E ali, por várias vezes, tenta escalar de volta, mas tudo que consegue é retornar abaixo, por mais que tente se agarrar, a subida íngreme e o peso extra a fazem deslizar. Pensativa, roda em círculos, até que para e começa a juntar pedregulhos sobre a base, pedra sobre pedra, as apoia sobre o declive côncavo até criar uma improvisada escada tombada. De frente para a “3bD”, decide seguir pelo outro caminho, o marca como “3bE” e prossegue para o túnel até que o espaço se torna tão estreito que se vê obrigada a caminhar de lado. Em um ponto, a passagem enfunila de tal modo que só a permite seguir a espessura do corpo, deixa a mochila ao chão e derruba vigas de madeira para conseguir espaço para prosseguir. Então, mais à frente, repetiu o processo outra vez mais, indo para a direita, onde anotou “4bD”. Com a tocha, ilumina uma grande abertura, ao chão, há velhos uniformes laranjas espalhados, tais como a do invasor devorado. Verifica o lugar, e não encontra nada útil, segue adiante até ch
Amanhece, Danu ainda balbucia, observando o monte ordenado de pedras. Perdida em sua mente, recordações desdobram uma de cima de outras mais profundas como a casca de cebola. Inflama uma versão dela mesma eternamente escondida em um pequeno armário apertado, tendo como única visão a proporcionada por uma fresta entre as portas, e de dali observa o vulto do homem alto buscando-a. Somado a isso, havia uma Danu mais crescida e se apresenta em outra realidade ajoelhada, cercada de memórias estilhaçadas, como o vidro da janela às margens da consciência. Peça por peça, junta os cacos, a dor ao tocar as pontas afiadas se faz presentes a cada instante. São as recordações que lhe deformam a face: revive a continuação do dia da caminhada na floresta. Oculta na vegetação da mata, de uma forma covarde, segue até onde os captores levam seus amigos. Vê que entram em uma caverna, cuja localização busca relembrar há meses e demarcara um sem-número de possibilidades em todos os mapas sobre a mesa da
Como se estivesse preso sob pressão, uma espécie de gás marrom escapa de dentro, contorce o nariz e se põe apreensiva. Escolhe um longo pavio de cipó ceroso e o pôs no orifício por onde o projétil atravessara e, então, o acende. Afastada e aguarda o fogo consumir lentamente o cipó. Espera por quase meia hora, quando, por fim, lentamente adquire coragem para voltar e empurrar uma abertura na porta. O ar do lugar a faz tossir e tapar o nariz. Se afasta, retira a blusa regata e a faz de meia máscara que cobre nariz e boca. Agora, com toda a força, termina de abrir a porta emperrada a pontapés. Com a entrada escancarada, o restante de uma névoa café escapa sem pressa. Cautelosa, ilumina o local. Logo na entrada, desbaratadas latas e caixas de papelão vazias preenchem velhas prateleiras de madeira. Então segue para o outro extremo do recinto, onde encontra empilhados uns sobre os outros pacotes e mais pacotes do mesmo pó branco espalhado afora, suficiente para construir uma parede. Então,
Aproveita a recém-calmaria e, em um passo de cada vez, segue para fora do refeitório quando então um borbulhar inquieto de pura escuridão toma a luz ao fim do túnel — outra revoada retornava. Quase não teve tempo de abaixar e se proteger atrás da mochila. Enquanto passavam, perde as contas de quantos trombam contra seu capacete e, ao dar a volta, dá de cara com um deles pousados ao chão. O reconhece de imediato — é o batedor —, ele está em busca das manchas rubras e frescas, concentrado demais em drená-las para notar a presença da mulher. Foi então que as sobrancelhas de Danu erguem-se ao perceber tratar de seu próprio sangue quando finalmente se dá conta do ferimento no braço. Agachada, recua até bater com a mochila na parede, rasga uma tira da blusa e a amarra sobre o corte vívido. O animal insidioso agita as asas e, com suas longas patas, começa a se aproximar. Nesse mesmo tempo, Danu, cautelosa e sem desviar a atenção dele, se afasta caminho acima. Nesse hiato, um fio de água at
