Masmorras da ordem sacerdotal de Minerva...
A noite findava envolta num frio intimidante, dois guardas protegiam a entrada das catacumbas do pasto comunal. O pasto era uma imensa propriedade territorial que pertencia a ordem sacerdotal de Minerva e que era também onde ficavam as masmorras da cidade.
Essas enormes grutas haviam sido transformadas em prisões onde costumavam colocar os criminosos condenados pela deusa.
As masmorras eram protegidas pela guarda sacerdotal, um grupo de guerreiros de elite que serviam aos sumo-sacerdotes.
Naquela noite, eles deveriam se revezar na guarda da infame criatura que seria sacrificada no outro dia.
Os guardas na verdade estavam tranquilos pois julgavam impossível que alguém tivesse coragem de invadir o pasto comunal, ainda mais para resgatar um monstro.
Estavam conversando distraidamente e não viram quando duas sombras se aproximaram no horizonte.
Eram dois homens, vestidos de roupa sacerdotal com os rostos cobertos por capuzes, sobre as roupas típicas de religiosos eles usavam casacos que ajudavam a combater o frio, aproximavam-se cautelosos da entrada da gruta.
Joctã Blaster olhou para seu amigo, era um homem na casa dos quarenta anos, cabelos e olhos castanhos, magro e alto, um tanto desengonçado, de queixo protuberante e nariz adunco. Apesar da aparência comum, seus olhos demonstravam uma firmeza de caráter inabalável.
Joctã, no entanto, não era um homem comum, embora tivesse aproximadamente a mesma idade do amigo, ele possuía um corpo musculoso e bem proporcionado mais condizente com a imagem de um guerreiro do que a de um padre. Era o mais jovem e mais belo dos sumo-sacerdotes, onde passava as mulheres costumavam ficar fascinadas com seus cabelos castanhos encaracolados e seus olhos cor de esmeralda.
O sumo-sacerdote, no entanto, parecia indiferente aos olhares de desejo que o perseguiam, vivia apenas para sua fé, seus filhos e a lembrança de sua finada esposa.
Estava longe de ser considerado um homem valente, se lhe perguntassem de onde tirara coragem para fazer o que faria naquela noite ele responderia que com certeza viera de Minerva.
Sua devoção a mãe da humanidade era incontestável, tanto que lhe rendera a posição mais alta de sua igreja. Sempre soubera que Minerva tinha uma missão em sua vida e quando tivera aquele sonho e avistara o Minotauro pela primeira vez soubera com certeza que à hora de realizar os desejs de sua adorada deusa havia chegado.
Esperara pacientemente pela noite, pois seria mais fácil penetrar nas catacumbas com Harã dormindo.
O líder da ordem sacerdotal de Minerva, o mais antigo dos sumo-sacerdotes, herdeiro do clã Parã, um clã separado para o serviço da deusa desde os fundamentos da cidade, era também um homem frio e dominador que gostava de manter seu controle e influencia a todo custo.
Por isso, Joctã sabia que Harã nunca lhe daria atenção, sua única chance era tirar o minotauro daquelas masmorras e para isso arquitetara um plano perigoso, onde qualquer deslize poderia custar-lhe a vida.
Mirles escutou suas explicações com cautela, enquanto aguardavam em seus aposentos no pasto comunal, pela proteção da madrugada.
Quando o relógio marcou três horas, esgueirara-se para fora da mansão usando algumas passagens ocultas conhecidas apenas pelos sumo-sacerdotes.
Uma dessas passagens levou-os diretamente para um alçapão que desembocava num túnel que os conduziria até a entrada das masmorras de Minerva.
Seguiram pelo túnel iluminando seu caminho com um archote, um ou outro morcego fugiu assustado abandonado o ninho sobre suas cabeças, andavam em silêncio, compenetrados no que teriam que realizar.
Chegaram ao fim do túnel e subiram por uma escada velha e enferrujada presa a parede, que os conduziu de volta para a superfície.
De onde estavam ocultos atrás de alguns carvalhos podiam entrever, os guardas conversando displicentemente na entrada da caverna.
Aproximaram-se furtivamente para não acordar as outras sentinelas que dormiam.
Quando os guardas o viram curvaram-se respeitosamente e um deles disse num tom baixo.
-Senhor, que bom que chegou, estava preocupado com vossa demora.
-Não tenha preocupações, Dalson, estamos aqui conforme o combinado - disse Joctã no mesmo tom de sussurro - Fez o que eu lhe pedi?
-Sim, senhor pode ficar tranquilo, os guardas não deverão acordar antes do amanhecer.
Joctã era versado na arte do herbalismo, sabendo que não conseguiria tirar o minotauro daquele lugar com os servos leais de Harã no seu encalço, substituiu dois dos homens do sumo-sacerdotes por seus criados fiéis e os instruiu a misturar uma substância sonífera na bebida dos guardas durante o jantar.
Seguiram para dentro das masmorras, por intermédio de um corredor repleto de celas, algumas delas ocupadas outras vazias, as pessoas presas ali em sua maioria eram ladrões e assassinos que aguardavam julgamento, alguns batiam com as canecas nas grades, implorando por água outros dormiam profundamente.
