5. Amor sem fronteiras

"Amar não é apenas olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.” (Antoine de Saint-Exupéry)

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Laura

Depois do lanche, o Álvaro foi nos deixar em casa, eu ia no banco de trás com a Flora que não parava de fazer perguntas o tempo todo, e não sei de onde ele tirava tanta paciência. Álvaro não parava de me encarar pelo espelho e isso me deixava sem jeito. Até que a Flora, esperta demais, resolveu fazer mais uma pergunta:

— Álvaro você 'tá' namorando com a Laurinha?

Nesse momento não soube onde enfiar minha cabeça, fiquei morta de vergonha. O Álvaro, por sua vez, começou a sorri sem parar, até que respondeu:

— Não Florinha, sua irmã não me quer. — Falou ele, em seguida me olhou novamente pelo espelho retrovisor

Eu fiquei calada e desviei o olhar. Ao chegar em casa ouvi barulhos vindo do interior do imóvel, era o meu pai completamente bêbado quebrando as poucas coisas que tínhamos. Nesse momento fiquei sem ação, ele sempre bebia, mas nunca foi agressivo em casa. Saí do carro e corri pra abrir a porta.

O Álvaro saiu também e entrou junto. Me deparei com meu pai com as mãos ensanguentadas, por quebrar as garrafas de cachaça, juntamente com os quadros das fotos da mamãe. A Flora, coitadinha, ficou assustada com a cena e começou a ter uma crise de ansiedade. Meu pai quando viu a reação dela, sentou, e começou a chorar ao seu lado.

— Me perdoe, minha filha, eu não queria tá assim... Eu vou parar, eu juro... Me perdoe, por favor. — Falava meu pai enquanto chorava abraçado com a Flora

— As fotos da mamãe, você quebrou... Você destruiu tudo. Eu odeio você. — falou a Flora e saiu correndo pro quarto

Depois meu pai chorou ainda mais.

— Eu não consigo minha filha... Sua mãe se foi, mas eu não consigo, eu não consigo superar. Eu bebo pra esquecer dela. Mas hoje eu passei dos meus limites, me perdoe... — Falava ele sem olhar pra mim

Eu não falei nada, só fui até a cozinha pegar as coisas pra limpar aquela bagunça, mas por outro lado, estava com vergonha pelo Álvaro ter presenciado aquela cena horrível.

Para minha surpresa, nesse momento o Álvaro sentou ao lado do meu pai, e começou a falar:

— Olha, eu sei que não tenho nada a ver com a sua vida, mas queria encontrar neste momento as palavras certas para confortar o seu coração, porém não é fácil saber o que dizer para quem teve uma perda tão dolorosa, e eu tenho certeza que vocês fariam tudo para poder traze-la de volta. Mas o senhor já imaginou o que ela ia achar se soubesse que está assim? Fazendo suas filhas sofrerem, além de ter perdido a mãe, vê o pai se acabando aos poucos?

Meu pai se calou pra escultar o que ele falava e pude perceber que aquelas palavras fizeram algum sentido pra ele. Eu já não sabia o que fazer e muito menos o que dizer ao meu pai para fazê-lo entender que ele não estava apenas destruindo a si mesmo, mas também a sua dignidade e nós, suas filhas, que não tínhamos culpa de nada do que aconteceu. Nós gostaríamos que o tempo voltasse e que nossa mãe estivesse ao nosso lado, mas as coisas não podem sem assim, perdemos a mamãe, mas tudo ficaria muito pior se perdessemos a nós mesmos.

Visivelmente envergonhado meu pai olha para o Álvaro e emocionado diz:

— Minha esposa não ia querer isso. Mas eu não consigo, eu não consigo parar. — começou a chorar novamente— Minhas filhas, elas sofrem demais, eu sei, mas não consigo largar esse maldito vício, eu só quero beber, beber e beber para esquecer e diminuir essa dor que dilacera o meu coração.

— Mas o senhor ao menos tentou parar? — Álvaro pergunta

— Não. — meu pai responde com a voz fraca

— Então não diga que você não consegue, se ainda nem tentou. — meu pai olha para o Álvaro, enxuga as lágrimas e fala de um jeito que nunca disse antes

— Você tem razão rapaz, eu vou parar... Pelas minhas filhas, eu vou conseguir. — Disse meu pai com a voz embolada de tão bêbado que estava

— Tenho uma idéia, o senhor vai dormir agora, esfriar a cabeça e quando acordar fala com suas filhas, peça perdão e o principal, vai começar a se tratar. E eu pessoalmente quero acompanhar o progresso.

