POV Abigail
Passei aquela manhã me arrastando pela margem do rio. A dor por todo o meu corpo, até mesmo por dentro, era horrível. Me arrastei pela margem do riacho, até um trecho que eu sabia ser mais raso e tranquilo. Tentei me erguer, mas minha pata traseira direita estava quebrada, eu gemia e chorrava baixinho, com medo de que alguém pudesse me ouvir.
Entrei no riacho e segui por ele, subindo até um grande lago. O sol estava alto, o calor e a fome já se tornando insuportáveis, mas eu não podia parar. Meu cheiro estava muito forte por conta do sangue e do abuso que sofri. Me sentia suja, então deitei na água corrente, deixando que o fluxo da água levasse tudo para longe. Acabei adormecendo e acordei com o anoitecer.
O calor deu lugar ao frio, meus pelos encharcados e pesados dificultaram um pouco minha movimentação. Pelo menos o sangramento havia parado. Manquei para fora do riacho e entrei na floresta. Eu conhecia bem aquela região e logo encontrei uma pequena toca onde poderia me esconder até estar curada da maior parte das feridas. Me cobri com folhas e musgos úmidos, tentando camuflar meu cheio o máximo possível. Se aqueles três realmente fossem atrás de mim, logo iriam me procurar.
― Minha deusa, eu não suporto mais. Se for para sofrer assim, me deixe ficar ao lado da minha mãe. ― Chorei baixinho até dormir.
O calor do sol me despertou. Sai da toca e olhei em volta, buscando qualquer vestígio de que alguém tivesse passado por aquela área, mas não encontrei nada. Voltei caminhando até o território da alcateia, onde uma grande festa parecia estar acontecendo. Caminhei entre os lobos, que me olhavam com um misto de choque e terror. Imaginava que minha aparência deveria estar terrível, mas eu já não me importava com nada e nem com ninguém.
No centro da praça estavam Rafael e seus três cachorros, ao lado deles estavam algumas lobas. Todos estavam em suas formas humanas e vestindo roupas claras e elegantes. Assim que me viram, não expressaram nenhuma emoção. Parei diante deles, Evangeline com seu longo cabelo vermelho, tentava esconder seu sorriso com a mão.
― O que faz aqui, traidora? ― As palavras de Rafael foram apenas mais uma das muitas facadas que recebi. Ergui meu rosto, a fúria já me consumindo.
― Eu vim para assumir o meu lugar ao seu lado, como sua predestinada. ― Os murmurinhos se espalharam. Rafael já não conseguia mais sustentar o sorriso falso e nem seus soldadinhos.
― Minha predestinada. ― A voz fria e tomada de ironia fez meu sangue ferver, mas eu não tinha forças para nada. ― Acha mesmo que eu aceitaria uma loba que se deita com outros, uma loba suja como você?
― Como é? ― Questionei, meu peito rasgando com o choro que estava contendo.
A dor daquela traição, de todos os anos que cultivei um sentimento tão forte, pela felicidade destruída ao descobrir a verdade sobre o lobo diante de mim. Rafael não era o lobo gentil que todos acreditavam, ele não era diferente daqueles que o cercavam e bajulavam.
― Um dos guardas te viu fugindo no meio da noite. Mesmo que a deusa tenha nos unido, não posso aceitar uma loba libertina como você.
― Libertina?! Eu fui me encontrar com você. Me enviou um bilhete para que eu o encontrasse no riacho. ― Disse sob os olhares julgadores de todos, a raiva crescendo cada vez mais.
― Por acaso esse tal bilhete tem a assinatura do alfa? ― Marcus questionou com um tom sério.
― Assinatura? Claro que não.
― Então está dizendo que recebeu um suporto bilhete do alfa, mas foi pega saindo do território sozinha e voltando apenas agora. ― Marcus continuou me pressionando e eu não tinha como me defender. Ninguém falaria a meu favor, ninguém se levantaria contra o alfa e seus lobos de confiança a favor de uma ômega.
― Eu sou a sua destinada, a deusa nos uniu. ― Disse com a voz chorosa, olhando para Rafael, que não demonstrou nenhum sentimento em seus olhos.
― Eu, Rafael Angenna, alfa da alcateia Umbra, rejeito você, Abigail Fear como minha companheira. Você não é digna de ser a luna, não é digna de permanecer nessa alcateia.
O peso daquelas palavras me atingiu, meu peito se rasgou em uma dor devastadora. Aquela rejeição ia além de toda a dor que eu já havia sentido. Em segundos eu estava cercada. Lobos e lobas rosnando na minha direção, suas longas presas expostas, aguardando o comando do seu líder. Olhei uma última vez para Rafael, que tomou Evangeline em seus braços e a beijou com desejo.