Sem dizer uma palavra, ela sorri, vira e segue para dentro da gruta. Danu grita seu nome repetidas vezes, mas o som já não sai de sua boca. Por mais rápido que a persiga, mais rápido ela se distancia. Estende a mão várias vezes para a agarrar, sempre a um fio de alcançá-la. Em um dado momento, tropeça, caindo em meio ao pó e ali permanece. De onde está, ergue a cabeça e arregala os olhos, o que enxerga abaixo é um círculo perfeito de pedras arredondadas, tendo ao centro uma larga e plana com a superfície preenchida de inscrições talhadas. Pressiona o ferimento no braço, abaixa a cabeça e se põe de pé. Ao olhar novamente para o monumento, assusta-se de tal forma que a faz desequilibrar e deslizar abaixo. Quando seus pés tocam o fundo, aperta os olhos, como se estivesse tentando concentrar-se no que era real. Ao olhar novamente, sua boca abre em espanto. Parado ao lado da pedra com inscrições, há a figura em negro do homem alto, trajando chapéu, o mesmo ser que a perseguia em seus pes
Meses atrás, quando o caso de desaparecimento dos conhecidos jovens esportistas repercutiu, chocou a cidade do interior e ninguém sabia mais do que o (não) dito por Danu. O mistério é o suficiente para motivar as crianças a criarem uma canção: “Danu, Danu, com eles, partiu. Danu, Danu, com eles, seguiu. E um dia, sozinha, surgiu. Danu, Danu, onde estão? Danu, Danu, perdida do rio. Comeu suas palavras? Comeu suas almas? Danu, Danu? Onde estão? Sua cuca, o rio levou!” Só escutara essa canção infantil uma vez, o suficiente pa
Os primeiros raios de sol invadiram o quarto e iluminaram a coleção de troféus ordenados sobre as prateleiras presas nas paredes acima da cama. Logo abaixo está um colorido mural de cortiça, e nele, presas por alfinetes coloridos, inúmeras fotos remetem à amizade entre um grupo de amigos, sobretudo entre duas garotas de marcada diferença em altura, cujas fotos juntas retratavam uma forte relação afetiva desde a infância. Junto a um calendário, destacado em vermelho a data 13 de uma sexta de dezembro com o desenho de um bolo enfeitado com estrelas e velas. Por cima de tudo, em um riscado nervoso, se via a curta frase dizendo: “data m*****a”. Enrolada entre as cobertas, respira fundo e se vira para a janela. O dia já aponta afora enquanto a escuridão reina em casa. Revira os tristes olhos cansados e, com ar de desânimo, levanta da cama expondo parte do seu esquálido corpo. A madrugada foi um desafio. Antes mesmo do raiar, despertou com um inseto negro, que, para ela, tinha o tamanho de
Revolve a roupa espalhada sobre a cômoda e chão, veste as que encontrou mais limpas. Evitando olhar no espelho, prende os cabelos sem pentear em um rabo de cavalo, esconde a cabeça com o gorro do largo moletom e puxa uma bolsa de tecido debaixo de uma pilha de apostilas, cujo tema é odontologia, sem se importar para onde cairiam. Desce as escadas de emergência iluminadas de vão em vão, até deixar o edifício de quitinetes. Então toma caminho para a padaria, na generosa distância de oito quadras. Durante o trajeto, a maioria dos residentes está afora, entre resmungos e queixas. Após três quadras, viu o que seria a imagem da vizinha que se despedia da tia depois de mais uma das suas “curtas” longas conversas de passagem. Em silêncio, seguiram até o destino, juntas. Sobre Danu, paira uma existência misteriosa oculta, que observa a garota alta desde um mundo obscuro, e vez ou outra solta um comentário. —Tanto desejo para ver o que não mais existe. Por ter ignorado por tanto tempo aquele