O peso do balde cheio de água fria puxava seus braços, e Melody sentia cada músculo protestar conforme o arrastava pelo quintal até a tina de lavar. Os dedos ardiam pelo esforço, e um suspiro escapou de seus lábios ao despejar o conteúdo na bacia já parcialmente cheia. Pequenos redemoinhos se formaram na superfície da água antes de se assentarem, refletindo a luz intensa do início da tarde que banhava o quintal em um dourado abafado.
Ela pegou uma barra de sabão e a jogou na água, observando-a afundar lentamente antes de pegá-la de volta para esfregar nas roupas. Com as mãos, esfregou a barra contra as roupas, formando espuma entre os tecidos. Depois, prendeu a saia entre as pernas para evitar que se molhasse demais e descalçou as sapatilhas surradas, empilhando-as num canto seco antes de entrar na tina cheia de roupas. Os pés descalços encontraram o tecido encharcado, e Melody começou a pisotear as roupas, sentindo a água fria subir pelos tornozelos. O tecido pesado se retorcia sob seus passos, e o som rítmico da água espirrando ao redor era quase hipnótico. Esse era o jeito mais rápido de fazer com que a sujeira soltasse antes do verdadeiro esfregão.
O silêncio que pairava no ar trazia um alívio momentâneo. O murmúrio das vozes no salão, os risos roucos das garotas e o tilintar dos copos ainda podiam ser ouvidos ao longe, mas ali, nos fundos da casa, Melody tinha um raro instante de paz. Não duraria muito. Nada ali durava.
Ela enxugou a testa com o antebraço e olhou para as roupas de cama ensopadas. O trabalho ainda estava longe de terminar. No entanto, algo naquela tarde parecia diferente. O ar estava mais pesado, carregado com o calor sufocante e o cheiro de poeira seca. Seus olhos vagaram pelo quintal banhado de sol, tentando identificar o que lhe causava aquela inquietação incômoda.
O vento soprou, trazendo consigo o cheiro de poeira e terra quente. Um arrepio percorreu sua espinha.
Ela sacudiu a cabeça, afastando os pensamentos tolos. Medo nunca lhe servira de nada. O que a mantinha viva era a prudência, a astúcia. E essa prudência dizia que era melhor continuar o trabalho antes que a tarde trouxesse visitantes indesejados.
Pegou os lençóis sujos, torcendo-os levemente antes de deixá-los de molho. A bacia transbordava de roupas que precisavam ser esfregadas, e ela se ocupou com a tarefa, esfregando cada peça com paciência, até que a espuma densa da água levasse embora a sujeira acumulada.
O enxágue, no entanto, foi um castigo. A água ensaboada precisava ser trocada várias vezes, e isso significava inúmeras idas e vindas ao poço. Melody suspirou ao girar a manivela pela enésima vez, sentindo o peso da água arranhar seus músculos já doloridos. O som do balde batendo na superfície do poço ecoava no ar quente, e cada subida parecia mais pesada que a anterior. Suas mãos, já avermelhadas pelo esforço, começavam a arder. Ela jogava fora a água suja, pegava mais limpa e repetia o processo, até que os tecidos não espumassem mais sob seus dedos.
Quando finalmente terminou, ainda restavam algumas boas horas de sol. Melody pegou os lençóis brancos e seguiu para a área de estender roupas, nos fundos da casa, onde o espaço era amplo e o vento soprava com mais força. O calor continuava intenso, mas a brisa começava a se tornar mais amena conforme a tarde avançava. Estender lençóis limpos era um raro prazer. O branco impecável balançando ao vento era a alegria de qualquer lavadeira, e ela sabia que, com o sol forte, logo estariam secos bem antes do fim do dia.
Com movimentos ágeis e mecânicos, pendurou cada peça na longa corda presa entre os mourões do quintal. O cheiro de sabão e tecido recém-lavado preenchia o ar, trazendo um alívio momentâneo ao ambiente carregado da Casa do Sol Nascente.
Ela observou os lençóis tremularem ao vento por um breve instante, permitindo-se um suspiro de alívio. Mas a fisgada nos rins voltou, insistente, puxando-a de volta para a realidade. Precisava se apressar.
E não estava pronta para nada além de realidade nesse momento.