Então Álvaro ajudou meu pai a ir pra cama, enquanto eu terminava de limpar a bagunça. Depois foi até o quarto da Flora. Com o silêncio e o som de uma conversa de longe, fui andando em pequenos passos, e fiquei no canto da porta sem que ele me visse. Ele estava sentado de frente a cama da Flora e conversando com ela com todo carinho e paciência do mundo.

— Eu odeio ele, odeio. — falava a Flora chorando abraçada ao Álvaro

— Não fala assim, o papai só está doente. — Álvaro fala acariciando seus cabelos acobreados, e ela se afasta indignada com o que ouviu

— Doente? Quando eu tô doente não destruo as coisas e ainda mais as únicas lembranças da mamãe. — ela falava com os braços cruzados

Álvaro segura suas mãozinhas e fala:

— Olha, é que o papai sente tanto, tanto a falta da mamãe que seu coração tá fraquinho e por isso ele fez tudo aquilo. Mas olha, eu o Álvaro aqui dei uma bronca nele. — nesse momento ele fechou a mão e bateu em seus peitos querendo mostrar firmeza pra ela — Falei pra ele, esculta aqui, você não pode fazer mais isso. Você deixou a Flora muito chateada e amanhã você vai tomar remédio pra passar essa doença e deixar ela feliz. Você tá escutando?

Pude ver um pequeno sorriso no rosto da Flora enquanto Álvaro falava.

— E ele falou que vai tomar, Álvaro?

— Faloooooou, ele falou que vai tomar sim. E eu vou ficar vindo aqui pra ajudar ele. Você é eu, o que acha da gente ajudar o papai a se curar?

— Eu, você e a Laura também. —Completou a Flora

— Claro. A Laura também. Agora mocinha você tira esse choro do rosto, dá um sorriso lindo, e força pro papai.

— ÊÊÊ... — Gritou a Flora abraçada ao Álvaro

Então o Álvaro levantou da cama.

— Agora o tio aqui vai ter que ir embora, porque vai ter que trabalhar, tá bom?

— Tá boom, mas não esquece viu, do papai?

— Claro que não. Eu prometo que volto. Agora b**e aqui. — Falou ele levantando a mão pra Flora b**er

Então vendo que ele sairia do quarto, corri de volta pra sala, e fingi está limpando.

— Tudo resolvido. — Disse Álvaro se aproximando

— Nossa! Não sei nem como te agradecer.

— Seu pai vai sair dessa... Eu vejo nele a vontade de se curar. E isso é o que vai dá forças pra ele. Só precisa de apoio e principalmente paciência.

— Ah, isso eu tenho demais! — falo com um sorriso no rosto

— Eu ia te convidar pra passear mais tarde, mas com isso que aconteceu, acho que você não aceita. — Disse ele na porta

— Me desculpe, mas tá muito cedo. Mal conheço você. E outra, minha vida é tão difícil... Não quero me envolver com ninguém, eu dedico minha vida pra Flora e meu pai. Tenho fé ele vai sair desse vício.

— Caramba... — Disse ele passando a mão na nuca

— O que foi? — pergunto curiosa

— Nada... É que é a primeira vez que eu levo um fora... — Disse ele meio sem graça

— Me desculpe... Mas sou sincera. — falo e dou de ombros

— Tá bom, melhor eu ir... Não quero incomodar você. — ele diz se afastando

— Tá... Mas você não está me incomodando. So joguei a real, sabe... — ele me interrompe

— Jogou a real... — ele estala a língua — Sei, então tá, até mais senhorita.

Nesse momento a Flora veio gritando o nome dele pela casa.

— Álvaro... Não esqueça do nosso trato viu.

— Claro Florinha. Se a sua irmã deixar, eu venho, tá.

— Eu deixo. Quem manda aqui sou eu... E vou convidar você pra ir pro parque e ela não vai. — Disse a Flora toda autoritária

Ele começou a sorri enquanto tirava algo do carro.

— Aqui está meu cartão. Se precisar de algo pode me ligar.

— Tá bom. Obrigada mais uma vez. — Respondi observando o cartão que era muito bonito por sinal

Álvaro se aproximou do meu rosto e me deu um beijo quase na boca, em seguida me olhou bem no fundo dos olhos. Aquele olhar me transmitia uma paz. Depois ele deu um beijo na Flora e foi embora, me deixando ali suspirando feito uma boboca por um amor que jamais seria possível de ser vivido, e que teria que enfrentar muitas fronteiras para se realizar. E sinceramente, não tinha certeza se conseguiria ir tão longe para viver um sentimento assim.

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