Capítulo 03

            Centro de Minerva...

        Dentro dos muros de Minerva, havia uma capela oferecida à deusa Nara, esta política de disponibilizar um pequeno santuário a deusa da cidade vizinha surgiu aproximadamente cem anos depois da grande ruptura.

        Há mais de quatro séculos quando algumas famílias vassalas da família Castlen, revoltadas com a política de escravidão e os constantes sacrifícios humanos à deusa Minerva resolveram lançar-se ao mar para encontrar outro lugar onde pudessem viver conforme seus ditames.

        Certos de que eles não teriam outra opção senão voltar, o lorde regente de Minerva não se opôs a sua partida.

        Após dias à deriva em alto mar, já contando a morte como certa, deu-se uma tempestade que arremessou os barcos contra as costas de outra ilha salvando quase todos os que saíram de Minerva. 

        Os sobreviventes vagaram durante uma semana por uma ilha devastada e deserta, até que encontraram uma imensa rocha de cristal transparente e dentro dessa rocha de forma que qualquer um pudesse ler flutuava um pergaminho onde dizia:

       “Sou Nara, irmã de Minerva, eu guiei seus barcos até essa ilha, onde poderão esconder-se da fúria de minha irmã. Construam sua cidade aos pés desta rocha e minha irmã saberá que estão sobre minha proteção.”

       Aos pés daquela pedra foi construída a cidade que mais tarde seria capital do novo reino humano, a cidade de Nara assim chamada em homenagem à deusa que os acolhera.

       A família que comandou a fuga foi também a que assumiu o governo de Nara, chamava-se família Carrano.

      Depois de quase cem anos de constantes hostilidades os dois reinos chegaram à conclusão de que poderiam viver em paz inclusive se ajudando mutuamente, desde que cada reino respeitasse o jeito de ser do outro.

     Como prova de boa vontade, cada reino ergueu uma capela em homenagem a deusa do reino aliado, para que os visitantes pudessem praticar sua fé mesmo longe de casa.

     Nada disto, no entanto, passava pela mente de Joctã Blaster quando este se esgueirou pelos edifícios da cidade de forma a não ser visto.

     Ele precisava chegar à capela de Nara antes que os outros sumo-sacerdotes dessem por sua falta, Joctã era o mais jovem dos sumos - sacerdotes de Minerva, por isso sua opinião quase não era aceita pelos outros dois.

      Desde que assumira como sumo-sacerdote, Joctã percebera que Harã não gostava da sua pessoa, nunca dava atenção às suas opiniões e nunca perdia uma chance de ridicularizá-lo.

      Com o tempo aprendera a ignorar o colega de oficio, o que aparentemente só fizera aumentar o seu rancor.

      Na noite em que a criatura chegara a cidade, Joctã tivera um sonho, que acreditara ser uma mensagem da própria da própria deusa, onde ela o instruía a proteger a criatura que naufragaria nas costas da sua cidade.

      O sacerdote, no entanto, sabia que não adiantaria contar para seus colegas sobre o sonho que tivera com o monstro, pois ambos já haviam decidido que ele deveria ser executado.

     Joctã sabia que a muito a ambição e a arrogância os haviam cegado para que não enxergassem a vontade de Minerva.

     O padre adentrou a pequena capela e avistou seu amigo Mirles, um sacerdote da deusa Nara, arrumando o altar para a cerimônia da tarde.

      Assim que o viu, o amigo veio são seu encontro com um sorriso nos lábios:

      - Joctã, que visita inesperada! A que devo esta honra? -disse Mirles

     -Mirles, meu amigo, preciso que me ajude em algo muito complicado- Joctã foi logo dizendo.

     - Do que se trata? - Indagou Mirles a medida que o sorriso fugia-lhe do rosto.

     - Soubeste da criatura encontrada na praia? -Perguntou Joctã após certificar-se de que ambos estavam sozinhos.

     - O monstro profano? Soube que será executado amanhã ao pôr do sol - respondeu Mirles.

     -Não podemos permitir que isto aconteça, precisamos salvá-lo- avisou Joctã sem rodeios.

     -Mas eu não entendo, por quê?

     -Porque está é a vontade de Minerva! - Declarou Joctã com convicção.

                                                              ***

            Masmorras da Ordem sacerdotal de Minerva...

      Mirles adentrou o buraco lúgubre que Joctã chamou de masmorra, nunca havia estado ali, sua autorização para transitar dentro de Minerva restringia-se da capela de Nara até sua residência, uma pequena casa paroquial, cedida pela família Castlen no centro da cidade.

