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III - Fim do Primeiro e Segundo Dia: parte 2

Aproxima a mão até a boca, com os lábios, agarra para morder a maior lasca de madeira que lhe transpassava o dedo médio, porém, em um ímpeto, segura a respiração e mete a língua no espaço vazio entre os dentes da arcada superior. Arregala os olhos quando o alcançou com o dedo para confirmar, parece não acreditar que lhe falta um incisivo lateral. Trêmula, respira fundo, encolhendo o corpo em posição fetal. Do jeito que está, a sua maneira, emite um chamado uma e outra vez. Provavelmente aguarda a resposta de seus amigos, em especial, da vizinha. 

Em aparente exaustão, adormece por alguns minutos, escondendo o rosto com as mãos, e sua mente mergulha no vazio profundo, como se a alma saísse do corpo, desistindo de tudo, até que de golpe arregala os olhos e se senta.

Tenta várias vezes agarrar com os dentes a farpa do dedo médio, enfim logra com uma mordida lateral e, com um tremor nervoso nos lábios, acaba puxando o empecilho de uma só vez. Quando o arranca, tinha-lhe um orifício que permite ver do outro lado. Cospe o troço de madeira ao chão e, ao observar suas mãos, parece desacreditada.

Ao comprimir os lábios em sinal de pura frustração, percebe estar presente nos lábios o muco translúcido que cobria a mão, imediatamente o cospe e limpa a boca. Logo começa a se pôr atenta ao mordiscar os lábios e a ponta da língua, tal como se faz após regressar com uma anestesia do dentista.

Com as mãos amparadas sobre o regaço, permanece horas olhando para cima, como que se desviar o olhar um instante a faria perder sua única chance de salvação. Outra parte do tempo, dá voltas sem sair do lugar. Em claro desconforto, evita apoiar por muito tempo em um dos pés ou se mantém sentada. No fim, agacha, balança o corpo de um lado ao outro e aguarda impaciente. Até que abaixa a cabeça entre os joelhos e, por fim, cai aos prantos.

Quando as lágrimas secam, com dificuldade, agarra cascalhos ao chão e os atira para cima, mal alcança a metade da altura para caírem de volta sobre ela. Para e cobre a boca com as mãos, para logo se deitar novamente em posição fetal.

Observa as pequenas pedras que cobrem seu leito, mescladas ao léu como o destino ordenara. Sem mexer mais que a distância do braço, alcança as arredondadas e ordena em classe de cor, tamanho, formato, criando então um padrão decrescente. De alguma maneira, aquilo a faz sorrir.

Com o semblante menos tenso, de ombros encolhidos, blusa rasgada e pele arrepiada, desce dos entulhos. Quando a visão se acostuma com a escuridão, enxerga melhor seu entorno. Está dentro de uma imensa rede de túneis naturais ao lado de uma velha mina. O lugar inóspito faz parecer que se passaram séculos desde que alguém esteve ali. Se abraça e recua até encostar na parede iluminada por um feixe de sol. Nota que, aos poucos, a luminosidade a abandona, estufa o peito corajosa para vista acima e, sem planejar, começa a escalar. A cada meio metro, escorrega da parede de terra úmida até o lamaçal abaixo, então, tenta por outros lados, e tudo dá igual. Em uma última tentativa, finalmente alcança a camada pedrosa da parede, a parede côncava é formada de pedras calcárias que se desfazem entre seus dedos, novamente volta a deslizar até a lama ao fundo.

Quando deu por si, suas mãos sangravam, com os dedos em garra que já não respondem a sua vontade. Assim, finalmente parou.

Acima de um monte de barro e escombros, observa ao redor, só há o escuro. Chama por horas com seu grito afogado, ainda demonstrando esperança de que a ajuda chegue e a tire de dentro do imenso buraco em forma de funil invertido. Até que cada estrela que brota ao céu faz reduzir o ritmo do chamado angustiado, chegando ao ponto em que o silêncio reinou.

Sob a fraca luz da meia-lua, chuta galhos com folhas frescas para um canto até o solo seco, organiza como pode e se deita. Fecha os olhos. O zunido em sua cabeça. Constante como estática elétrica. O silêncio impossível. E, ao fundo, uma voz dizia:

— Conte a eles. Conte a eles.

Passa a noite em claro.

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