Capítulo 7: Loba perdida

POV Abigail

Minhas patas batiam com força contra a terra seca da floresta, poeira subindo cada vez que eu deslizava, escapando de um ataque lateral. Ainda sentia muitas dores por todo o meu corpo, mas não podia me dar ao luxo de parar de correr, ou seria morta pelos lobos da alcateia Umbra, o lugar que um dia chamei de lar.

Estava ficando mais difícil respirar, minhas costelas ainda doíam muito e tive medo que um movimento mais repentino pudesse causar algo mais sério. Os uivos e risadas ecoavam pela mata enquanto eu era caçada, mas nenhum deles conhecia aquela floresta como eu. Mesmo ferida, eu ainda tinha várias coisas ao meu favor e usei todas elas para me manter viva.

Umbra fazia fronteira com outra grande alcateia, a Rivermoon. Maior em território e força, Umbra nunca teve o poder de ir contra o alfa da alcateia vizinha, mantendo assim a política do bom vizinho e respeitando as fronteiras, mas havia uma área neutra que poucos conheciam. Aquele lugar era utilizado para os descartes e também por jovens mais audaciosos, que desejavam escapar para a cidade sem serem pegos pelos vigias. No geral, aquela área era evitada a todo custo pelos Umbra e era para lá que eu estava correndo naquele momento.

Os sons atrás de mim pareciam mais altos, eu já não conseguia manter o ritmo. Meu corpo estava no seu limite.

― Apenas desista, lixo! ― Um lobo gritou ao longe.

― Sabe que não tem para onde ir e nem se esconder. ― Outro lobo, esse um pouco mais perto, gritou, dando uma gargalhada no final.

Todos uivaram, então eu consegui ver. Era uma marca discreta, mas o cheiro de aviso era claro como o dia. Enquanto eu continuei a correr, pude ouvir os rosnados de irritação crescerem. Logo eu estava cercada pelo silêncio da floresta, desabando sobre uma pilha de carcaças em putrefação.

― Pelo menos está no seu lugar agora. ― Ouvi uma voz horrivelmente familiar. ― Se eu sentir seu cheiro nojento no território, farei questão de ser o primeiro a aproveitar cada pedacinho seu antes de te executar. ― Jason rosnou e pude ver suas costas, o pelo cinza e branco, característicos dos lobos da Umbra, se afastando e desaparecendo entre as árvores.

Após aquele dia, perambulei  pelas cidades humanas, comendo lixo e bebendo água da chuva e de poças. Aquela vida miserável estava longe de ser a que eu havia sonhado quando me vi companheira de Rafael. Por várias vezes fui pega desprevenida e sofri com a violência dos humanos, mas tentei me manter vida como pude. Eu caminhava com a cauda e as orelhas baixas, apenas me arrastando com o mínimo de energia para não desmaiar. Quando sentia o cheiro de grupos de lobos, me escondia no meio do lixo, para camuflar meu odor. Era humilhante e degradante, porém as escolhas que tinha eram me esconder, ou ser morta.

Encontrei um restaurante próximo à estrada principal, o cheiro da comida era incrível e minha barriga roncava pela falta de alimentos a dias. Meu corpo estava tão magro que eu seria facilmente confundida com um cão de rua. Assim que encontrei a lixeira nos fundo, comecei a trabalhar rápido, em busca de qualquer coisa que pudesse comer. Os sons de risadas chamou a minha atenção, então o cheiro de Rafael me atingiu, fazendo meu coração se dilacerar e meu corpo tremer.

Deixei tudo para trás e fui ao encontro do cheiro que um dia eu amei. Ele estava com Evangeline, ambos com roupas deslumbrantes, rodeados por outros lobos e lobas, que riam e se divertiam. O contraste daquela situação era patético. Eu era patética. Coloquei aquele lobo em um pedestal, inalcançável e perfeito demais para mim. Fiquei deslumbrada por sua beleza e pela máscara que ele usava, então o sonho da criança rejeitada tinha se tornado real, como em um conto de fadas. Voltei para o beco ao lado do restaurante e me sentei sobre as patas traseiras, apenas escutando a felicidade para a qual eu não havia sido destinada a viver.

― Porque, minha deusa? Por que me castigou de uma forma tão cruel? O que fiz para merecer viver esse inferno? ― Chorei baixinho em meu desespero solitário.

A rua estava movimentada naquela noite e vi ali uma saída para toda a dor que eu vinha sofrendo durante a minha vida. Sem um pai, uma mãe assassinada, rebaixada a uma ômega, servindo e limpando por toda a minha vida aqueles cuja casta era superior à minha. Vivendo uma fantasia infantil e tola até ser quebrada sem piedade por aquele que era o foco de toda a minha afeição.

Caminhei lentamente, arrastando minhas patas enquanto o som dos veículos ficava mais alto. Minha cabeça se mantinha baixa, meu focinho quase tocando o asfalto preto até que parei e me sentei, esperando pela libertação que tanto desejava. 

Som de freios. Um forte impacto atingindo a lateral do meu corpo e então o contato com o asfalto duro um, duas, três vezes, até que finalmente eu parei. Meu corpo começou a ficar frio, a dor já não existia mais, apenas uma sensação de leveza e libertação. Uma figura escura se aproximou, parecia dizer algo, mas eu não compreendia. O cheiro de um lobo, o poder crescendo e tornando aquele momento tão maravilhoso em algo desconfortável. 

Senti meu corpo sendo erguido com cuidado, uma vos baixa falando em minha orelha dizia para eu ser forte, mas eu não queria. Antes que eu pudesse erguer meu olhar e ver o rosto de quem me carregava com tanto cuidado, minha visão escureceu e eu abracei com carinho a inconsciência.

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