POV Abigail
Tentei encontrar com Rafael no dia seguinte, mas ele havia partido para uma reunião com a aliança das alcateias. Sem um alfa supremo, as relações entre os alfas estava ficando cada vez mais tensa. Ragnar era o mais cotado, mas sua morte surpreendeu a todos e deixou uma grande dúvida sobre o futuro da aliança. Eu preferi me manter a margem, escondida de todos, afinal Rafael ainda não havia oficializado nada e eu não tinha o direito de falar pelo alfa. Mantive minha rotina e suportei os maus tratos dos lobos.
Fui até o rio após cumprir meus deveres, em um local mais escondido e longe do caminho que alguns lobos pudessem tomar. Lavei meu pelo o melhor que consegui, afinal a futura companheira do alfa não podia ser vista suja. Aquele pensamento me fez pular na água, espalhando gotas por todos os lados enquanto eu dava gritinhos de alegria.
― Eu serei a companheira do Rafael. Minha deusa! ― Continuei pulando feliz, até que ouvi passos se aproximando.
Diferente da outra vez, não tive nenhuma curiosidade em saber quem estava chegando, apenas comecei a correr o mais rápido que pude para a minha toca e me escondi lá.
Os dias passaram e não tive nenhuma notícia de Rafael. Marcus e Jason foram deixados para cuidar de tudo, enquanto Benjamin acompanhou Rafael até a reunião. Tudo o que eu sabia era devido a ouvir conversas aleatórias aqui e ali. As lobas, em especial, tinham muitas informações pertinentes.
― Aquelas cadelas sem classe estão cercando Rafael como abutres. ― Ouvi uma loba falando enquanto passava por trás de uma loja, recolhendo o lixo. ― As pobres acreditam que tem mesmo chance com o nosso alfa.
― Não é para menos. Rafael é um alfa muito jovem, geralmente o lobo que conquista essa posição já está beirando os cinquenta anos, enquanto Rafael nem chegou aos quarenta.
As lobas suspiravam, pontuando todos os pontos fortes e atrativos de Rafael, que eu já conhecia muito bem. Me afastei, pedindo a deusa que ele voltasse o mais rápido possível para que, finalmente, pudéssemos ficar juntos.
Os dias passaram e fui acordada com batidas na minha toca. Um lobo jovem que eu nunca havia visto antes, com pelos cinzentos desgrenhados, deixou um envelope no chão e saiu correndo, sem dizer nada. Com dificuldade, consegui abrir a carta. Uma linda letra cursiva, escrita com tinta preta, dizia “Me encontre perto do riacho, onde nossos olhares se cruzaram, essa noite.”
Entrei na toca e saltei de felicidade. Finalmente iríamos nos ver e oficializar nosso compromisso, com a benção da Deusa. Aquela noite, a lua cheia brilhava imponente no céu, tornando a atmosfera ao redor mágica. Passei uma das fragrâncias da minha mãe, arrumei meu pelo o melhor que pude e fui em direção ao riacho, tomando cuidado para que ninguém me visse saindo escondida tão tarde.
Estava impossível conter minha animação. Eu pulava de um lado para o outro, pensando em tudo o que eu queria dizer para o Rafael quando o visse. Os arbustos se agitaram, então eu me preparei para o encontro que eu tanto desejei na minha vida. Rafael surgiu, seu pelo cinza ainda mais brilhante naquela noite especial. Dei um passo em sua direção, mas parei ao ver Marcus, Jason e Benjamin surgindo logo em seguida.
― Achei que seríamos apenas você e eu. ― Disse com a voz trêmula, dando um pequeno passo para trás.
Uma risada fria cortou meu coração. Os olhos de Rafael para mim eram frios como o gelo, sua postura, antes relaxada e gentil, agora era a de um predador sanguinário, capaz de dilacerar sem piedade sua vítima. Os outros lobos me cercaram, deixando o riacho turbulento as minhas costas. Eu estava confusa e assustada com tudo aquilo.
― Rafael, eu não… ― Um forte impacto no meu rosto me calou e jogou ao chão. O sabor ferroso do sangue já dominando minha língua.
― Não abra essa boca imunda para dizer o meu nome, ômega. ― Rafael se aproximou, pisando em minha pata dianteira com força e me fazendo gemer de dor. ― Achou mesmo que eu a aceitaria como a minha companheira? Um lixo como você, sem nada para me oferecer além de vergonha? A filha de uma traidora, uma ômega que recolhe lixo, se tornar a luna da maior alcateia da aliança. Que piada de mau gosto a deusa tentou fazer, mas eu não permitirei isso. ― Rafael se afastou, e fui novamente cercada pelos três lobos de sua confiança.
― Espere, por favor. ― Implorei aos prantos, mas tudo o que recebi foi um olhar de repulsa.
― Façam como o combinado. ― Foram as últimas palavras de Rafael antes de partir.
