POV Abigail
Minhas patas batiam com força contra a terra seca da floresta, poeira subindo cada vez que eu deslizava, escapando de um ataque lateral. Ainda sentia muitas dores por todo o meu corpo, mas não podia me dar ao luxo de parar de correr, ou seria morta pelos lobos da alcateia Umbra, o lugar que um dia chamei de lar.
Estava ficando mais difícil respirar, minhas costelas ainda doíam muito e tive medo que um movimento mais repentino pudesse causar algo mais sério. Os uivos e risadas ecoavam pela mata enquanto eu era caçada, mas nenhum deles conhecia aquela floresta como eu. Mesmo ferida, eu ainda tinha várias coisas ao meu favor e usei todas elas para me manter viva.
Umbra fazia fronteira com outra grande alcateia, a Rivermoon. Maior em território e força, Umbra nunca teve o poder de ir contra o alfa da alcateia vizinha, mantendo assim a política do bom vizinho e respeitando as fronteiras, mas havia uma área neutra que poucos conheciam. Aquele lugar era utilizado para os descartes e também por jovens mais audaciosos, que desejavam escapar para a cidade sem serem pegos pelos vigias. No geral, aquela área era evitada a todo custo pelos Umbra e era para lá que eu estava correndo naquele momento.
Os sons atrás de mim pareciam mais altos, eu já não conseguia manter o ritmo. Meu corpo estava no seu limite.
― Apenas desista, lixo! ― Um lobo gritou ao longe.
― Sabe que não tem para onde ir e nem se esconder. ― Outro lobo, esse um pouco mais perto, gritou, dando uma gargalhada no final.
Todos uivaram, então eu consegui ver. Era uma marca discreta, mas o cheiro de aviso era claro como o dia. Enquanto eu continuei a correr, pude ouvir os rosnados de irritação crescerem. Logo eu estava cercada pelo silêncio da floresta, desabando sobre uma pilha de carcaças em putrefação.
― Pelo menos está no seu lugar agora. ― Ouvi uma voz horrivelmente familiar. ― Se eu sentir seu cheiro nojento no território, farei questão de ser o primeiro a aproveitar cada pedacinho seu antes de te executar. ― Jason rosnou e pude ver suas costas, o pelo cinza e branco, característicos dos lobos da Umbra, se afastando e desaparecendo entre as árvores.
Após aquele dia, perambulei pelas cidades humanas, comendo lixo e bebendo água da chuva e de poças. Aquela vida miserável estava longe de ser a que eu havia sonhado quando me vi companheira de Rafael. Por várias vezes fui pega desprevenida e sofri com a violência dos humanos, mas tentei me manter vida como pude. Eu caminhava com a cauda e as orelhas baixas, apenas me arrastando com o mínimo de energia para não desmaiar. Quando sentia o cheiro de grupos de lobos, me escondia no meio do lixo, para camuflar meu odor. Era humilhante e degradante, porém as escolhas que tinha eram me esconder, ou ser morta.
Encontrei um restaurante próximo à estrada principal, o cheiro da comida era incrível e minha barriga roncava pela falta de alimentos a dias. Meu corpo estava tão magro que eu seria facilmente confundida com um cão de rua. Assim que encontrei a lixeira nos fundo, comecei a trabalhar rápido, em busca de qualquer coisa que pudesse comer. Os sons de risadas chamou a minha atenção, então o cheiro de Rafael me atingiu, fazendo meu coração se dilacerar e meu corpo tremer.
Deixei tudo para trás e fui ao encontro do cheiro que um dia eu amei. Ele estava com Evangeline, ambos com roupas deslumbrantes, rodeados por outros lobos e lobas, que riam e se divertiam. O contraste daquela situação era patético. Eu era patética. Coloquei aquele lobo em um pedestal, inalcançável e perfeito demais para mim. Fiquei deslumbrada por sua beleza e pela máscara que ele usava, então o sonho da criança rejeitada tinha se tornado real, como em um conto de fadas. Voltei para o beco ao lado do restaurante e me sentei sobre as patas traseiras, apenas escutando a felicidade para a qual eu não havia sido destinada a viver.
― Porque, minha deusa? Por que me castigou de uma forma tão cruel? O que fiz para merecer viver esse inferno? ― Chorei baixinho em meu desespero solitário.
A rua estava movimentada naquela noite e vi ali uma saída para toda a dor que eu vinha sofrendo durante a minha vida. Sem um pai, uma mãe assassinada, rebaixada a uma ômega, servindo e limpando por toda a minha vida aqueles cuja casta era superior à minha. Vivendo uma fantasia infantil e tola até ser quebrada sem piedade por aquele que era o foco de toda a minha afeição.
