POV Abigail.
Trabalhei com afinco, decidida a mostrar para Rafael o meu valor dentro da alcateia. Mesmo a função de uma ômega era importante para o bem-estar de todos. Todos estavam como eu, animados e trabalhando duro, pois viam em Rafael uma nova era para a alcateia Umbra.
Após levar as últimas carcaças para longe do território, fui até um riacho próximo para limpar meus pelos. Olhando meu reflexo, percebi o quão horrível eu estava. Meus longos pelos estavam emaranhados e cobertos por sangue seco e lama, meu corpo era pequeno e magro, por conta da desnutrição que passei desde filhote. Eu sabia que não era atraente para os machos por vários motivos, mas eu também sabia que tinha atributos que se destacavam, como meus olhos de cor dourada. Apenas minha mãe e eu dividimos essa característica, enquanto os demais tinham, em sua grande maioria, olhos verdes ou castanhos.
Sentei-me sobre uma grande pedra, aproveitando os poucos raios de sol para me secar, quando ouvi alguém se aproximando. O cheiro dos machos estava impregnado com algo forte que me deixava um pouco tonta e enjoada. Jason, Benjamim e Marcus apareceram com mais alguns lobos, todos em suas formas humanas e usando roupas estranhas. Sempre me perguntei se aquilo era confortável ou mesmo necessário, mas como os humanos as usavam, todos que desejassem ir até a cidade tinham de usar.
Tentei me esconder, indo para a lateral da rocha, nas sombras, mas eu estava encharcada e meu cheiro acabaria se destacando, especialmente para o caçador mais talentoso da alcateia Umbra. Eles se aproximaram e logo as risadas e piadas pararam, sendo substituídas por risinhos que transbordavam crueldade. Queria evitar aqueles lobos o máximo que pudesse, minha vida já era bem complicada por si.
― Que cheiro podre é esse? ― Jason perguntou com tom de zombaria, fazendo os demais rirem.
― Fede a merda e lixo. ― Marcus completou. Então, bem a minha direita, a sombra de Benjamim me cobriu, seu olhar frio me analisando com cuidado.
― Parece que achei a fonte do mau cheiro. ― Sua mão agarrou a parte de trás do meu pescoço, me arrastando do lugar em que eu estava e me jogando diante dos demais.
Mesmo em suas formas humanas, Benjamim, Jason e Marcus eram fisicamente muito fortes. Seus olhos brilhavam enquanto o poder emanava em ondas de seus corpos, fazendo com que eu me encolhesse rente ao chão. Ao todo, havia pelo menos mais quatro lobos com eles, tornando aquele encontro uma grande desvantagem para mim. Eu era boa em fugir e me esconder, mas acabei me distraindo com meus devaneios.
Um dos lobos que eu não reconheci se abaixou, olhando em meus olhos e sorrindo de lado. Havia malícia em seu olhar, o que me fez tremer com os pensamentos que poderiam estar passando pela mente daquele lobo.
Eu precisava escapar daquela situação, mas estava cercada. Logo, todos haviam retomado suas formas lupinas. As presas protuberantes a mostra, a saliva escorrendo de suas bocas enquanto rosnavam na minha direção. Olhei em pânico ao redor, tentando encontrar uma rota de fuga, mas os machos haviam se fechado em um círculo ao meu redor.
― Me deixem em paz. Não fiz nada de errado. ― Disse tentando manter minha voz firme. Então, senti um forte impacto na lateral do meu corpo que me fez perder o ar.
― Você já está errada apenas por respirar, loba imunda. ― A voz fria de Jason ressoou em meus ouvidos.
O grande lobo de pelagem cinza e branca estava sobre mim, seu olhar frio enquanto analisava meu corpo encolhido no chão lamacento. Sua língua passou por seus dentes, a ameaça clara em seus movimentos ferozes e hostis. Eu não tinha nenhuma chance contra aqueles lobos e sabia que gritar pedindo ajuda também não iria adiantar. Ninguém apareceria em meu auxílio. Benjamim e Marcus tomaram a frente dos demais, que davam risadas de toda aquela situação macabra.
― Sabe, até que quando está limpa, essa loba não é de se jogar fora. ― Benjamim falou com um sorriso de lado. Sua pelagem cinza clara e branca brilhava com os raios de sol que entravam pelas copas das árvores.
Fechei meus olhos com força, implorando pela misericórdia da deusa, por um pequeno milagre que me livrasse de um destino pior do que a morte para muitas lobas. Uma forte pressão tomou o lugar, os lobos rosnaram e pude ouvir seus passos se afastando. Ao abrir meus olhos, um lindo lobo de pelos prateados e brilhantes olhos verdes como esmeraldas surgiu em meio as árvores.
― O que está acontecendo aqui? ― Rafael perguntou com uma foz forte e imponente, olhando para os lobos que ainda me cercavam. Marcus se adiantou, baixando sua cabeça na presença de Rafael.
