Por um instante, meu coração acelerou. Será que ele tinha ido embora? Será que tudo o que aconteceu na noite passada foi só mais uma ilusão em meio ao caos que a minha vida havia se tornado? Não poderia ser ilusão, as colchas estavam lá pra comprovar.Eu não tinha muito tempo para questionar, porque a porta da cabine se abriu devagar, e lá estava ele.Caio entrou carregando uma xícara de café fumegante em uma mão e um pequeno prato com um pãozinho na outra. Ele me olhou com aquele sorriso calmo, como se tudo estivesse perfeitamente bem no mundo.— Bom dia, Ayla. Trouxe isso pra você. Não é nada muito elaborado, o pão é de ontem,mas vai te ajudar a começar o dia.Fiquei emocionada com o gesto. Por tanto tempo, ninguém tinha se preocupado comigo desse jeito. Sentei-me devagar na cama e aceitei o café e o pãozinho, olhando para ele com um misto de gratidão e curiosidade.— Obrigada, Caio. Minha voz saiu baixa, mas sincera. Comecei a comer, ainda observando-o enquanto ele se sentava na
AZRAEL ..O silêncio da madrugada parecia zombar de mim. Depois daquele sonho horroroso, eu fiquei ali, no escuro, sozinho com meus pensamentos, ou melhor, com a bagunça que eles se tornaram. Fechei os olhos, mas era inútil. A imagem daquela cabine, daquele homem dormindo tão despreocupadamente no chão enquanto Ayla repousava na cama, não saía da minha cabeça."Quem diabos ele pensa que é?" Pensei pela milésima vez. E pior, por que isso me importava tanto? Era como se algo primal dentro de mim gritasse que aquele homem estava violando um território que não lhe pertencia. Mas eu sabia que essa ideia era absurda. Ayla não era minha, e talvez nunca fosse. Ainda assim, a raiva queimava como fogo nas minhas veias.Eu rolei na cama, tentando ignorar o peso no meu peito, mas a tentativa foi inútil. O resto da madrugada passou como um borrão, com meus pensamentos repetindo a mesma cena, os mesmos flashes e as mesmas perguntas. Quando o sol começou a nascer, eu estava exausto, mas não de
Depois do café da manhã fomos trabalhar.O cheiro de carne grelhada e pão tostado impregnava minhas roupas, mas eu mal percebia. O expediente na banca de lanches de Ethan se arrastou como nunca. Meu corpo se movia no automático, montando pedidos, entregando lanches, limpando o balcão… Mas minha mente estava em outro lugar. Ou melhor, em outro tempo, outro espaço.Aquela cabine. Aquele homem. Ayla.A ideia de que ela estava com outra pessoa, dividindo um espaço tão pequeno, tão íntimo, me corroía. Eu precisava de respostas. E precisava delas agora.A metade do dia já havia passado, quando Ethan começou a fechar a banca. O fluxo de clientes diminuiu, e enquanto ele limpava a chapa, eu já estava me livrando do avental.— Tá com pressa? Ethan perguntou, sem tirar os olhos do que fazia.— Vou voltar na polícia.Respondi, sem rodeios. — Do jeito que você sugeriu. Agora que eu sei meu nome e o dela, talvez seja mais fácil encontrar alguma coisa.Ethan parou o que estava fazendo e me encaro
AYLA..Os dias na embarcação passaram em um ritmo estranho, como se o tempo estivesse suspenso entre o passado que me assombrava e o futuro incerto que me aguardava. Eu ainda acordava no meio da noite, ofegante, sentindo o peso das lembranças me esmagando, mas, de alguma forma, Caio estava sempre por perto. Ele parecia saber exatamente quando eu precisava de silêncio e quando eu precisava de distração.E distração era algo que ele me dava de sobra.Nossos momentos juntos se tornaram uma constante. Durante as refeições simples e nas noites em que o mar rugia lá fora, Caio me contava suas histórias, e eu ouvia, fascinada, admirada por alguém que tinha lutado tanto para chegar onde estava.Ele falava sobre sua infância, sobre como perdeu o pai cedo e viu a mãe se desdobrar em dois trabalhos para que ele pudesse estudar. Contava das noites em claro na faculdade de medicina, dos plantões exaustivos, dos momentos em que pensou em desistir, mas se agarrou ao sonho de salvar vidas. Ele fa
