"O amor não se vê com os olhos, mas com o coração."
(William Shakespeare) ♡ Laura Andrade — Obrigada, dona Dissaura! Prometo não demorar — Falo para a senhora que cuidava da minha irmã sempre que eu precisava sair. — Imagina, menina Laura. Demore o tempo que quiser, a Flora nunca me atrapalha. Pelo contrário, com ela aqui fico mais feliz. — A senhorinha de cabelos grisalhos dizia, sorrindo, debruçada sobre seu muro branco feito de tábuas de madeira. Sorrio agradecida. Agachada diante da Flora, seguro seus ombros e, olhando em seus olhos brilhantes como estrelas, digo: — Comporte-se, meu amor. Prometo que não vou demorar. Ela ouve atentamente cada uma de minhas palavras, abre aquele sorriso maravilhoso que fazia o meu mundo parar e tornava tudo mais bonito. Sem nada dizer, me abraça apertado. Minutos depois, sigo para o meu compromisso, mas algo dentro de mim dizia que eu teria grandes surpresas. Só não sabia se seriam boas ou ruins. Meu nome é Laura Andrade, sou estudante, cursando o último ano do ensino médio, tenho dezoito anos e uma vida nada fácil. Contudo, não reclamo, apenas agradeço por ainda estar respirando e com saúde para ajudar aqueles que tanto amo. Moro com meu pai, Bartolomeu, que é alcoólatra, e minha irmã, Flora, que tem seis anos e foi diagnosticada com autismo nível I. Minha mãe morreu há dois anos em um latrocínio, e, desde então, assumi as tarefas da casa. Para fugir da realidade, meu pai começou a beber após a morte dela e, agora, para nossa tristeza, já está dependente do álcool. Flora sofreu muito no começo com a morte da mamãe. Ela é especial e muito apegada a ela. Mas faço de tudo para ver minha pequena estrela feliz e, até então, tenho conseguido fazê-la esquecer o que aconteceu e dar a alegria que tanto precisa para se desenvolver. Neste momento, estou em um restaurante que está sendo inaugurado. Fui convidada pela Mônica, que também chamou a Bia e a Beth. Estou usando um vestido simples floral com uma sandália baixa. Meus cabelos estão presos apenas no meio, com uma linda presilha de rosas que ganhei de minha mãe. Nos lábios, um batom claro, e um pouquinho do perfume cítrico que foi dela, e que, de tanto economizar, ainda tenho no frasco guardado no meu armário. As meninas, como sempre, são o oposto de mim e estão muito bem arrumadas, ostentando até não poder mais. Eu não sou vaidosa como elas e, mesmo que fosse, jamais teria condições de usar roupas caras como as que vestem. Mas, como disse antes, não reclamo de nada e apenas agradeço por tudo o que Deus me oferece. — Então, Laura, está gostando da comida? — pergunta Mônica com um olhar diferente, como se estivesse me examinando. — Sim, está tudo uma delícia. Obrigada por me convidar. Agradeço, colocando a mão na frente da boca, pois estava mastigando um peixe grelhado delicioso. Não sabia o nome, mas era maravilhoso e nunca havia experimentado nada tão bom na vida. Elas se olham e começam a sorrir juntas. Não entendi muito bem o motivo. Talvez tenha sido a forma como falei. Sei lá! "Essas garotas estão estranhas." — penso, mas não falo. O restaurante estava lotado, havia até fila de espera. O dono devia estar muito feliz com todo esse sucesso, pois quase não cabia mais gente. O restaurante era famoso em vários estados e, de fato, a comida estava incrível. — Ei, Laura, será que você se importa se a gente for ao banheiro retocar a maquiagem? — pergunta Bia. — Claro que não! Vão lá. Elas levantam sorrindo uma para a outra. Puxo a Mônica pelo braço e continuo: — Amiga, posso pedir duas quentinhas? Uma para o papai e outra para a Flora? É que não fiz janta... — Falo baixo para que ninguém ouça. — Claro que pode. Fique à vontade, querida. Então, elas saem ainda sorrindo, e eu chamo o garçom e faço o pedido. Passam-se dez minutos e nada das meninas voltarem... Vinte minutos e nada... Trinta minutos e nada. E, aos poucos, minha ficha vai caindo, mas, feito uma boba, continuo na esperança de que elas voltariam. "Elas não seriam capazes de fazer algo assim comigo. Todas sabiam muito bem das minhas condições financeiras e que eu sequer poderia arcar com um copo de suco nesse restaurante tão requintado, imagine bancar um jantar inteiro, regado ao que há de melhor por aqui. Não, elas não fariam isso comigo. Ainda mais comigo." Meus olhos marejam ao lembrar da possibilidade de terem feito algo tão cruel apenas para me ridicularizar diante de todas essas pessoas. Por que fariam isso comigo? Sem ter uma resposta, continuo tentando me convencer de que não havia caído em uma