Ajeitou a postura e seguiu pelo caminho mais discreto, esgueirando-se pelo corredor lateral até a cozinha. O calor do ambiente veio como uma onda abafada, trazendo o cheiro de carne sendo cortada e temperos queimando no fogão. A cozinheira estava ocupada cortando carne, mas ainda assim ergueu os olhos para fitar Melody por um instante.— Vai ficar parada aí feito uma estátua? — resmungou a mulher, voltando ao trabalho.— Só vim buscar um pano — respondeu Melody rapidamente, pegando um pedaço qualquer de tecido sobre a mesa antes de seguir adiante.Esperou um instante, certificando-se de que ninguém prestava atenção, antes de subir as escadas estreitas e empoeiradas até o sótão. Segurava o pano contra o peito, um disfarce simples caso fosse surpreendida no caminho. Era um dos poucos lugares onde poderia ter privacidade. Lá em cima, o calor era sufocante, mas não havia olhos curiosos. O colchão fino onde dormia estava estendido no chão, encostado contra a parede, e ao lado dele repousav
— Melody.O som de seu nome atravessou a porta, enchendo o pequeno espaço do sótão como uma ameaça palpável. Um frio intenso subiu por sua espinha, espalhando-se pela nuca e eriçando os cabelos em sua pele úmida de suor frio. Seu estômago revirou violentamente, e ela precisou engolir com força para conter a náusea imediata. Melody fechou os olhos, apertando os lábios em uma linha fina e trêmula enquanto tentava controlar a respiração acelerada.Medo. Um medo visceral, antigo e profundamente arraigado, espalhou-se rapidamente por suas veias como veneno, fazendo seus membros tremerem. Mas, abaixo dessa camada inicial de terror, ela reconheceu outra emoção igualmente intensa: raiva. Uma raiva impotente, sufocada por anos de silêncio, de humilhação e submissão forçada. As unhas curtas se cravaram nas palmas das mãos em punhos cerrados, e Melody sentiu um calor de revolta incendiar seu peito.Lutando contra o impulso de se esconder em um canto escuro e simplesmente desaparecer, endireitou
A luz do fim de tarde filtrava-se pelas frestas do sótão, tingindo de dourado os montes de poeira acumulada e os objetos esquecidos. Melody estava sentada sobre o baú, com o vestido ensopado colado à pele, os joelhos juntos ao peito, os braços envolvendo as pernas como se o gesto pudesse impedir que desabasse.O silêncio ali dentro era tenso, denso, como se a casa inteira esperasse o momento exato para esmagá-la. Seu estômago roncava, vazio desde cedo, e o cheiro distante de comida vindo do salão fazia a boca salivar. Madame sabia. Era esse o plano. Domar pela fome. Pelo cansaço. Pelo isolamento. Mas Melody não podia deixar isso acontecer. Não depois de tantos anos escondida, não depois de chegar tão perto.Levantou-se com energia renovada e quase com raiva, tirou o vestido molhado que largou sobre o chão. Escolheu outro, o menos rasgado dos dois que ainda restavam, e o vestiu com movimentos lentos. O calor insuportável do dia havia se convertido no frescor do início da noite. Seus de
O susto foi nublado pela dor.Melody piscou devagar, o corpo inteiro pulsando como um machucado exposto. Tentou se mover, mas o braço gritou alto, e ela parou. Os olhos demoraram a focar, mas logo voltaram para o homem parado na entrada da carroça.Jesus. Ele era enorme.A silhueta dele tomava conta do espaço. Largo de ombros, alto, com a mão segurando a aba da lona erguida. A luz do entardecer dourava as laterais do rosto rígido, os olhos verdes e atentos. Não parecia assustado. Parecia calculando.Melody sabia reconhecer o olhar de um homem medindo risco.Ela também sabia que era o risco.Estava desesperada demais para recusar ajuda, mas o medo dentro dela dava outro salto — um medo mais profundo, que não vinha do instinto, mas da memória. E se ele a devolvesse? Se ele pertencesse à Casa? Se fosse um dos deles?O braço latejava como fogo. Ela queria implorar, mas o corpo tremia de frio e esforço. Os lábios ardiam, rachados e úmidos de sangue. Ainda assim, ela os mordeu, tentando reu
