“Amar é cuidar do outro sem anular a si mesmo.” (Augusto Cury)
♡ Laura Vou buscar a Flora na casa da dona Dissaura e, como era de se esperar, ela está dormindo. A trago nos braços e, assim que chego em casa, a coloco na cama. Depois, volto para a sala, onde meu pai está deitado no chão com duas garrafas de bebida ao lado. O acordo e o ajudo a sentar no sofá. Em seguida, entrego-lhe a quentinha para que coma, mas ele está tão bêbado que mal consegue levantar a colher. Então, dou a comida para ele e, logo depois, ele adormece novamente no sofá. Pego uma coberta no meu quarto, tiro seus sapatos, suas meias e o cubro. Fico o observando por algum tempo, e algumas lágrimas rolam dos meus olhos ao relembrar como tudo era diferente quando mamãe estava conosco. Apesar das dificuldades, éramos uma família unida e feliz. Agora, tudo o que vejo é tristeza, dor e meu pai se auto destruindo pouco a pouco. Será que nunca mais voltaremos a ser felizes? Me aproximo dele, dou um beijo em sua testa e vou para o meu quarto. Já no quarto, fecho a porta e começo a tirar minha roupa. Recolho tudo e sigo até o banheiro para tomar banho. Agora, de banho tomado, vou até o armário pegar uma camisola, mas, assim que aproximo a mão do meu rosto, sinto o cheiro do Álvaro, que parece ter grudado em minha pele. Como uma menina boba, fico cheirando e lembrando do momento em que ele me beijou. Aquele olhar ficou na minha mente. Por um instante, até gostei do que as meninas fizeram, porque assim pude conhecê-lo. Ele foi muito gentil comigo; outro, em seu lugar, teria chamado a polícia para me deter ou, no mínimo, me dado uma pilha de louça suja para lavar. Mas ele, não. Foi amável e até se preocupou comigo. Álvaro foi um anjo que Deus colocou em minha vida, e espero que, algum dia, eu possa agradecê-lo por tudo o que fez por mim nesta noite. Será que foi obra do destino? Será que o nosso encontro já estava predestinado? Fico pensativa, mas logo decido dormir. Afinal, quem se interessaria por mim? Pobre, desajeitada e com um pai alcoólatra. São problemas demais para uma única pessoa, e homem nenhum iria querer carregar esse fardo nas costas. A melhor coisa que posso fazer é dormir, enfrentar minha realidade e parar de sonhar com o príncipe encantado. Afinal de contas, eles não existem. [...] Na manhã seguinte, preparo a Flora para ir à escola. Meu pai já saiu antes do galo cantar, como sempre. Deixo-a na escola e, em seguida, vou para a minha. Estou cursando o último ano do ensino médio e, se Deus permitir, em breve estarei na faculdade de psicologia. Ao chegar, tenho o desprazer de ver as três donzelas sonsas vindo na minha direção. — Laura, me desculpa por ontem — diz Mônica, com a maior cara de pau. Não dou atenção a elas e continuo caminhando para a sala, mas, insatisfeitas com o que fizeram, insistem em me seguir. — Laura, você tem que nos escutar! Você é nossa amiga — fala Bia. Na mesma hora, paro, cruzo os braços e a encaro com raiva. — Ah, então eu tenho que escutar vocês? Agora sou sua amiga? Mas ontem, na hora de me abandonar sentada naquele restaurante, passando vergonha, vocês não pensaram nisso. Me humilharam sem pensar duas vezes! — falo, aumentando um pouco o tom de voz devido à raiva. — Ah, Laura, amiga! Sei o quanto erramos com você, mas, olha, foi um caso de urgência. Meu pai me ligou dizendo que minha mãe estava passando mal, e eu nem lembrei de você, eu juro! — diz Mônica, com seu deboche de sempre. — Ah, conta outra, vai! Vocês tentaram me fazer de idiota, mas isso nunca mais vai acontecer. De "amigas" como vocês, eu quero distância! Mônica me olha com cara de choro, mas isso pouco me importa. Tudo o que menos preciso é de falsidade ao meu redor. — Ai, amiga, você não se põe no meu lugar? Imagina se fosse sua mãe. Você não ficaria sem ação numa situação dessas? — diz ela. — Não toque no nome da minha mãe nunca mais! Ouviu, cretina? — falo, apontando o dedo no rosto dela, que começa a chorar feito uma bezerra desmamada. Ela que se dane. Me fez de palhaça, e, se não fosse pelo Álvaro, sabe-se lá Deus o que teria acontecido comigo. Dou alguns passos para me afastar delas, mas Mônica segura meu braço e diz: — Me perdoa, Laura! Nós erramos, mas isso nunca mais vai acontecer. Eu juro! — fala com a voz embargada, segurando meu braço com uma mão enquanto a outra está virada para trás. Reviro os olhos, penso, repenso e, ao ver que ela realmente está prestes a chorar, acabo acreditando em suas palavras. Devo ser uma tonta mesmo por ainda dar oportunidade para essas cobras. — Tá bom... Dessa vez vou perdoá-la. Então, elas