Eu ainda não sabia nada sobre os Excepcionais, apenas sabia que meu pai podia controlar os fenômenos como os crescimentos das plantas, comunicar-se com animais, mudar estruturas bióticas e abióticas, afinal era isso que ele estava tentando fazer ali desde que viera com minha mãe. Um remédio universal feito a partir da areia.
Nossa casa era exemplo do poder do meu pai. Ele escolhera o Cajueiro. A natureza da árvore de caju é espalhar-se criando galhos e mais galhos, por isso era mais fácil construir uma casa de árvore. A raiz fora bem fincada e com profundidade na areia para que não tivesse a chance de algum vento derrubá-la, meu pai se inspirou nas casas que ele havia visto na área rural. Então, havia uma varanda espaçosa na entrada da casa, o primeiro cômodo era a sala de estar, seguida por um grande corredor onde dava para os quartos, a pequena e aconchegante biblioteca com seus livros científicos, infelizmente não pude trazer comigo o livro da rapunzel, e no final havia o banheiro,onde os dejetos misturados com folha seca e serragem, viravam adubo para as plantas, nos limpávamos na água corrente que meu pai desviara do córrego para dentro do cômodo.
A cozinha era espaçosa para caber o fogão a lenha, que ficava dias e dias aquecido até a lenha se esvaecer e termos que alimentá-lo novamente com os galhos secos que pegávamos do chão.
Os fundos da casa, dava para a imensa floresta cercada agora pelos espinheiros. Para entrarmos nas florestas, tínhamos que caminhar através da areia e das pedras que davam para um morro, onde a floresta começava enfim.
A árvore foi moldada para que as folhas ficassem em cima da casa e formassem o telhado e protegessem-nos da chuva. Quando a estação dos seus frutos chegava, o nosso teto enchia-se de cajus e em dias de vento, o nosso teto farfalhava. Com certeza uma casa única. Não havia nada igual no mundo. Vivíamos na beira da praia então, constantemente o teto farfalhava, nos dando uma preguiça à tarde.
O muro de espinheiros que dividia a nossa parte e a parte de minha tia-avó, ganhava manutenção uma vez por semana. Como ali não era o habitat daquela planta, requereria um tratamento especial. Meu pai não deixava minha tia chegar perto, porém, não achava correto descontar nas gêmeas. Elas vinham ficar conosco depois de fazer suas tarefas domésticas. Enquanto meu pai trabalhava na areia medicinal, nadávamos na baciazinha, escrevíamos na areia e à tarde deitávamos para o ouvir o farfalhar do telhado da minha casa.
Assim, era a nossa vida tranquila, com poucos habitantes. A minha vida pela manhã, era buscar comida na mata, nadar nas águas salgadas da minha baía particular e brincar com o meu bichinho que eu adquirira aos treze anos, mudaria drasticamente.
Meu pai havia terminado a fórmula, depois de catorze anos tentando, finalmente ele conseguiu uma fórmula perfeita. Agora era fácil transformar qualquer areia nessa medicinal.
Era a hora de ir embora, voltar para a civilização. Essa seria a maior mudança que eu passaria em toda a minha vida.
As mudanças chegavam imperceptivelmente. Eu, uma criança de dez anos, isolada da civilização, consegui aprender cinco línguas diferentes.Eu aprendia muito rápido, assim como aprendi a ler e escrever, aprendi outras línguas que meu pai sabia. Ele viajava pelo mundo inteiro, foi obrigado a aprender várias línguas. O que ele levava meses para aprender, eu aprendia em dois dias. Aos dez anos, eu sabia fazer tudo o que meu pai fazia, inclusive a casa de árvore. Mas, naquela idade ele apenas me deixava cuidar dos espinheiros.Minhas primas eram dez anos mais velhas que eu, estavam na casa dos vinte, mulheres já feitas, já não pensavam em brincadeiras na areia. O anseio de voltar a civilização tinha chegado, principalmente para Olivia que deixara seu “Prometido” por lá.
