Capítulo 6: Expulsem a impura

POV Abigail

Passei aquela manhã me arrastando pela margem do rio. A dor por todo o meu corpo, até mesmo por dentro, era horrível. Me arrastei pela margem do riacho, até um trecho que eu sabia ser mais raso e tranquilo. Tentei me erguer, mas minha pata traseira direita estava quebrada, eu gemia e chorrava baixinho, com medo de que alguém pudesse me ouvir.

Entrei no riacho e segui por ele, subindo até um grande lago. O sol estava alto, o calor e a fome já se tornando insuportáveis, mas eu não podia parar. Meu cheiro estava muito forte por conta do sangue e do abuso que sofri. Me sentia suja, então deitei na água corrente, deixando que o fluxo da água levasse tudo para longe. Acabei adormecendo e acordei com o anoitecer.

O calor deu lugar ao frio, meus pelos encharcados e pesados dificultaram um pouco minha movimentação. Pelo menos o sangramento havia parado. Manquei para fora do riacho e entrei na floresta. Eu conhecia bem aquela região e logo encontrei uma pequena toca onde poderia me esconder até estar curada da maior parte das feridas. Me cobri com folhas e musgos úmidos, tentando camuflar meu cheio o máximo possível. Se aqueles três realmente fossem atrás de mim, logo iriam me procurar.

― Minha deusa, eu não suporto mais. Se for para sofrer assim, me deixe ficar ao lado da minha mãe. ― Chorei baixinho até dormir. 

O calor do sol me despertou. Sai da toca e olhei em volta, buscando qualquer vestígio de que alguém tivesse passado por aquela área, mas não encontrei nada. Voltei caminhando até o território da alcateia, onde uma grande festa parecia estar acontecendo. Caminhei entre os lobos, que me olhavam com um misto de choque e terror. Imaginava que minha aparência deveria estar terrível, mas eu já não me importava com nada e nem com ninguém.

No centro da praça estavam Rafael e seus três cachorros, ao lado deles estavam algumas lobas. Todos estavam em suas formas humanas e vestindo roupas claras e elegantes. Assim que me viram, não expressaram nenhuma emoção. Parei diante deles, Evangeline com seu longo cabelo vermelho, tentava esconder seu sorriso com a mão.

― O que faz aqui, traidora? ― As palavras de Rafael foram apenas mais uma das muitas facadas que recebi. Ergui meu rosto, a fúria já me consumindo.

― Eu vim para assumir o meu lugar ao seu lado, como sua predestinada. ― Os murmurinhos se espalharam. Rafael já não conseguia mais sustentar o sorriso falso e nem seus soldadinhos.

― Minha predestinada. ― A voz fria e tomada de ironia fez meu sangue ferver, mas eu não tinha forças para nada. ― Acha mesmo que eu aceitaria uma loba que se deita com outros, uma loba suja como você?

― Como é? ― Questionei, meu peito rasgando com o choro que estava contendo.

A dor daquela traição, de todos os anos que cultivei um sentimento tão forte, pela felicidade destruída ao descobrir a verdade sobre o lobo diante de mim. Rafael não era o lobo gentil que todos acreditavam, ele não era diferente daqueles que o cercavam e bajulavam. 

― Um dos guardas te viu fugindo no meio da noite. Mesmo que a deusa tenha nos unido, não posso aceitar uma loba libertina como você.

― Libertina?! Eu fui me encontrar com você. Me enviou um bilhete para que eu o encontrasse no riacho. ― Disse sob os olhares julgadores de todos, a raiva crescendo cada vez mais.

― Por acaso esse tal bilhete tem a assinatura do alfa? ― Marcus questionou com um tom sério.

― Assinatura? Claro que não. 

― Então está dizendo que recebeu um suporto bilhete do alfa, mas foi pega saindo do território sozinha e voltando apenas agora. ― Marcus continuou me pressionando e eu não tinha como me defender. Ninguém falaria a meu favor, ninguém se levantaria contra o alfa e seus lobos de confiança a favor de uma ômega.

― Eu sou a sua destinada, a deusa nos uniu. ― Disse com a voz chorosa, olhando para Rafael, que não demonstrou nenhum sentimento em seus olhos.

― Eu, Rafael Angenna, alfa da alcateia Umbra, rejeito você, Abigail Fear como minha companheira. Você não é digna de ser a luna, não é digna de permanecer nessa alcateia.

O peso daquelas palavras me atingiu, meu peito se rasgou em uma dor devastadora. Aquela rejeição ia além de toda a dor que eu já havia sentido. Em segundos eu estava cercada. Lobos e lobas rosnando na minha direção, suas longas presas expostas, aguardando o comando do seu líder. Olhei uma última vez para Rafael, que tomou Evangeline em seus braços e a beijou com desejo. 

De repente, eu já não conseguia sentir mais nada. Todo o meu corpo ficou dormente, as lágrimas já não me deixavam enxergar claramente e minhas patas já não suportavam mais o peso que se acumulava sobre mim. Fui quebrada de várias formas, as lembranças de minha mãe sendo humilhada por Ragnar e outros lobos da Umbra, e mesmo depois ela vinha com um sorriso caloroso para que eu não me preocupasse, me protegendo dos horrores daquele mundo. Naquele momento compreendi uma pequena parcela do que minha mãe foi obrigada a suportar até o dia de sua execução injusta.

Ergui meu focinho, buscando dentro de mim as últimas forças que me restavam e me coloquei em uma posição defensiva. Rafael deu um sorriso sombrio de lado, seus olhos verdes eram frios e perversos. Com a mão erguida, ele sinalizou, autorizando o ataque da alcateia contra mim.

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