pulam e me abraçam. — Ai, amiga, você sabe que jamais faria algo assim de propósito com você, jamais! — diz Mônica, e eu finjo que acredito. Em seguida, ela nota um carro chegando ao estacionamento da escola e volta a ser a mesma de sempre. — Ai, meu Deus! O que é aquilo? — Nossa, que carrão, hein! Quem será? — comenta Beth. Logo depois, Wallace, nosso colega de classe, chega e vem em nossa direção. — Wallace, quem é esse no carro? — pergunta Bia. — Ah, deve ser o cara novato! Chegou agora na cidade — responde ele. — Ai, meninas, rápido! Olhem meus cabelos e vejam se estão bem. Minha maquiagem está certinha? — pergunta Mônica, eufórica. — Claro, amiga, você sempre arrasa — respondem as duas torres gêmeas. — Toma, Laura, leva nossas bolsas. Vamos ali receber esse deus grego! — diz Mônica, jogando a bolsa nos meus braços. Propositalmente, deixo-a cair no chão e ainda piso em cima. Como se fossem celebridades, elas saem em direção ao carro. O rapaz nem desceu ainda, mas elas sempre agem assim com os garotos novatos, principalmente se forem bonitos e ricos. Como não gosto de me envolver nisso, vou para a sala, pisando mais uma vez nas bolsas e deixando aquelas imbecis para trás.“O amor não se vê com os olhos, mas com o coração.” (William Shakespeare) ♡ Laura Estou sentada na minha carteira, lendo um livro, quando o sino toca para os alunos entrarem. Logo ouço a voz da Mônica apresentando a escola para um garoto. — Aqui é a biblioteca e ali a sala de jogos… — ouço-a falando de longe pelos corredores. Reviro os olhos e continuo minha leitura. A professora de Matemática entra na classe, e o sino toca novamente. Em seguida, Mônica entra, depois Bianca e Beth. Logo depois, Álvaro aparece na porta — o rapaz que conheci na noite passada. Meu corpo trava. Tento esconder o rosto com o livro, mas ele já me viu e está com aquele sorriso maravilhoso no rosto. — Pessoal, este é Álvaro Meirelles, seu novo colega de classe. Vamos dar as boas-vindas a ele? — anuncia a professora. Todos respondem em coro: — Bem-vindo, Álvaro! Ele segue para o fundo da sala, onde há carteiras vagas. Não olho para trás, mas percebo que Mônica sai da carteira dela e se senta ao lado de
"Amar não é apenas olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.” (Antoine de Saint-Exupéry) ♡ Laura Depois do lanche, Álvaro nos deixa em casa. Estou no banco de trás com a Flora, que não para de fazer perguntas o tempo todo, e não sei de onde ele tira tanta paciência. Álvaro me encara pelo espelho, e isso me deixa sem jeito. Até que a Flora, esperta demais, resolve fazer mais uma pergunta: — Álvaro, você 'tá' namorando com a Laurinha? Nesse momento, não sei onde enfiar a cara e fico morta de vergonha. Álvaro, por sua vez, sorri sem parar e então responde: — Não, Florinha, sua irmã não me quer — diz ele e, em seguida, me olha novamente pelo espelho retrovisor. Fico calada e desvio o olhar. Ao chegarmos em casa, ouvimos barulhos vindos do interior do imóvel. É o meu pai, completamente bêbado, quebrando as poucas coisas que temos. Fico sem ação. Ele sempre bebe, mas nunca foi agressivo em casa. Saio do carro e corro para abrir a porta. Álvaro sai também e entra junto
"Imagine uma nova história para sua vida e acredite nela." (Paulo Coelho) ♡ Depois que Álvaro vai embora, cuido da casa, faço comida, lavo a roupa, ajudo Flora nas tarefas da escola, e assim o resto do dia passa voando. Sem demora, a noite chega. Já passam das dez horas quando me sento ao lado de Flora, contando-lhe uma história para que ela durma. Mas, com tudo o que aconteceu, dificilmente ela dormirá rapidamente. Sua atenção está em qualquer lugar desse universo, menos dentro daquele quarto. — Flora... — chamo-a, mas ela não olha para mim, sequer me dá atenção. — Flora... Amor... — tento mais uma vez, mas nada dela me olhar. Continua brincando com as mãos. Muitas vezes me sinto perdida, sem saber como agir quando ela se isola dessa maneira. Nossa mãe sempre soube o que fazer e como contornar uma situação difícil. Se ela estivesse aqui, nada disso estaria acontecendo. Uno as mãos e olho para sua foto no porta-retratos sobre o móvel à minha frente. Sinto um aperto no peito e um