Era uma areia tão brilhante, que nem parecia areia. Tinha uma cor verde azulada fluorescente. Ela brilhava intensamente, como os plânctons no mar. Em um simples movimento que meu pai fazia, ela dançava no ar e obedecia às suas ordens. O laboratório improvisado brilhava à noite, o pó fluorescente brilhava ao redor dele. Sua função era curar, porém, conseguia fazer outras coisas com ela. Com a areia conseguia-se fazer outros objetos flutuarem, carregá-los de um lugar para outro.Ele me envolveu com o pó brilhante me fazendo flutuar pela casa. Como um pó mágico de alguma feiticeira, ao dominar bem a areia, ela podia fazer o que você quisesse, desde de arrumar suas coisas a transportá-la de um ponto a outro.Fo
Ao chegar essa notícia, eu não fiquei muito feliz com isso. Naquela ilha estava enterrada a minha mãe, onde muitas vezes eu ia para conversar com ela, estava a minha casa feita de cajueiro e o meu bicho de estimação. Meu bicho de estimação é um quati vermelho abandonado pelo bando. Apareceu no túmulo da minha mãe, por isso botei-lhe o nome de Rudá. Sugestão do meu pai.Rudá, o amor, criado por Guaraci, o sol, para levar seus recados apaixonados para Jaci, a lua, já que não podiam se encontrar. Então os dois conversavam a partir de Rudá e seu amor continuava crescendo. O quati aparecera no túmulo de minha mãe, um quati dócil que nos aceitou rapidamente. Papai disse que era a mensagem de amor da mamãe para nós, daí Rudá.
O que para você é um mundo novo? Um novo mundo é composto de coisas inimagináveis aos seus olhos, costumes estranhos para sua natureza. Para mim o novo mundo abriu-se quando saímos da área da marinha e começamos a perambular pela Praça XV. Tínhamos chegado à costa brasileira à noite, adentramos pela Baía de Guanabara e aportamos na área militar.Entramos na Baía em silêncio, um navio percebendo a estranha embarcação brilhante adentrando em águas brasileiras, veio para perto de nós. Fomos obrigados a parar e subir para o navio. O comandante pareceu ficar um pouco aturdido quando nos olhou e levou-nos diretamente para a base militar._ Não é para tocar! _ alertava minha tia-avó toda vez que eu me aproximava de alg
Era um prédio enorme com corredores infinitos. Nos dormitórios cada porta continha um universo. A Diretora do internato ia na minha frente me mostrando o caminho, o único barulho que existia eram dos seus saltos e da minha mala de rodinhas. Tudo parecia muito escuro mesmo com a claridade do sol entrando pelas grandes vidraças dos corredores.Rudá não estava mais comigo, a escola não permitia animais de estimação. Não aceitei bem isso, Rudá era o meu melhor e único amigo.O barulho do salto parou em uma porta de número 36, ela se virou e me olhou com um olhar severo como se eu já tivesse quebrado as regras da instituição sem antes conhecê-las. A diretora vestia uma farda da marinha, um conjunto de uma blusa de manga e uma saia reta todas elas bra
A mansão ficava em um condomínio de luxo. Era a casa onde minha mãe passara a infância, onde ela e meu pai levavam desde os mais pobres aos mais ricos brincarem juntos no mesmo quintal. Onde também minha tia-avó criou as sobrinhas e que eles deixaram para trás. A casa era fruto do trabalho pioneiro na área de medicina do meu avô com os Excepcionais. Não imaginava que a filha dele também seria uma assim. A única herdeira era a minha mãe. Jezabel, sabia que não iria ter direito a fortuna mesmo se considerasse a sobrinha morta. Foi para a ilha deserta vigiá-los.Quem cuidava desses bens era um advogado da família. Uma pessoa de confiança é comprovadamente incorruptível. A minha mãe o deixou no cargo de cuidar de todos os bens m
Demorou pouco tempo para eu descobrir que aquela caixinha brilhante que comandava a vida das pessoas chamava-se celular. Antes era feito apenas para ligar quando não estava fora de casa, depois, começou a mandar mensagem, tocar música, reproduzir vídeos… Acabou dominando a vida de todos.Mas aquilo não era a única coisa. Outras caixas brilhantes também dominavam aquela civilização. No internato, era tão importante que havia uma sala apenas para ela. As pessoas pareciam venerá-la como um “deus”, ela ficava lá no alto enquanto que nós sentados, logo abaixo, ficávamos vidrados olhando para as imagens que ela produzia como um altar a ser venerado._Para onde foram? _ perguntei a um aluno apontando para ela. Ele tinha olhos rasgados com a íris negra, formando uma bola perfeita. Seu cabelo era vermelho, uma das poucas marcas de rebeldia que ainda existiam no seu corpo. Mandaram tirar seus piercings porém ele insistia em ficar com um na orelha além do brinco e a cor vermelha no cabelo.Eu tinha inveja dele. Ele ficava o dia inteiro correndo enquanto eu ficava o dia inteiro respondendo a perguntas estúpidas e testes estranhos. Nos encontrávamos na hora do intervalo, ele comprava as coisas para mim já que, eu não tinha dinheiro nenhum.Ele me achava estranha mas, era o único que falava comigo na escola além das minhas companheiras de quarto, sabia do meu passado mas, não parecia estar curioso como os outros. Comíamos em silêncio muitas das vezes, porém, era confortável. Foi OLHOS RASGADOS