as gêmeas já estavam cansadas daquilo. Viram praticamente suas vidas se esvaindo por conta da avareza da mãe. Deixaram a casa do seu pai quando ele morreu, depois aos dez anos deixaram a casa em que viveram para morar em uma ilha deserta sem amigos, sem nada. Agora elas voltaram à civilização, não queriam mais estar neste campo de batalha inútil. As duas trataram de seguir com as suas vidas.Olivia, ao se instalar na mansão, a primeira coisa que fez foi fazer uma conta em todas as redes sociais possíveis. Antes de ir embora, combinara com um amigo seu, que se encontrariam assim que ela voltasse.Ela n&ati
_Olivia foi para Minas Gerais e eu ajudei.E foi assim o estopim da Grande Guerra na Mansão Martins Gonçalves._O que Francisco? Fez isso sobre as minhas costas? Você deixou minha filha ir embora sem nem perguntar?Jezabel iradíssima, dava socos na mesa perdendo totalmente a compostura que ela tanto prezava. Eu sentava perto do meu pai com as mão sobre a mesa e Sofia na cadeira da ponta um pouco mais afastada, de braços cruzados e olhando para baixo._Ela pediu para não contar._Mas eu sou a mãe dela!_O que você faria? Trancar ela em um quarto? As gêmeas já são adultas. Meu pai disse que para ir na primeira visita ao shopping eu poderia convidar alguém. Eu pensei em chamar o Haru mas, acho que depois da confusão do final de semana, ele não ficaria confortável em vê-lo. Chamei a Brenda, a ruivinha de Lógico-Matemática que adorava o meu pai. A reação dela ao vê-lo de perto foi bem engraçada. Ela queria tirar uma tal de “selfie” e “postar” em alguma coisa que na época eu não sabia o que era. Tudo naquela caixinha brilhante.A minha reação ao entrar no shopping foi parecida com a dela ao ver o meu pai. Uma espécie de espanto e euforia. Era uma casa muito grande e luminosa, pessoas e mais pessoas andando para lá e para cá. Objetos que nunca tinha visto estavam na minha frente. Havia de tudo, desde roupas até aquelas caixinhaO PRIMEIRO PASSEIO NO SHOPPING