"Amar alguém é aceitá-lo com todas as suas imperfeições, e ainda assim, vê-lo como perfeito." (Autor Desconhecido) ♡ Laura Decido deixar a razão de lado e dou ouvidos ao que meu coração diz. Com o livro nas mãos, sem demora, abro a porta da sala e vou até o carro para saber o que está acontecendo. — Álvaro? O que está fazendo aqui? — pergunto, parada ao lado da porta do carona, olhando ao redor. — Estava passando e vi a luz acesa. Fiquei preocupado, achei que vocês estivessem com algum problema — diz ele, amável, com o olhar fixo em mim. — Não aconteceu nada de errado. A Flora ficou um pouco agitada com tudo o que houve e demorou a dormir. Eu perdi o sono e decidi ler um pouco, isso me acalma — explico, e ele sorri fraco, demonstrando alívio. — Ah, sim! Que bom, então. Ele permanece no carro, me olhando como se não soubesse o que dizer, e eu acabo falando algo que, só depois, percebo ser um erro. — Eu vou entrar, está frio aqui. Vem, entra um pouco — convido. Sem perda de temp
"A vida é uma balança entre aceitar o que não podemos mudar e ter coragem para mudar o que podemos." (Autor Desconhecido) ♡ Laura Manhã do dia seguinte Já estou sem sono, e depois que Álvaro vai embora sem olhar para trás, tudo piora. Até deito na minha cama, mas rolo de um lado para o outro e nada de conseguir dormir. Então, ao ver que já está amanhecendo, decido tomar um bom banho e me arrumar para enfrentar mais um dia de aula naquele colégio, que a cada dia se torna um martírio para mim. Tudo ali já é extremamente difícil de digerir, mas confesso que, desde a chegada de Álvaro e o fato de ele estudar na mesma turma que eu, minha vontade de desaparecer daquele lugar só aumenta. Mas não posso fazer isso. Primeiro, porque prometi à minha mãe que concluiria meus estudos. Segundo, porque já abri mão de muitas coisas pelo bem-estar de outras pessoas, e está mais do que na hora de pensar um pouco em mim e no meu futuro. A única certeza que tenho é que, se quero conquistar algo nesta v
"Somente quando encontramos o amor é que descobrimos o que nos faltava na vida." (John Ruskin) ♡ Laura Os dias passam, e tudo continua na mesma. Álvaro está cada vez mais distante, e eu, mais triste. Sinto muito a falta dele, mas não consigo me aproximar. Tenho medo da sua reação, e por isso prefiro deixar as coisas como estão. Álvaro é um homem rico, e ter uma garota como eu ao seu lado só o faria sentir uma coisa: vergonha. Então, é melhor que ele continue se aproximando da Mônica. Ela nasceu em berço de ouro, tem muita instrução, é viajada, fala vários idiomas e, com certeza, é digna de se tornar uma Meirelles. Com esse pensamento, sigo para o último dia de aula. Enfim, é sexta-feira. Para muitas garotas, isso significa sair, curtir e aproveitar a vida. Mas, para mim, significa dois dias longe daquele maldito lugar e, principalmente, daquelas pessoas prepotentes. Já na escola, cabisbaixa, atravesso o portão e, ao erguer o olhar, vejo de relance o carro do Álvaro estacionado. Su
"As mais lindas palavras de amor são ditas no silêncio de um olhar." (Leonardo da Vinci) ♡ Laura O resto do dia passa vagarosamente e, como sempre, tento a todo custo pôr Flora para dormir, mas ela não para de brincar com os balões que recebeu de Álvaro. Resumindo: só adormece quando não aguenta mais, e ainda por cima agarrada aos balões. Eu, além de não conseguir parar de pensar em Álvaro, tenho uma preocupação extra. Meu pai ainda não chegou. Já passa das onze da noite, e ele nunca demora assim. Em meio ao desespero, penso em um jeito de encontrá-lo. Então, lembro do cartão que Álvaro me deu. Com ele em uma das mãos, fico parada observando o número do telefone. Por um momento, penso em não ligar. Afinal, ele está sem falar comigo há uma semana. Mas a preocupação me domina, e resolvo ao menos tentar. Ligo uma vez. Chama, chama, e ninguém atende. Então, não ligo mais. Ele deve estar ocupado, e é óbvio que não perderia tempo com os problemas de uma garota bobalhona como eu. Com es
"Cada momento ao seu lado é um presente." (Autor Desconhecido) ♡ Laura Quando seus lábios encontram os meus, eu sei que poderia viver até os cem anos e visitar todos os países do mundo, mas nada se compara àquele momento em que beijo pela primeira vez um homem… E o principal: o homem dos meus sonhos. Ali, com seus lábios nos meus, percebo que meu amor por ele vai durar para sempre, e que sou capaz de enfrentar qualquer barreira para viver esse sentimento. Em seus braços, não consigo pensar em nada, só existem Álvaro, eu e nosso primeiro beijo. Segundos depois—e creio que não são poucos—afasto meus lábios devagar, e ele faz o mesmo. Solto-o lentamente e me viro para frente, sem olhar para o lado. Estou nervosa demais com a situação e sequer consigo pensar em algo para aproveitar um pouco mais aquele momento em seus braços. Minha vontade é gritar e chorar ao mesmo tempo, tamanha é a felicidade que sinto. A chuva fica cada vez mais forte, acompanhada de relâmpagos e trovões. O bar