Caminhei lentamente, arrastando minhas patas enquanto o som dos veículos ficava mais alto. Minha cabeça se mantinha baixa, meu focinho quase tocando o asfalto preto até que parei e me sentei, esperando pela libertação que tanto desejava.
Som de freios. Um forte impacto atingindo a lateral do meu corpo e então o contato com o asfalto duro um, duas, três vezes, até que finalmente eu parei. Meu corpo começou a ficar frio, a dor já não existia mais, apenas uma sensação de leveza e libertação. Uma figura escura se aproximou, parecia dizer algo, mas eu não compreendia. O cheiro de um lobo, o poder crescendo e tornando aquele momento tão maravilhoso em algo desconfortável.
Senti meu corpo sendo erguido com cuidado, uma vos baixa falando em minha orelha dizia para eu ser forte, mas eu não queria. Antes que eu pudesse erguer meu olhar e ver o rosto de quem me carregava com tanto cuidado, minha visão escureceu e eu abracei com carinho a inconsciência.
POV FelixNão fazia ideia de onde aquele cachorro tinha aparecido, quando percebi já era tarde e não tinha mais como desviar dele. Tinha acabado de pegar minha moto no concerto e já estava destruída novamente. Minha vontade era chutar aquela bosta de cachorro, mas quando olhei com mais atenção percebi que se tratava de um lobo, uma loba para ser mais exato. Aproximei meu rosto de seu focinho, sentindo a respiração fraca.― Ei, loba. Você está viva? ― Não tive nenhuma resposta. Os batimentos estavam cada vez mais fracos e, mesmo que eu não quisesse me envolver com a merda de uma errante, não podia apenas ignora-lá.Peguei meu celular e mandei algumas mensagens, mas não tinha tempo para esperar uma resposta. Levantei minha moto, confirmando que tudo estava funcionando, então peguei a loba e tentei imaginar a melhor forma de colocá-la na minha moto. ― Que merda. ― Coloquei a loba no chão, tirei minha jaqueta e a vesti na loba, prendendo suas patas com cuidado. Depois de acomodar a gran
POV AbigailAchei que a morte seria silenciosa e tranquila, mas os barulhos ao meu redor estavam me perturbando, sem falar pelas dores que estavam por todo o meu corpo. Abri meus olhos lentamente, diante de mim estavam duas pessoas vestindo roupas azuis. A luz branca era muito incômoda, e grunhi com o desconforto, voltando a fechar meus olhos. Tentei me mover, mas algo prendia minha pata. Logo várias pessoas, todas com as mesmas roupas, estavam ao meu redor, falando alto, escrevendo em pranchetas e apertando botões aleatórios em máquinas.― Verifiquem os sinais vitais, administrem a medicação e chamem o médico responsável pelo caso. ― A voz de uma mulher distribuia ordens com firmeza.O cheiro de gesso misturado com o característico odor de hospital estava incomodando meu nariz. Escondi meu focinho embaixo da pata, tentando amenizar o mal-estar que sentia e tentei abrir os meus olhos novamente.Uma mulher de azul estava ao meu lado e pude ver a última pessoa saindo pela porta. O cheir
POV AbigailA cada passo sentia minhas patas tremerem. O beta ia à frente enquanto outro lobo nos seguia de perto. Não podia julgá-los, afinal eu era uma desconhecida em seu território indo me encontrar com seu alfa. Respirei fundo e mantive meu focinho erguido. Não queria mais passar a imagem de uma loba estúpida e fraca, como eu era antes, eu queria que o alfa me visse como alguém útil e me recebesse em sua alcateia.Quando chegamos mais perto, as grandes portas de madeira clara se abriram e um enorme espaço aberto se revelou. Aquele lugar se parecia mais com uma caverna gigantesca do que com uma casa. Pelas minhas contas, pelo menos quinze lobos conseguiriam viver com conforto naquele lugar. Estava tão encantada com tudo que o beta precisou chamar a minha atenção para voltar a segui-lo pelo labirinto de corredores e portas, até que paramos diante de uma porta inteiramente preta. Até mesmo os puxadores eram preto.― Meu alfa. ― O beta chamou, dando uma batida na porta, então ele a a
POV AbigailNão gostei nem um pouco da forma como aquele lobo estava me tratando, mas eu tinha noção de que não podia reclamar de nada. Além de me ajudar, ele estava disposto a me acolher, a única coisa que estava me deixando preocupada, era o que ele planejava fazer comigo. ― Se me permite perguntar, meu alfa. ― Disse em um tom baixo, mas mantendo meu focinho erguido.― Não permito. ― Felix respondeu, voltando para sua mesa elegante de madeira. ― A partir de amanhã você vai começar o tratamento, preciso de você curada e saudável o mais rápido possível.Engoli em seco, pois sabia que não conseguiria levar a minha mentira por muito tempo quando um médico me examinasse mais de perto. Nem mesmo os planos do alfa salvariam a minha vida por mentir. Respirei fundo, juntando toda a coragem do meu corpo.― Meu alfa… tem algo que preciso contar. ― Felix arqueou a sobrancelha, aumentando a tensão que eu já estava sentindo. ― Eu não consigo assumir a minha forma humana.― Um filhote consegue as