A carroça avançava pela estrada de terra batida, o som dos cascos e das rodas marcando um ritmo constante na noite que chegava. O céu, já tingido de azul escuro, deixava os últimos fios de luz escaparem pelas copas das árvores. Era um silêncio de fim de mundo, só quebrado pelos estalos do couro e o ranger da madeira.A fazenda surgiu no horizonte.A casa grande de madeira mantinha sua dignidade cansada. A varanda ampla era sustentada por colunas grossas, e os degraus largos da entrada já conheciam muitos anos de pés e silêncios. À direita, o estábulo recortava-se contra o céu, e uma cerca baixa contornava o terreno com humildade.No jardim à frente da casa, resistia o cuidado antigo de Esperanza. As roseiras estavam secas. A lavanda, quase morta. Mas as margaridas — teimosas — ainda floresciam, como se recusassem a aceitar a ausência da mão que as podava.Duncan puxou as rédeas e fez Caleb parar diante da varanda. O cavalo bufou com gratidão.A poeira, erguida no último trecho da estr
Duncan passou a escova mais uma vez pelo flanco do animal, o braço trabalhando num ritmo mecânico, quase ritual. O cheiro de feno úmido, couro e suor ajudava a empurrar o mundo pra longe.Mas o grito que a jovem soltou quando Ida recolocou o ombro no lugar ainda o perseguia.Agudo. Cortante. Feminino.Ele odiava gritos de dor femininos.Mais do que os sons, odiava o que eles despertavam.Aquele som trazia lembranças. Não nítidas, mas claras o suficiente. Vozes abafadas por madeira grossa.Uma mão segurando Rose pela primeira vez, enquanto a mulher gritava do outro lado da parede.O tempo passou, mas os sons ficavam.Alguns se instalam no peito e cavam. Silenciosos. Pacientes.Forçou a escova com mais brusquidão por um instante, depois parou. Respirou fundo.O animal virou a cabeça, como se dissesse: chega.Duncan assentiu para o cavalo em concordância, o velho Caleb não merecia ser maltratado porque ele estava inquieto. Guardou a escova, soltou a trava da baia com um estalo e deu dois
O cheiro de lavanda foi o primeiro a alcançar Melody.Depois veio o toque dos lençóis limpos sob a pele, o peso gentil de uma colcha bem dobrada, a maciez inesperada do colchão sob o corpo dolorido.Era estranho. Quase íntimo.O ambiente tinha aquele tipo de silêncio que não amedrontava. Um silêncio de lugar vivido, organizado. A luz do sol filtrava pelas cortinas claras, cortando o quarto em faixas de calor e sombra. No ar, havia um fundo de cera de madeira — e mais distante, o aroma acolhedor e forte de café passado.Ela piscou devagar.Os olhos ainda pesavam.O ombro latejava com dor surda e constante, irradiando para o lado do pescoço e escorrendo pelo braço engessado.O teto era de madeira clara, bem conservada. Um lampião apagado estava sobre um dos armarios. À esquerda, uma cômoda com espelho em moldura gasta. Os móveis brilhavam com uma camada recente de cera, e o cheiro — aquele cheiro — era reconfortante demais.Ela tentou se erguer. O corpo inteiro protestou.Um gemido esca
— Eu gostaria de tentar, senhora Jenkis.Ida assentiu com um gesto curto, como quem confirma algo já decidido.— Então coma. Vai te fazer bem.Melody pegou a colher com a mão boa, ainda trêmula. O mingau estava morno, com gosto suave de leite fresco, uma pitada de açúcar mascavo e talvez um toque de canela. Era simples. Era bom. Era gentil, de um jeito que ela não sabia mais receber.Ela havia perdido a noção de civilidade, percebeu quase chocada consigo mesma, os anos na Casa do Sol Nascente lhe pareceram ainda mais injustos.A cada colherada, o corpo parecia relaxar. O calor se espalhava por dentro como um cobertor. As costas afundaram mais no colchão. A tensão que havia se instalado na mandíbula se dissolveu devagar. Quando a tigela estava pela metade, os olhos começaram a pesar. A mão fraquejou. A última colherada ficou esquecida dentro da tigela.Ida recolheu a bandeja com cuidado, observando a garota que já adormecia.O rosto dela, agora suavizado pelo sono, parecia anos mais jo