De repente, eu já não conseguia sentir mais nada. Todo o meu corpo ficou dormente, as lágrimas já não me deixavam enxergar claramente e minhas patas já não suportavam mais o peso que se acumulava sobre mim. Fui quebrada de várias formas, as lembranças de minha mãe sendo humilhada por Ragnar e outros lobos da Umbra, e mesmo depois ela vinha com um sorriso caloroso para que eu não me preocupasse, me protegendo dos horrores daquele mundo. Naquele momento compreendi uma pequena parcela do que minha mãe foi obrigada a suportar até o dia de sua execução injusta.
Ergui meu focinho, buscando dentro de mim as últimas forças que me restavam e me coloquei em uma posição defensiva. Rafael deu um sorriso sombrio de lado, seus olhos verdes eram frios e perversos. Com a mão erguida, ele sinalizou, autorizando o ataque da alcateia contra mim.
POV AbigailMinhas patas batiam com força contra a terra seca da floresta, poeira subindo cada vez que eu deslizava, escapando de um ataque lateral. Ainda sentia muitas dores por todo o meu corpo, mas não podia me dar ao luxo de parar de correr, ou seria morta pelos lobos da alcateia Umbra, o lugar que um dia chamei de lar.Estava ficando mais difícil respirar, minhas costelas ainda doíam muito e tive medo que um movimento mais repentino pudesse causar algo mais sério. Os uivos e risadas ecoavam pela mata enquanto eu era caçada, mas nenhum deles conhecia aquela floresta como eu. Mesmo ferida, eu ainda tinha várias coisas ao meu favor e usei todas elas para me manter viva.Umbra fazia fronteira com outra grande alcateia, a Rivermoon. Maior em território e força, Umbra nunca teve o poder de ir contra o alfa da alcateia vizinha, mantendo assim a política do bom vizinho e respeitando as fronteiras, mas havia uma área neutra que poucos conheciam. Aquele lugar era utilizado para os descarte
POV FelixNão fazia ideia de onde aquele cachorro tinha aparecido, quando percebi já era tarde e não tinha mais como desviar dele. Tinha acabado de pegar minha moto no concerto e já estava destruída novamente. Minha vontade era chutar aquela bosta de cachorro, mas quando olhei com mais atenção percebi que se tratava de um lobo, uma loba para ser mais exato. Aproximei meu rosto de seu focinho, sentindo a respiração fraca.― Ei, loba. Você está viva? ― Não tive nenhuma resposta. Os batimentos estavam cada vez mais fracos e, mesmo que eu não quisesse me envolver com a merda de uma errante, não podia apenas ignora-lá.Peguei meu celular e mandei algumas mensagens, mas não tinha tempo para esperar uma resposta. Levantei minha moto, confirmando que tudo estava funcionando, então peguei a loba e tentei imaginar a melhor forma de colocá-la na minha moto. ― Que merda. ― Coloquei a loba no chão, tirei minha jaqueta e a vesti na loba, prendendo suas patas com cuidado. Depois de acomodar a gran
POV AbigailAchei que a morte seria silenciosa e tranquila, mas os barulhos ao meu redor estavam me perturbando, sem falar pelas dores que estavam por todo o meu corpo. Abri meus olhos lentamente, diante de mim estavam duas pessoas vestindo roupas azuis. A luz branca era muito incômoda, e grunhi com o desconforto, voltando a fechar meus olhos. Tentei me mover, mas algo prendia minha pata. Logo várias pessoas, todas com as mesmas roupas, estavam ao meu redor, falando alto, escrevendo em pranchetas e apertando botões aleatórios em máquinas.― Verifiquem os sinais vitais, administrem a medicação e chamem o médico responsável pelo caso. ― A voz de uma mulher distribuia ordens com firmeza.O cheiro de gesso misturado com o característico odor de hospital estava incomodando meu nariz. Escondi meu focinho embaixo da pata, tentando amenizar o mal-estar que sentia e tentei abrir os meus olhos novamente.Uma mulher de azul estava ao meu lado e pude ver a última pessoa saindo pela porta. O cheir
POV AbigailA cada passo sentia minhas patas tremerem. O beta ia à frente enquanto outro lobo nos seguia de perto. Não podia julgá-los, afinal eu era uma desconhecida em seu território indo me encontrar com seu alfa. Respirei fundo e mantive meu focinho erguido. Não queria mais passar a imagem de uma loba estúpida e fraca, como eu era antes, eu queria que o alfa me visse como alguém útil e me recebesse em sua alcateia.Quando chegamos mais perto, as grandes portas de madeira clara se abriram e um enorme espaço aberto se revelou. Aquele lugar se parecia mais com uma caverna gigantesca do que com uma casa. Pelas minhas contas, pelo menos quinze lobos conseguiriam viver com conforto naquele lugar. Estava tão encantada com tudo que o beta precisou chamar a minha atenção para voltar a segui-lo pelo labirinto de corredores e portas, até que paramos diante de uma porta inteiramente preta. Até mesmo os puxadores eram preto.― Meu alfa. ― O beta chamou, dando uma batida na porta, então ele a a