POV AbigailRosnei frustrada, pois Felix estava certo. Ficar me vendo como uma vítima passiva não iria me ajudar, eu tinha que ficar mais forte, mesmo que para alcançar meus objetivos eu tivesse de passar por mais aquela humilhação. Baixei meus olhos e Felix sorriu, soltando a coleira e se afastando.― Agora que nos entendemos, tem mais uma coisa. ― Felix foi novamente para a caixa e pegou novamente a guia, que era da mesma cor da coleira. ― Quando eu tiver de sair da sede da alcateia, por qualquer razão que seja, você virá comigo.― E para que essa guia? ― Perguntei, o fazendo sorrir novamente enquanto ele estalava o couro em suas mãos com um olhar sádico.― Acha mesmo que eu andaria pela cidade com um cachorro fora da guia? Sabe o valor da multa para quem faz isso?Meus pelos se arrepiaram com a ideia de ser vista daquela maneira, por outro lado, também era a única forma de andar pela cidade sem chamar a atenção de outros lobos. Estando com Felix, um alfa tão poderoso, a minha prese
POV AbigailA voz de Felix me deixou nervosa, mas parecia me puxar de volta para a realidade e longe da crise de pânico. Respirei fundo algumas vezes, mas meu corpo continuava a tremer violentamente. Felix se aproximou, mas mantive meus olhos no chão.― Pode ir Henrique, vou assumir daqui. ― Felix falou e não me senti mais tranquila com aquelas palavras.― Tem certeza? ― O beta perguntou, mas a única resposta que ele teve foi o rosnado de aviso vindo do alfa.Os sons de passos se afastando, a pressão da presença de Felix diante de mim, o isolamento da floresta. Tudo aquilo estava me levando ao limite. Eu queria fugir dali antes que ele pudesse me machucar, como aqueles lobos fizeram.― Não ouviu o que eu disse? Mandei vir até aqui. ― Dei um passo cauteloso, depois outro até me aproximar do alfa.Não queria estar naquele lugar, muito menos com um lobo tão forte e desconhecido que poderia me subjugar com facilidade. O alfa apenas continuou me olhando de cima, com suas mãos nos bolsos da
Capítulo 14: O próximo alfa supremoPOV Abigail Voltamos para a sede da alcateia, Felix me guiou por um caminho mais escondido, assim ninguém nos veria chegar em nossas formas lupinas. Enquanto ele ia té um quarto de vestir, eu esperei, sentada sobre minhas patas traseiras, do lado de fora do prédio. O sol já estava alto no céu, calculei que seriam por volta das nove ou dez horas. Minha barriga roncou de fome por ter pulado o café da manhã, mas eu já estava acostumada aquela situação. Apor ta se abriu, Felix saiu do prédio com um terno ajustado, gravata preta e com os cabelos penteados para trás, revelando uma fina mecha prateada em seus cabelos negros. Ele me olhou e sorriu de lado. Aquele sorriso me incomodava, pois fazia meu coração dar um salto todas às vezes. Ouvi um som de clique e quando olhei para cima, Felix estava segurando a guia com firmeza, seu sorriso ainda maior. ― Pronto, agora, sim, podemos ir. ― Felix puxou a guia, quase me fazendo cair. Queria retrucar, queria
POV Abigail Esperei para que Felix me contasse mais, explicando o meu papel em seus planos, mas ele apenas ficou me encarando por mais algum tempo antes de voltar para a sua mesa e se entreter com seus papéis e um estranho aparelho sobre a sua mesa, muito parecido com o menor que ele e o beta usavam o tempo inteiro. Me aproximei e ele me olhou com curiosidade. ― O que tenho de fazer, qual é o meu papel em seus planos, meu alfa. ― Felix reclinou em sua cadeira, cruzando as longas pernas e jogando a cabeça de lado, me medindo com atenção. ― Primeiro você precisa aprender a mudar para a sua forma humana, do contrário será inútil para mim e terei de me livrar de você. ― Suas palavras eram um aviso claro de que eu não poderia me deixar acomodar em nenhum momento. ― Tem uma sala aqui do lado, você ficará lá treinando enquanto estivermos aqui. ― Felix apontou para a pequena porta e não disse mais nada. Sabia que fazer mais perguntas seria perigoso, então me dirigi para a tal sala, empurr