― Meu alfa. Encontramos a ômega vadiando. Estávamos apenas a advertindo de seus deveres. ― A voz séria de Marcus, era o oposto de como ele havia falado comigo.
― Não é sua função fiscalizar os trabalhos dos lobos da alcateia. ― Senti o olhar de Rafael sobre mim, mas não ousei erguer meus olhos. ― Qual o seu nome, loba?
― Abigail, meu alfa. ― Respondi com a voz baixa, meu corpo trêmulo. Não tive coragem de erguer meus olhos em sua direção, então suas grandes patas surgiram diante de mim.
― Levante-se. ― Ele ordenou, e assim eu o fiz. Meu coração estava acelerado por apenas estar em sua presença. Me sentia nervosa, mas reuni toda a coragem que pude para erguer meu focinho em sua direção.
Assim que meus olhos encontraram os de Rafael, todo o meu corpo tremeu, se aquecendo e vibrando. Meus pelos se arrepiaram e então uma voz baixa sussurrou ao meu ouvido, melodiosa e gentil.
“Você encontrou o seu destino.”
Suspirei e não consegui esconder a minha felicidade, já Rafael tinha um olhar de surpresa que se tornou frio como o gelo logo em seguida. Todos estavam calados, o ambiente estava tenso por alguma razão, mas eu não conseguia pensar em nada além de que eu seria a loba mais feliz de todo o mundo, pois havia encontrado o meu predestinado, e ele era o lobo que eu sempre amei.
POV AbigailPor mais que estivesse feliz, sentia uma barreira entre mim e Rafael. Minha cauda não parava de abanar enquanto o silêncio prolongava. Os lobos ao nosso redor estavam tensos, olhando para Rafael, esperando alguma palavra dele. Eu também estava.Conseguia entender o choque do Rafael, afinal ninguém espera ter seu destino ligado a uma loba ômega, mas o lobo por quem me apaixonei era justo e gentil, ele jamais olharia para um lobo e julgaria por sua casta, mas sim por seu real valor. ― Rafael. ― Marcus se aproximou de Rafael, o surpreendendo. Os pelos cinza de Rafael se eriçaram e um rosnado baixo ecoou pela floresta, como um aviso silencioso.― Vamos voltar. ― Rafael disse se virando, sem olhar uma segunda vez para mim. O medo me dominou por um momento e antes que pudesse me deter, saltei na frente dele o olhando diretamente e sentindo mais uma vez a forte conexão de destino que nos ligava.― Meu alfa, perdoe a minha ousadia, mas eu gostaria de solicitar um momento…― Saia.
POV AbigailTentei encontrar com Rafael no dia seguinte, mas ele havia partido para uma reunião com a aliança das alcateias. Sem um alfa supremo, as relações entre os alfas estava ficando cada vez mais tensa. Ragnar era o mais cotado, mas sua morte surpreendeu a todos e deixou uma grande dúvida sobre o futuro da aliança. Eu preferi me manter a margem, escondida de todos, afinal Rafael ainda não havia oficializado nada e eu não tinha o direito de falar pelo alfa. Mantive minha rotina e suportei os maus tratos dos lobos. Fui até o rio após cumprir meus deveres, em um local mais escondido e longe do caminho que alguns lobos pudessem tomar. Lavei meu pelo o melhor que consegui, afinal a futura companheira do alfa não podia ser vista suja. Aquele pensamento me fez pular na água, espalhando gotas por todos os lados enquanto eu dava gritinhos de alegria.― Eu serei a companheira do Rafael. Minha deusa! ― Continuei pulando feliz, até que ouvi passos se aproximando.Diferente da outra vez, nã
POV AbigailPassei aquela manhã me arrastando pela margem do rio. A dor por todo o meu corpo, até mesmo por dentro, era horrível. Me arrastei pela margem do riacho, até um trecho que eu sabia ser mais raso e tranquilo. Tentei me erguer, mas minha pata traseira direita estava quebrada, eu gemia e chorrava baixinho, com medo de que alguém pudesse me ouvir.Entrei no riacho e segui por ele, subindo até um grande lago. O sol estava alto, o calor e a fome já se tornando insuportáveis, mas eu não podia parar. Meu cheiro estava muito forte por conta do sangue e do abuso que sofri. Me sentia suja, então deitei na água corrente, deixando que o fluxo da água levasse tudo para longe. Acabei adormecendo e acordei com o anoitecer.O calor deu lugar ao frio, meus pelos encharcados e pesados dificultaram um pouco minha movimentação. Pelo menos o sangramento havia parado. Manquei para fora do riacho e entrei na floresta. Eu conhecia bem aquela região e logo encontrei uma pequena toca onde poderia me