armadilha daquelas que se diziam minhas amigas. Por que elas fariam uma maldade dessas? Não há justificativa. Passam-se três horas e nada das meninas chegarem. Os garçons passam pela mesa e me olham desconfiados, pois o movimento já estava diminuindo e restavam poucas pessoas no restaurante. Eu não tinha celular para ligar para elas e, se me levantasse para ir ao banheiro, com toda certeza seria seguida pelos seguranças, por pensarem que eu tentaria fugir sem pagar a conta. Algum tempo depois, o restaurante já estava vazio. Eu fiquei sem chão. Não tinha dinheiro suficiente para pagar a conta. Era um restaurante de luxo, e eu não sabia o que fazer. Foi quando vi um garçom muito jovem, aparentemente dois ou três anos mais velho do que eu, vindo em minha direção. Ele se senta na cadeira à minha frente, então começo a chorar. Estava morta de vergonha. As quentinhas estavam sobre a mesa, e eu não tinha dinheiro para pagar por tudo aquilo. Eu estava perdida! O medo tomou conta de mim. O que faço agora? Preciso encontrar uma maneira de sair dessa confusão em que me colocaram. Mas como vou fazer isso sem pagar a conta?“O amor não é algo que você encontra. O amor é algo que encontra você.” (Loretta Young) ♡ Laura "Meu Deus, me ajuda! Eu preciso voltar para casa, a Flora precisa de mim." Suplico, pensando na Flora e relembrando tudo o que passamos. As lágrimas escorrem ainda mais. — Moça? Está tudo bem com você? — ele pergunta, colocando a mão sobre a minha, que está sob a mesa Continuo chorando baixinho, sem dizer nada. — Moça? — ele me chama novamente. Levanto a cabeça, olho em seus olhos claros e falo: — Eu não sei o que fazer. — baixo a cabeça e continuo chorando — Como assim? O que aconteceu? — ele questiona, confuso. — Eu estava com minhas amigas aqui, e elas saíram. Agora não sei onde foram e acho que não vão voltar. Esqueceram de mim — falo com pausas, interrompida pelos soluços. — Olha... — imediatamente, o interrompo antes que ele termine de falar. — Os pratos! Eu posso lavar os pratos. O restaurante estava lotado, deve ter um milhão de pratos sujos. Eu posso lavar
“Amar é cuidar do outro sem anular a si mesmo.” (Augusto Cury) ♡ Laura Vou buscar a Flora na casa da dona Dissaura e, como era de se esperar, ela está dormindo. A trago nos braços e, assim que chego em casa, a coloco na cama. Depois, volto para a sala, onde meu pai está deitado no chão com duas garrafas de bebida ao lado. O acordo e o ajudo a sentar no sofá. Em seguida, entrego-lhe a quentinha para que coma, mas ele está tão bêbado que mal consegue levantar a colher. Então, dou a comida para ele e, logo depois, ele adormece novamente no sofá. Pego uma coberta no meu quarto, tiro seus sapatos, suas meias e o cubro. Fico o observando por algum tempo, e algumas lágrimas rolam dos meus olhos ao relembrar como tudo era diferente quando mamãe estava conosco. Apesar das dificuldades, éramos uma família unida e feliz. Agora, tudo o que vejo é tristeza, dor e meu pai se auto destruindo pouco a pouco. Será que nunca mais voltaremos a ser felizes? Me aproximo dele, dou um beijo em sua testa
“O amor não se vê com os olhos, mas com o coração.” (William Shakespeare) ♡ Laura Estou sentada na minha carteira, lendo um livro, quando o sino toca para os alunos entrarem. Logo ouço a voz da Mônica apresentando a escola para um garoto. — Aqui é a biblioteca e ali a sala de jogos… — ouço-a falando de longe pelos corredores. Reviro os olhos e continuo minha leitura. A professora de Matemática entra na classe, e o sino toca novamente. Em seguida, Mônica entra, depois Bianca e Beth. Logo depois, Álvaro aparece na porta — o rapaz que conheci na noite passada. Meu corpo trava. Tento esconder o rosto com o livro, mas ele já me viu e está com aquele sorriso maravilhoso no rosto. — Pessoal, este é Álvaro Meirelles, seu novo colega de classe. Vamos dar as boas-vindas a ele? — anuncia a professora. Todos respondem em coro: — Bem-vindo, Álvaro! Ele segue para o fundo da sala, onde há carteiras vagas. Não olho para trás, mas percebo que Mônica sai da carteira dela e se senta ao lado de