      Apesar da aparente trégua entre Nara e Minerva, a liberdade religiosa ainda era um sonho impossível.

      Os Minervino eram um povo desconfiado e preconceituoso que não gostava de ver seus valores e crenças contestados, assim a simples existência de uma capela em honra a Nara em território Minervino representava uma vitória da fé e da diplomacia, principalmente depois da última guerra.

     Este conflito durara mais de quarenta anos e arrebatara milhares de vidas tanto de uma cidade quanto da outra, a chuva de sangue só tiveram fim quando o avô de Mousame assinara com o pai do atual regente de Nara um tratado de paz que incluía entre outras clausulas a reconstrução dos respectivos santuários em cada cidade, bem como o envio de um representante de cada fé para reconstruir o culto á suas divindades.

      Fora assim que Mirles acabara indo para na cidade vizinha e apesar das restrições impostas por sua situação de imigrante, ele não tinha de fato do que se queixar.

      Nada lhe faltava e era tratado por todos com decoro e respeito embora soubesse que por suas costas era visto com antagonismo.

      Sabia da importância de sua missão, levar a fé de Nara até os incrédulos, fora isto que o tirara de sua casa e o fizera atravessar o mar, mas não era uma missão fácil, os minervianos sequer reconheciam a existência da pequena capela.

     Durante os dois anos que ali vivera como representante de Nara, Mirles nunca tivera uma oportunidade real de falar de sua deusa para as famílias minervianas, a capela era visitada exclusivamente por narianos que visitavam Minerva para fazer negócios.

     Enquanto em Nara a capela em homenagem a Minerva chegava a ser visitada por uma pequena parcela da população, em Minerva não havia nenhum interesse em cultuar sua irmã.

      Contudo Mirles acreditava que realizava um trabalho importante, gostava de representar um porto seguro para os poucos fiéis que o procuravam, almas atribuladas e distantes de casa que buscavam no amor de sua deusa uma forma de vencer a solidão.

      E era este fato que fazia com que Mirles não visse com bons olhos o pedido de Joctã, intervir numa questão religiosa local seria um completo suicídio diplomático.

      Lorde Mousame sentenciara a criatura a execução e não havia nada que Mirles ou qualquer outra pessoa pudesse fazer para salvá-lo, o sonho que Joctã tivera não mudaria nada, a fera já estava condenada.

      O que provavelmente seria o melhor para todos, uma fera deste porte não deveria viver, era muito perigoso, apesar de suas convicções Mirles devia um favor a Joctã que o salvara no passado de um incidente que poderia ter causando-lhe a morte e obviamente não podia negar-se a ajudá-lo.

     Por isso concordara em ir com ele para ver o monstro, ele havia sido preso nas catacumbas que ficavam abaixo da mansão paroquial, sede da ordem sacerdotal de Minerva, onde deveria ficar até o pôr do sol do outro dia quando seria executado.

      O objetivo de Mirles era ir até o local e então após ver o terrível monstro assegurar a Joctã que nada poderia ser feito e que ele deveria se conformar com o triste fim da criatura, mas não contava com o que viu quando chegou lá.

      Era um monstro de tamanho e formas imponentes, acorrentado a parede por correntes extremamente grossas, e cercado por uma jaula de barras de ferro muito resistente.

      A criatura jazia caída ao chão exausta e encharcada numa poça de seu próprio sangue, era um imenso homem do pescoço para baixo algo em torno de dois metros de altura, mas tinha a cabeça de um touro com chifres grande o suficiente para abri um homem ao meio.

    - Aqui está ele - disse Joctã - preciso de sua ajuda.

     Mirles aproximou-se da grade, a criatura não se mexeu apenas olhou para ele com os olhos suplicantes e suspirou, ele esperava encontrar um monstro cruel e violento, uma terrível aberração, no entanto o que viu foi um uma criatura assustada, ferida, incapaz de machucar alguém.

      A fera ergueu os olhos para ele e o sacerdote conseguiu ver a dor em seus olhos, era uma dor tão intensa que o comoveu profundamente, aquele ser era diferente, ele não era um monstro não merecia morrer daquele jeito, o amor de Nara falou-lhe ao coração naquele momento e ele soube o que tinha de fazer.

     -Diga o que você pretende fazer - pediu Mirles penalizado.

        

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