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II - Início do Primeiro: Parte 1

Em algum lugar, entre o limite da cidade e a zona rural.

Danu sentada ao lado da bicicleta e verifica a mochila. Havia arrumado o necessário para quatro dias, além de um lanche para a estrada. Prende os pertences com segurança na bicicleta, ajeita a blusa de ciclista folgada para seu corpo, verifica, por uma última vez, o equipamento de proteção e parece ignorar a ausência das joelheiras.

Contando com ela, estão em cinco amigos, dois rapazes e três garotas. Juntos, seguem a parte da estrada de chão formada de descidas, apenas necessitam controlar a velocidade da bicicleta e deixar a gravidade realizar o restante do trabalho. Assim, seguem até chegar à parte plana.

Mesmo com marchas para facilitar a viagem, as pedaladas não parecem fáceis. Danu fica ao final da fila e, depois de certo tempo, distante cerca de dez metros dos demais. Sempre que isso acontece, não tarda para encontrar a vizinha parada à beira da estrada. Com um sorriso igual ao das fotos no mural, ajeitando as joelheiras emprestadas enquanto cantarola alguma música pop brasileira dos anos noventa, a espera para então seguirem juntas.

Em poucas horas, a parte plana chega ao fim e tem início uma subida. A cada pedalada, os esquálidos músculos de suas pernas tremem, o suor da fronte goteja uma traz outra, caí e esparsa sobre a terra calcária polvorosa. Sinal, claro, de que até então a chuva não chegara por essa região.

Não é sua primeira vez nessa trilha. Contudo, faz exatos doze meses desde a última. Cerra os dentes e se esforça ao máximo para aumentar a velocidade. Concentra seus pensamentos nas imagens onde pôr fim encontraria os amigos e teria uma tranquila volta de carona sobre a carroça da caminhonete de algum parente do interior.

Tinham como objetivo deixar as bicicletas com um conhecido que vive ao pé da montanha e de lá traçar a trilha em meio à mata, como um atalho até a casa da tia materna de Danu. Lá, passariam o fim de semana e comemorariam o seu aniversário.

Não é das mais animadas para este tipo de esporte, mas, de toda forma, já está em um destino sem volta. Com sua sorte, se voltasse, passaria todo o feriado dessa data m*****a em casa, às escuras, sem dinheiro, comida e água. Além de sozinha com seus pensamentos. Não seria esse um destino ainda pior?

Quando a trilha começa a seguir ao lado da mata, desce uma forte cerração, que logo toma a forma de um espesso nevoeiro, com o qual é impossível enxergar um metro à frente. Porém, há apenas um único caminho estreito a seguir. Assim, de um lado, estão as intermináveis cercas para o gado e tenras pastagens e, do outro, a densa vegetação nativa.

Com calma, vez ou outra, fecha os olhos e rela com o ar fresco da floresta, continua a seguir a rota sem parar. Quando, então, alguns minutos depois, começa a prestar atenção ao seu redor. Desde que iniciara o caminho, não escuta nenhum ruído do barulho das rodas levantando as pedras ao chão. Nada de canto dos pássaros e dos inúmeros insetos sibilando ao fundo, muito menos a familiar conversa ruidosa e risadas energéticas de seus amigos. Em um ímpeto de insegurança, chama pelos amigos, e tudo que lhe resta é o silêncio no vazio. O suficiente para que uma onda lhe percorra o corpo, saltando cada pelo da pele.

Junta forças e começa a pedalar com mais ânimo. Tenta de tudo para sair dessa parte da estrada que a inquieta. Logo entra em um estado de pânico que a faz perder o equilíbrio e tomba à beira da estrada, tudo graças ao mesmo inseto que aparecera em sua janela nesta manhã. A personificação do mau agouro que surge do nada e passa a centímetros de sua orelha, zunindo a toda velocidade. Isso a faz desequilibrar, caí de um pequeno barranco e fere os joelhos ao ponto de sangrarem. Fica de pé com dificuldade e, mais uma vez, se esforça ao chamar pelos amigos, e mais uma vez ninguém responde. Limpa o sangue com a pouca água do cantil e verifica o estado da bicicleta em para sua surpresa, está intacta. Ao constatar, sorri com canto da boca, como se agradecera por um pouco de sorte. 

Até que uma frase quebre o clima...

— Não escute as vozes...

Ergue as sobrancelhas e escancara a boca assustada, tentando entender se escutara algo ou não. Quando se vira para o lado, faz uma cara de espanto com o dito inseto pousado sobre a poça d’água, com a qual havia limpado seus joelhos. Ali, ele a drena em poucos segundos, agita as ruidosas asas negras e levanta voo para em seguida desaparecer ao se atirar à frente na densa neblina.

Com olhar perdido, Danu começa a hiperventilar. Recua devagar até tocar com as mãos trêmulas sobre a bicicleta tombada entre o matagal e a inclinação, a põe sobre as rodas e segue empurrando barranco acima até a estrada.

Ao pedalar, queixa-se da dor de forma involuntária, porém, segue firme volta por volta, dando impulso à coroa dianteira cada vez mais rápido, até alcançar uma velocidade frenética. Todo o tempo olha para trás e para os lados, todo o tempo cercada pelo paredão branco, e todo o tempo nota as mesmas cercas e árvores da floresta. Assim, segue por minutos, que pareceram horas. Por mais que tente, a impressão é de que ela não consegue deixar esse trecho da trilha.

Arregala os olhos e esboça um sorriso quando enfim avista um caminho que adentra a vegetação. Passa ao lado de um caudaloso córrego e segue determinada por uma descida úmida, até estar entre folhas negras apodrecidas. Porém, nesse trecho, as rodas começam a escorregar de um lado ao outro a todo momento. Então, a descida se torna mais íngreme e sua velocidade acelera, até chegar a um ponto de ser impossível parar, desce do selim e põe os pés ao chão, tenta frear, mas desliza junto à bicicleta.

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