"Amar não é apenas olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.” (Antoine de Saint-Exupéry) ♡ Laura Depois do lanche, Álvaro nos deixa em casa. Estou no banco de trás com a Flora, que não para de fazer perguntas o tempo todo, e não sei de onde ele tira tanta paciência. Álvaro me encara pelo espelho, e isso me deixa sem jeito. Até que a Flora, esperta demais, resolve fazer mais uma pergunta: — Álvaro, você 'tá' namorando com a Laurinha? Nesse momento, não sei onde enfiar a cara e fico morta de vergonha. Álvaro, por sua vez, sorri sem parar e então responde: — Não, Florinha, sua irmã não me quer — diz ele e, em seguida, me olha novamente pelo espelho retrovisor. Fico calada e desvio o olhar. Ao chegarmos em casa, ouvimos barulhos vindos do interior do imóvel. É o meu pai, completamente bêbado, quebrando as poucas coisas que temos. Fico sem ação. Ele sempre bebe, mas nunca foi agressivo em casa. Saio do carro e corro para abrir a porta. Álvaro sai também e entra junto
"Imagine uma nova história para sua vida e acredite nela." (Paulo Coelho) ♡ Depois que Álvaro vai embora, cuido da casa, faço comida, lavo a roupa, ajudo Flora nas tarefas da escola, e assim o resto do dia passa voando. Sem demora, a noite chega. Já passam das dez horas quando me sento ao lado de Flora, contando-lhe uma história para que ela durma. Mas, com tudo o que aconteceu, dificilmente ela dormirá rapidamente. Sua atenção está em qualquer lugar desse universo, menos dentro daquele quarto. — Flora... — chamo-a, mas ela não olha para mim, sequer me dá atenção. — Flora... Amor... — tento mais uma vez, mas nada dela me olhar. Continua brincando com as mãos. Muitas vezes me sinto perdida, sem saber como agir quando ela se isola dessa maneira. Nossa mãe sempre soube o que fazer e como contornar uma situação difícil. Se ela estivesse aqui, nada disso estaria acontecendo. Uno as mãos e olho para sua foto no porta-retratos sobre o móvel à minha frente. Sinto um aperto no peito e um
"Amar alguém é aceitá-lo com todas as suas imperfeições, e ainda assim, vê-lo como perfeito." (Autor Desconhecido) ♡ Laura Decido deixar a razão de lado e dou ouvidos ao que meu coração diz. Com o livro nas mãos, sem demora, abro a porta da sala e vou até o carro para saber o que está acontecendo. — Álvaro? O que está fazendo aqui? — pergunto, parada ao lado da porta do carona, olhando ao redor. — Estava passando e vi a luz acesa. Fiquei preocupado, achei que vocês estivessem com algum problema — diz ele, amável, com o olhar fixo em mim. — Não aconteceu nada de errado. A Flora ficou um pouco agitada com tudo o que houve e demorou a dormir. Eu perdi o sono e decidi ler um pouco, isso me acalma — explico, e ele sorri fraco, demonstrando alívio. — Ah, sim! Que bom, então. Ele permanece no carro, me olhando como se não soubesse o que dizer, e eu acabo falando algo que, só depois, percebo ser um erro. — Eu vou entrar, está frio aqui. Vem, entra um pouco — convido. Sem perda de temp
"A vida é uma balança entre aceitar o que não podemos mudar e ter coragem para mudar o que podemos." (Autor Desconhecido) ♡ Laura Manhã do dia seguinte Já estou sem sono, e depois que Álvaro vai embora sem olhar para trás, tudo piora. Até deito na minha cama, mas rolo de um lado para o outro e nada de conseguir dormir. Então, ao ver que já está amanhecendo, decido tomar um bom banho e me arrumar para enfrentar mais um dia de aula naquele colégio, que a cada dia se torna um martírio para mim. Tudo ali já é extremamente difícil de digerir, mas confesso que, desde a chegada de Álvaro e o fato de ele estudar na mesma turma que eu, minha vontade de desaparecer daquele lugar só aumenta. Mas não posso fazer isso. Primeiro, porque prometi à minha mãe que concluiria meus estudos. Segundo, porque já abri mão de muitas coisas pelo bem-estar de outras pessoas, e está mais do que na hora de pensar um pouco em mim e no meu futuro. A única certeza que tenho é que, se quero conquistar algo nesta v
"Somente quando encontramos o amor é que descobrimos o que nos faltava na vida." (John Ruskin) ♡ Laura Os dias passam, e tudo continua na mesma. Álvaro está cada vez mais distante, e eu, mais triste. Sinto muito a falta dele, mas não consigo me aproximar. Tenho medo da sua reação, e por isso prefiro deixar as coisas como estão. Álvaro é um homem rico, e ter uma garota como eu ao seu lado só o faria sentir uma coisa: vergonha. Então, é melhor que ele continue se aproximando da Mônica. Ela nasceu em berço de ouro, tem muita instrução, é viajada, fala vários idiomas e, com certeza, é digna de se tornar uma Meirelles. Com esse pensamento, sigo para o último dia de aula. Enfim, é sexta-feira. Para muitas garotas, isso significa sair, curtir e aproveitar a vida. Mas, para mim, significa dois dias longe daquele maldito lugar e, principalmente, daquelas pessoas prepotentes. Já na escola, cabisbaixa, atravesso o portão e, ao erguer o olhar, vejo de relance o carro do Álvaro estacionado. Su