AZRAEL ..Os dias seguintes depois que fomos à delegacia, se arrastaram como uma maldição.Acordar. Merendar. Trabalhar na banca de lanches.E tentar, sem sucesso, encontrá-la nos sonhos.Ayla.Eu fechava os olhos todas as noites esperando que ela estivesse lá. Mas não havia nada. Nenhuma imagem, nenhum som, nenhum resquício de sonho. Era como se, ao dormir, eu entrasse em um estado de hibernação forçada, um vazio absoluto, e eu não conseguia encontrar explicações pra ela simplesmente ter deixado de aparecer.Eu tentei de tudo, eu não sabia que espécie de jogo o destino havia me colocado, mas eu estava odiando.Ethan, com suas ideias excêntricas, continuou apostando as suas fichas em projeção astral novamente, mas nem isso foi capaz de me levar novamente até ela.Tentamos por várias noites. Ele falava sobre relaxamento, controle da respiração, desprendimento da mente.Nada.Era como se algo estivesse me prendendo.A frustração crescia dentro de mim, se misturando à raiva, à ansieda
AYLA..O silêncio veio de repente, como se o mundo tivesse prendido a respiração. O som do mar se calou, os estalos da madeira do barco desapareceram, e até mesmo o vento, que minutos antes assobiava entre as frestas da cabine, sumiu sem aviso.Caio se afastou, com os olhos arregalados presos à cama que, até instantes atrás, havia se movido sozinha. Eu me sentei devagar, puxando o vestido de volta para o lugar, o coração martelando tão forte que me senti tonta.— O que foi isso? A voz dele quebrou o silêncio como um trovão, carregada de confusão e um toque de medo.Não consegui encará-lo. Meus olhos estavam presos às tábuas do chão, onde as sombras dançavam sob a luz fraca da lamparina. Uma lágrima escorreu solitária pelo meu rosto, quente e pesada, e eu a enxuguei com a ponta dos dedos antes que ele percebesse.Mas Caio percebeu.— Ayla... Ele murmurou, dando um passo à frente. — O que aconteceu aqui?Engoli em seco. Eu sabia exatamente o que havia acontecido. Sentia o peso inv
AZRAEL..Acordei com o corpo trêmulo. O ódio ainda pulsava dentro de mim como brasas vivas espalhadas pelo peito. Minha respiração estava entrecortada, e meu coração batia tão forte que eu podia ouvi-lo ecoar no quarto silencioso.Levei alguns segundos para entender onde estava. O quarto. O colchão revirado. As paredes fechando-se ao meu redor.A imagem ainda queimava em minha mente.Ayla.Aquele homem.Tocando-a.Possuindo-a.O asco e a revolta me tomaram por completo, e antes que eu pudesse raciocinar, minhas pernas me levaram até a parede. Meu punho se ergueu sozinho.O impacto foi imediato.A dor explodiu pelos meus dedos, subindo pelo braço, mas eu não parei.Eu precisava expulsar aquilo de dentro de mim.Mais um golpe.Outro.Mais forte.Meu sangue sujou a parede branca. O som seco dos meus ossos contra o concreto se misturou ao barulho da minha respiração ofegante.A porta se escancarou de repente.— Azrael!Ethan atravessou o cômodo como um raio, agarrando meu braço no insta
AYLA..A sensação da hipocrisia estava me consumindo, afinal, na primeira oportunidade eu abri as minhas pernas pra um homem que eu conheci a pouco tempo, se eu fosse Azrael, também teria agido da mesma forma, porém a dúvida de não ser ele estava gritando dentro de mim, enquanto o silêncio externo continuava, denso como a névoa. A única coisa que eu conseguia ouvir era o som do meu próprio coração, martelando dentro do peito como um tambor em meio ao caos. Minha mente se recusava a se acalmar, rodopiando entre os acontecimentos das últimas horas e as palavras que Azrael havia dito antes de desaparecer naquele dia que deveria ser o melhor dia da minha vida, no entanto foi marcado pela dor de perdê-lo.Ele disse que deixaria de ser um anjo obsessor. Ele disse que estaria em algum lugar do mundo, sem memória.O tempo todo eu estava agindo como se fosse possível Azrael continuar sendo um anjo.Se o que ele disse naquele dia era verdade, então quem, ou o quê estava aqui comigo?O barco