Meu corpo e minha alma foram dilacerados. Começou com os espancamentos, mas em algum momento aquilo não pareceu mais o suficiente para Marcus, que mordeu meu pescoço com força e montou sobre mim. Tentei fugir, me debatia debaixo de seu grande corpo, mas era inútil. Um depois do outro, aqueles três lobos me cobriram, rindo da minha desgraça, zombando e me humilhando de todas as maneiras possíveis. Eu desisti de lutar, já não tinha forças para gemer em meu sofrimento enquanto eles continuavam até o sol romper no horizonte.
― Finalmente achamos algo para o qual você presta. ― Marcus disse então cuspiu no meu rosto.
― Mais tarde voltamos para uma visitinha rápida. ― Jason riu, seguindo Marcus.
Olhei para cima, Benjamin apenas ficou me olhando friamente, deu as costas e partiu com os outros. Fui deixada naquele lugar isolado, onde ninguém poderia me encontrar com feridas profundas por todo o meu corpo. Tudo o que consegui fazer foi virar minha cabeça e tomar um gole de água do riacho, então me encolhi e deixei que as lágrimas lavassem meu rosto, enquanto o sangue continuava a correr de dentro de mim, tingindo de vermelho o riacho.
POV AbigailPassei aquela manhã me arrastando pela margem do rio. A dor por todo o meu corpo, até mesmo por dentro, era horrível. Me arrastei pela margem do riacho, até um trecho que eu sabia ser mais raso e tranquilo. Tentei me erguer, mas minha pata traseira direita estava quebrada, eu gemia e chorrava baixinho, com medo de que alguém pudesse me ouvir.Entrei no riacho e segui por ele, subindo até um grande lago. O sol estava alto, o calor e a fome já se tornando insuportáveis, mas eu não podia parar. Meu cheiro estava muito forte por conta do sangue e do abuso que sofri. Me sentia suja, então deitei na água corrente, deixando que o fluxo da água levasse tudo para longe. Acabei adormecendo e acordei com o anoitecer.O calor deu lugar ao frio, meus pelos encharcados e pesados dificultaram um pouco minha movimentação. Pelo menos o sangramento havia parado. Manquei para fora do riacho e entrei na floresta. Eu conhecia bem aquela região e logo encontrei uma pequena toca onde poderia me
POV AbigailMinhas patas batiam com força contra a terra seca da floresta, poeira subindo cada vez que eu deslizava, escapando de um ataque lateral. Ainda sentia muitas dores por todo o meu corpo, mas não podia me dar ao luxo de parar de correr, ou seria morta pelos lobos da alcateia Umbra, o lugar que um dia chamei de lar.Estava ficando mais difícil respirar, minhas costelas ainda doíam muito e tive medo que um movimento mais repentino pudesse causar algo mais sério. Os uivos e risadas ecoavam pela mata enquanto eu era caçada, mas nenhum deles conhecia aquela floresta como eu. Mesmo ferida, eu ainda tinha várias coisas ao meu favor e usei todas elas para me manter viva.Umbra fazia fronteira com outra grande alcateia, a Rivermoon. Maior em território e força, Umbra nunca teve o poder de ir contra o alfa da alcateia vizinha, mantendo assim a política do bom vizinho e respeitando as fronteiras, mas havia uma área neutra que poucos conheciam. Aquele lugar era utilizado para os descarte
POV FelixNão fazia ideia de onde aquele cachorro tinha aparecido, quando percebi já era tarde e não tinha mais como desviar dele. Tinha acabado de pegar minha moto no concerto e já estava destruída novamente. Minha vontade era chutar aquela bosta de cachorro, mas quando olhei com mais atenção percebi que se tratava de um lobo, uma loba para ser mais exato. Aproximei meu rosto de seu focinho, sentindo a respiração fraca.― Ei, loba. Você está viva? ― Não tive nenhuma resposta. Os batimentos estavam cada vez mais fracos e, mesmo que eu não quisesse me envolver com a merda de uma errante, não podia apenas ignora-lá.Peguei meu celular e mandei algumas mensagens, mas não tinha tempo para esperar uma resposta. Levantei minha moto, confirmando que tudo estava funcionando, então peguei a loba e tentei imaginar a melhor forma de colocá-la na minha moto. ― Que merda. ― Coloquei a loba no chão, tirei minha jaqueta e a vesti na loba, prendendo suas patas com cuidado. Depois de acomodar a gran
