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III - Fim do Primeiro e Segundo Dia: parte 1

Danu segue emaranhada entre os galhos de uma árvore centenária enquanto cai de ponta-cabeça. Durante a queda, o carrasco do destino não tem pressa, pondo o evento a transcorrer como em câmera lenta. As extremidades, raiz e copa travam vez ou outra entre as frestas das paredes no gargalo do buraco e, assim, reduz a velocidade de queda da árvore, que acaba recostada em equilíbrio na horizontal sobre a ponta mais saliente de uma rocha da parede. A força durante um movimento em gangorra faz com que Danu escorregue sobre o tronco até a frondosa raiz, o que descompensa o peso na outra extremidade. Lado este que começa a inclinar-se para cima. Agarrada às cascas grossas do tronco, rasteja com intenção de regressar até o outro extremo, mas cria uma descompensação do equilíbrio suficiente para que a copa se erga abruptamente, assim, o solavanco arremessa Danu até os galhos, como se a presença da garota fora o mesmo que nada.

Então, a árvore volta a cair, e agora de pé, ela, mais uma vez, se prende onde alcança até que a raiz atinja em cheio e afunda no macio monte de barro no centro ao fundo, o que estabiliza a gigante. O impacto fez tremer toda a estrutura, fazendo a torpe tripulante soltar e atravessar de uma só vez entre os galhos, até que um deles transpasse e enganche por dentro da blusa. Assim, termina o evento pendurada, balançando de um lado ao outro.

Quando abre os olhos, mal consegue realizar uma respiração completa. Sangue escorre por cima de seu nariz até gotejar sobre uma turva poça d’água e entulhos logo abaixo. Pôs a mão sobre a orelha direita e toca em uma lasca de madeira transpassada debaixo do capacete, desata a fivela abaixo do queixo e os deixa cair. Em um claro desconforto, leva as mãos atrás das costas e finalmente percebe estar presa ao galho, agita para soltar-se e cai batendo a cabeça. Então, acaba desacordada.

Quando a chuva cessa, a terra aos poucos assenta e, com isso, pequenos animais e insetos, como podiam e na velocidade que conseguiam, começam a emergir da fresca camada externa que caíra. Movimentando freneticamente as pequenas patas, seguem até as paredes ou levantam voo, como se tivessem um caminho trilhado movidos pela ânsia desesperada para sair fora daquele lugar em debandada. Os que não podem partir imediatamente tratam de se esconder, enterrando-se, encolhendo-se, e ali permanecem, aterrados.

Horas passam com o ir e vir dos raios de sol entre pesadas nuvens cinzentas. Como o dia, a noite adentra tendo como único ruído o lamento do vento. Ela permanece imóvel em decúbito ventral, braços estendidos e metade da face voltada para a lama. Com uma das narinas comprimida, respira em um ressonar suave pela única narina livre.

Em um dado momento, um par de pequenos olhos negros brilhantes saltam das sombras, seguido de muitos outros. Seres que lembram quimeras de insetos agitam as asas sincronicamente em meio a pausas, na busca de se colocarem atentos uns com os outros. Ruidosos, se dividem em grupos, movendo-se unidos como uma sombra. Suas longas e delicadas antenas descobrem uma a uma, cada centímetro das novas fagulhas ao redor. Cada, com suas oito longas e delgadas patas, segue pisando de forma tão sutil que caminha sobre a lama e sobre a água como se lá não estivesse. Vasculha e devorara tudo que encontra entre as pedras, folhas ocres e troncos ocos. Parando vez ou outra para se limpar, esfregando nos salta dos olhos e nas suas presas uma espécie de aro dourado, tal como as algemas de grilhões, que levam postos nas patas dianteiras.

Com a língua pontuda, uma a uma começa a lamber cada gota vermelha que encontra entre a umidade, descobre e devora um dente preso à árvore, drena a poça com o sangue diluído. Até que um deles encontra algo que lhe desperta profundo interesse. Ao subir sobre o corpo desacordado, inicia uma comoção generalizada, enquanto agita as asas, faz vibrar as cerdas de dentro dos inúmeros orifícios sobre o torso negro, chamando a atenção, fazendo que todos os seus iguais se aproximem ao redor.

Então começam a salivar impacientes e famintos. Quando o primeiro glutão morde o banquete, tonteia e cai para trás, o mesmo acontece com outros mais. Até que desistem, como se concordassem que aquilo era resistente demais para ser consumido, e um a um recua até subir ao céu. Restando um único aparentemente imune à droga presente no corpo de Danu, exatamente aquele com uma das antenas partida, que logo segue os demais ao terminar de devorar uma unha que pendia de um dedo da mão.

Após partirem, afora escutou-se o alvoroço de animais e logo o silêncio voltou a dominar a noite. Horas depois, com cascalhos caindo sobre as costas, ela desperta. Vira de lado, tosse lama e a expele pelo nariz, e finalmente apanha fôlego. Ao limpar os olhos, aos poucos percebe estar abaixo de um modesto círculo alaranjado de onde via o vento carregar rodopiantes folhas acima. Então, arregala os olhos, decerto por finalmente perceber o tão profundo havia caído. Passa a mão sobre a têmpora e se dá conta do longo corte horizontal coberto de casca da ferida seca sobre um calombo de onde havia retirado a lasca de madeira. Contusões e ferimentos superficiais cobriam seu corpo, porém, não encontra sangue em suas roupas ou em qualquer outro lugar. Ao erguer o torso, algo lhe incomoda abaixo da têmpora esquerda e, ao passar a mão para coçar, percebe faltar toda a parte superior da cartilagem da orelha. Então congela, morde os lábios e segura um choro.

O motivo? Finalmente observa de perto suas mãos. Com a pele lacerada por inúmeras farpas presas à carne, faz o abrir e fechar parecer dificultoso, e uma de suas unhas havia desaparecido. Entretanto, sua face não demonstrava a dor. Entre os dedos, percebe um espesso muco translúcido, o mesmo presente em formas circulares sobre suas pernas cobrindo hematomas do tamanho da palma de sua mão, tendo ao centro a marca de um corte profundo em forma de “T” recém-cicatrizado.

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