POV AbigailMinhas patas batiam com força contra a terra seca da floresta, poeira subindo cada vez que eu deslizava, escapando de um ataque lateral. Ainda sentia muitas dores por todo o meu corpo, mas não podia me dar ao luxo de parar de correr, ou seria morta pelos lobos da alcateia Umbra, o lugar que um dia chamei de lar.Estava ficando mais difícil respirar, minhas costelas ainda doíam muito e tive medo que um movimento mais repentino pudesse causar algo mais sério. Os uivos e risadas ecoavam pela mata enquanto eu era caçada, mas nenhum deles conhecia aquela floresta como eu. Mesmo ferida, eu ainda tinha várias coisas ao meu favor e usei todas elas para me manter viva.Umbra fazia fronteira com outra grande alcateia, a Rivermoon. Maior em território e força, Umbra nunca teve o poder de ir contra o alfa da alcateia vizinha, mantendo assim a política do bom vizinho e respeitando as fronteiras, mas havia uma área neutra que poucos conheciam. Aquele lugar era utilizado para os descarte
POV FelixNão fazia ideia de onde aquele cachorro tinha aparecido, quando percebi já era tarde e não tinha mais como desviar dele. Tinha acabado de pegar minha moto no concerto e já estava destruída novamente. Minha vontade era chutar aquela bosta de cachorro, mas quando olhei com mais atenção percebi que se tratava de um lobo, uma loba para ser mais exato. Aproximei meu rosto de seu focinho, sentindo a respiração fraca.― Ei, loba. Você está viva? ― Não tive nenhuma resposta. Os batimentos estavam cada vez mais fracos e, mesmo que eu não quisesse me envolver com a merda de uma errante, não podia apenas ignora-lá.Peguei meu celular e mandei algumas mensagens, mas não tinha tempo para esperar uma resposta. Levantei minha moto, confirmando que tudo estava funcionando, então peguei a loba e tentei imaginar a melhor forma de colocá-la na minha moto. ― Que merda. ― Coloquei a loba no chão, tirei minha jaqueta e a vesti na loba, prendendo suas patas com cuidado. Depois de acomodar a gran
POV AbigailAchei que a morte seria silenciosa e tranquila, mas os barulhos ao meu redor estavam me perturbando, sem falar pelas dores que estavam por todo o meu corpo. Abri meus olhos lentamente, diante de mim estavam duas pessoas vestindo roupas azuis. A luz branca era muito incômoda, e grunhi com o desconforto, voltando a fechar meus olhos. Tentei me mover, mas algo prendia minha pata. Logo várias pessoas, todas com as mesmas roupas, estavam ao meu redor, falando alto, escrevendo em pranchetas e apertando botões aleatórios em máquinas.― Verifiquem os sinais vitais, administrem a medicação e chamem o médico responsável pelo caso. ― A voz de uma mulher distribuia ordens com firmeza.O cheiro de gesso misturado com o característico odor de hospital estava incomodando meu nariz. Escondi meu focinho embaixo da pata, tentando amenizar o mal-estar que sentia e tentei abrir os meus olhos novamente.Uma mulher de azul estava ao meu lado e pude ver a última pessoa saindo pela porta. O cheir
POV AbigailA cada passo sentia minhas patas tremerem. O beta ia à frente enquanto outro lobo nos seguia de perto. Não podia julgá-los, afinal eu era uma desconhecida em seu território indo me encontrar com seu alfa. Respirei fundo e mantive meu focinho erguido. Não queria mais passar a imagem de uma loba estúpida e fraca, como eu era antes, eu queria que o alfa me visse como alguém útil e me recebesse em sua alcateia.Quando chegamos mais perto, as grandes portas de madeira clara se abriram e um enorme espaço aberto se revelou. Aquele lugar se parecia mais com uma caverna gigantesca do que com uma casa. Pelas minhas contas, pelo menos quinze lobos conseguiriam viver com conforto naquele lugar. Estava tão encantada com tudo que o beta precisou chamar a minha atenção para voltar a segui-lo pelo labirinto de corredores e portas, até que paramos diante de uma porta inteiramente preta. Até mesmo os puxadores eram preto.― Meu alfa. ― O beta chamou, dando uma batida na porta, então ele a a
POV AbigailNão gostei nem um pouco da forma como aquele lobo estava me tratando, mas eu tinha noção de que não podia reclamar de nada. Além de me ajudar, ele estava disposto a me acolher, a única coisa que estava me deixando preocupada, era o que ele planejava fazer comigo. ― Se me permite perguntar, meu alfa. ― Disse em um tom baixo, mas mantendo meu focinho erguido.― Não permito. ― Felix respondeu, voltando para sua mesa elegante de madeira. ― A partir de amanhã você vai começar o tratamento, preciso de você curada e saudável o mais rápido possível.Engoli em seco, pois sabia que não conseguiria levar a minha mentira por muito tempo quando um médico me examinasse mais de perto. Nem mesmo os planos do alfa salvariam a minha vida por mentir. Respirei fundo, juntando toda a coragem do meu corpo.― Meu alfa… tem algo que preciso contar. ― Felix arqueou a sobrancelha, aumentando a tensão que eu já estava sentindo. ― Eu não consigo assumir a minha forma humana.― Um filhote consegue as