POV AbigailAchei que a morte seria silenciosa e tranquila, mas os barulhos ao meu redor estavam me perturbando, sem falar pelas dores que estavam por todo o meu corpo. Abri meus olhos lentamente, diante de mim estavam duas pessoas vestindo roupas azuis. A luz branca era muito incômoda, e grunhi com o desconforto, voltando a fechar meus olhos. Tentei me mover, mas algo prendia minha pata. Logo várias pessoas, todas com as mesmas roupas, estavam ao meu redor, falando alto, escrevendo em pranchetas e apertando botões aleatórios em máquinas.― Verifiquem os sinais vitais, administrem a medicação e chamem o médico responsável pelo caso. ― A voz de uma mulher distribuia ordens com firmeza.O cheiro de gesso misturado com o característico odor de hospital estava incomodando meu nariz. Escondi meu focinho embaixo da pata, tentando amenizar o mal-estar que sentia e tentei abrir os meus olhos novamente.Uma mulher de azul estava ao meu lado e pude ver a última pessoa saindo pela porta. O cheir
POV AbigailA cada passo sentia minhas patas tremerem. O beta ia à frente enquanto outro lobo nos seguia de perto. Não podia julgá-los, afinal eu era uma desconhecida em seu território indo me encontrar com seu alfa. Respirei fundo e mantive meu focinho erguido. Não queria mais passar a imagem de uma loba estúpida e fraca, como eu era antes, eu queria que o alfa me visse como alguém útil e me recebesse em sua alcateia.Quando chegamos mais perto, as grandes portas de madeira clara se abriram e um enorme espaço aberto se revelou. Aquele lugar se parecia mais com uma caverna gigantesca do que com uma casa. Pelas minhas contas, pelo menos quinze lobos conseguiriam viver com conforto naquele lugar. Estava tão encantada com tudo que o beta precisou chamar a minha atenção para voltar a segui-lo pelo labirinto de corredores e portas, até que paramos diante de uma porta inteiramente preta. Até mesmo os puxadores eram preto.― Meu alfa. ― O beta chamou, dando uma batida na porta, então ele a a
POV AbigailNão gostei nem um pouco da forma como aquele lobo estava me tratando, mas eu tinha noção de que não podia reclamar de nada. Além de me ajudar, ele estava disposto a me acolher, a única coisa que estava me deixando preocupada, era o que ele planejava fazer comigo. ― Se me permite perguntar, meu alfa. ― Disse em um tom baixo, mas mantendo meu focinho erguido.― Não permito. ― Felix respondeu, voltando para sua mesa elegante de madeira. ― A partir de amanhã você vai começar o tratamento, preciso de você curada e saudável o mais rápido possível.Engoli em seco, pois sabia que não conseguiria levar a minha mentira por muito tempo quando um médico me examinasse mais de perto. Nem mesmo os planos do alfa salvariam a minha vida por mentir. Respirei fundo, juntando toda a coragem do meu corpo.― Meu alfa… tem algo que preciso contar. ― Felix arqueou a sobrancelha, aumentando a tensão que eu já estava sentindo. ― Eu não consigo assumir a minha forma humana.― Um filhote consegue as
POV AbigailRosnei frustrada, pois Felix estava certo. Ficar me vendo como uma vítima passiva não iria me ajudar, eu tinha que ficar mais forte, mesmo que para alcançar meus objetivos eu tivesse de passar por mais aquela humilhação. Baixei meus olhos e Felix sorriu, soltando a coleira e se afastando.― Agora que nos entendemos, tem mais uma coisa. ― Felix foi novamente para a caixa e pegou novamente a guia, que era da mesma cor da coleira. ― Quando eu tiver de sair da sede da alcateia, por qualquer razão que seja, você virá comigo.― E para que essa guia? ― Perguntei, o fazendo sorrir novamente enquanto ele estalava o couro em suas mãos com um olhar sádico.― Acha mesmo que eu andaria pela cidade com um cachorro fora da guia? Sabe o valor da multa para quem faz isso?Meus pelos se arrepiaram com a ideia de ser vista daquela maneira, por outro lado, também era a única forma de andar pela cidade sem chamar a atenção de outros lobos. Estando com Felix, um alfa tão poderoso, a minha prese
POV AbigailA voz de Felix me deixou nervosa, mas parecia me puxar de volta para a realidade e longe da crise de pânico. Respirei fundo algumas vezes, mas meu corpo continuava a tremer violentamente. Felix se aproximou, mas mantive meus olhos no chão.― Pode ir Henrique, vou assumir daqui. ― Felix falou e não me senti mais tranquila com aquelas palavras.― Tem certeza? ― O beta perguntou, mas a única resposta que ele teve foi o rosnado de aviso vindo do alfa.Os sons de passos se afastando, a pressão da presença de Felix diante de mim, o isolamento da floresta. Tudo aquilo estava me levando ao limite. Eu queria fugir dali antes que ele pudesse me machucar, como aqueles lobos fizeram.― Não ouviu o que eu disse? Mandei vir até aqui. ― Dei um passo cauteloso, depois outro até me aproximar do alfa.Não queria estar naquele lugar, muito menos com um lobo tão forte e desconhecido que poderia me subjugar com facilidade. O alfa apenas continuou me olhando de cima, com suas mãos nos bolsos da