POV AbigailNão gostei nem um pouco da forma como aquele lobo estava me tratando, mas eu tinha noção de que não podia reclamar de nada. Além de me ajudar, ele estava disposto a me acolher, a única coisa que estava me deixando preocupada, era o que ele planejava fazer comigo. ― Se me permite perguntar, meu alfa. ― Disse em um tom baixo, mas mantendo meu focinho erguido.― Não permito. ― Felix respondeu, voltando para sua mesa elegante de madeira. ― A partir de amanhã você vai começar o tratamento, preciso de você curada e saudável o mais rápido possível.Engoli em seco, pois sabia que não conseguiria levar a minha mentira por muito tempo quando um médico me examinasse mais de perto. Nem mesmo os planos do alfa salvariam a minha vida por mentir. Respirei fundo, juntando toda a coragem do meu corpo.― Meu alfa… tem algo que preciso contar. ― Felix arqueou a sobrancelha, aumentando a tensão que eu já estava sentindo. ― Eu não consigo assumir a minha forma humana.― Um filhote consegue as
POV AbigailRosnei frustrada, pois Felix estava certo. Ficar me vendo como uma vítima passiva não iria me ajudar, eu tinha que ficar mais forte, mesmo que para alcançar meus objetivos eu tivesse de passar por mais aquela humilhação. Baixei meus olhos e Felix sorriu, soltando a coleira e se afastando.― Agora que nos entendemos, tem mais uma coisa. ― Felix foi novamente para a caixa e pegou novamente a guia, que era da mesma cor da coleira. ― Quando eu tiver de sair da sede da alcateia, por qualquer razão que seja, você virá comigo.― E para que essa guia? ― Perguntei, o fazendo sorrir novamente enquanto ele estalava o couro em suas mãos com um olhar sádico.― Acha mesmo que eu andaria pela cidade com um cachorro fora da guia? Sabe o valor da multa para quem faz isso?Meus pelos se arrepiaram com a ideia de ser vista daquela maneira, por outro lado, também era a única forma de andar pela cidade sem chamar a atenção de outros lobos. Estando com Felix, um alfa tão poderoso, a minha prese
POV AbigailA voz de Felix me deixou nervosa, mas parecia me puxar de volta para a realidade e longe da crise de pânico. Respirei fundo algumas vezes, mas meu corpo continuava a tremer violentamente. Felix se aproximou, mas mantive meus olhos no chão.― Pode ir Henrique, vou assumir daqui. ― Felix falou e não me senti mais tranquila com aquelas palavras.― Tem certeza? ― O beta perguntou, mas a única resposta que ele teve foi o rosnado de aviso vindo do alfa.Os sons de passos se afastando, a pressão da presença de Felix diante de mim, o isolamento da floresta. Tudo aquilo estava me levando ao limite. Eu queria fugir dali antes que ele pudesse me machucar, como aqueles lobos fizeram.― Não ouviu o que eu disse? Mandei vir até aqui. ― Dei um passo cauteloso, depois outro até me aproximar do alfa.Não queria estar naquele lugar, muito menos com um lobo tão forte e desconhecido que poderia me subjugar com facilidade. O alfa apenas continuou me olhando de cima, com suas mãos nos bolsos da
Capítulo 14: O próximo alfa supremoPOV Abigail Voltamos para a sede da alcateia, Felix me guiou por um caminho mais escondido, assim ninguém nos veria chegar em nossas formas lupinas. Enquanto ele ia té um quarto de vestir, eu esperei, sentada sobre minhas patas traseiras, do lado de fora do prédio. O sol já estava alto no céu, calculei que seriam por volta das nove ou dez horas. Minha barriga roncou de fome por ter pulado o café da manhã, mas eu já estava acostumada aquela situação. Apor ta se abriu, Felix saiu do prédio com um terno ajustado, gravata preta e com os cabelos penteados para trás, revelando uma fina mecha prateada em seus cabelos negros. Ele me olhou e sorriu de lado. Aquele sorriso me incomodava, pois fazia meu coração dar um salto todas às vezes. Ouvi um som de clique e quando olhei para cima, Felix estava segurando a guia com firmeza, seu sorriso ainda maior. ― Pronto, agora, sim, podemos ir. ― Felix puxou a guia, quase me fazendo cair. Queria retrucar, queria