A cela onde colocaram o Minotauro ficava bem fundo nas catacumbas. Na verdade, era outra caverna incorporada a principal, dentro dela uma imensa jaula de ferro havia sido erguida para conter a besta, que se encontrava acorrentada e ferida.
Os dois guardas que deviam proteger a oferenda divina jaziam adormecidos próximos a uma pilastra.
O minotauro ergueu a vista quando a luz do archote iluminou a escuridão que o rodeava, mais humanos? Pensou abatido, será que nunca iam deixá-lo em paz? Moveu-se por instinto espremendo-se contra a parede num ato de defesa.
Um dos guardas que acompanhavam Joctã adiantou-se e abriu a grade dando ao sacerdote livre acesso a Isfahan.
- Tome cuidado, senhor - pediu o guardião.
-Não tema, Dalson, a deusa está conosco - respondeu Joctã com firmeza entrando na jaula.
Mirles o seguiu em silêncio. Joctã avançou em direção da fera, mentalmente pedia à deusa sabedoria para lidar com ele.
-Meu nome é Joctã - disse apontando para o próprio peito - Você precisa vim comigo.
Isfahan tentou dizer que não estava entendendo mais a única coisa que conseguiu foi emitir um som gutural que fez o outro padre recuar assustado.
As duas sentinelas que acompanhavam Joctã posicionaram-se em sua defesa levando as mãos às armas, mas o sacerdote que não se movera um centímetro, fez um gesto com a mão para contê-los.
-Está tudo bem - reforçou Joctã e virando-se para o minotauro falou pausadamente - Não tenha medo, nós somos amigos.
Isfahan queria comunicar-se com o homem, dizer que não era seu inimigo, que não iria machucá-lo, mas sua impotência acabou por deixá-lo muito agitado.
A fera rosnava e gesticulava, mas não avançava em direção ao homem.
-Senhor, tenha cuidado! Ele está ficando irritado - aconselhou um dos guardas.
-Está tudo bem, Dalson, ele não vai me machucar.
Sem desviar os olhos de Isfahan, Joctã prosseguiu:
-Você não está seguro aqui, Minerva me enviou para ajudá-lo. De todo o discurso, Isfahan foi capaz de discernir uma única palavra: “Minerva”.
Aquele homem vinha em nome de Minerva, suas preces tinham sido ouvidas, a deusa o enviara para ajudá-lo, procurou acalmar-se.
Joctã percebeu que a criatura o compreendera, embora não soubesse o quanto.
-Se você é capaz de me entender balance a cabeça - pediu-lhe reproduzindo um sinal afirmativo.
Isfahan o imitou, Joctã aproximou-se das correntes que o prendiam e disse para o guarda soltá-lo sem desviar os olhos.
-Senhor tem certeza? - Perguntou o homem chamado Dalson.
-Abra de uma vez - ordenou o clérigo.
Dalson foi até as correntes, enfiou a mão no bolso tirando um molho de chaves e abriu cada um dos cadeados que mantinham Isfahan aprisionado.
Durante todo o tempo, o minotauro não se moveu e continuou olhando para o homem, um laço de confiança começava a se estabelecer entre eles.
Uma vez livre das correntes, Isfahan permaneceu parado sem saber como agir, Joctã disse pausadamente:
-Vamos tirar você daqui, venha comigo.
Mesmo sem entender o que ele dizia Isfahan o seguiu, se ele era realmente um enviado de Minerva poderia ser sua última chance de escapar dali com vida.
Isfahan não era tolo, embora não compreendesse a linguagem humana era bem capaz de discernir as feições de ódio, medo e nojo que lhe lançavam, ele havia matado vários humanos, fora para salvar sua vida, mesmo assim eles não o perdoariam, sabia que era só uma questão de tempo até que o matassem.
Aquele homem, no entanto, o olhava com respeito, sem medo, sem repulsa, olhava-o como um igual.
Mirles seguia Joctã assombrado, ele conseguira se comunicar com a fera, ela o estava obedecendo, se aquilo não era desígnio divino, ele não saberia dizer o que era. O tal minotauro parecia confiar nele e não demonstrava agressividade, apesar dos vários ferimentos movia-se com firmeza.
Eles seguiram de volta para o corredor quando ouviram o sibilar de um sino ao longe
-Desgraçado! - Exclamou Dalson projetando-se em direção ao som.
-Espere Dalson - pediu Joctã.
-Ele vai avisar o pasto em minutos isso aqui estará cheio de soldados - alertou Dalson.
-O que vai fazer? - Indagou o sacerdote.
-Vou matá-lo - rugiu o soldado.
-Você não pode... - atalhou Mirles sendo cortado pelo guerreiro.
-É ele ou todos nós.
Nas masmorras da ordem sacerdotal de Minerva... Dalson correu até a bifurcação central da prisão era lá que ficava o sino de prata que servia como alarme contra a fuga de prisioneiros, em poucos segundos as outras sentinelas despertariam e começariam a tocar seus respectivos sinos em resposta ao pedido de socorro do guarda, seria uma questão de minutos até Harã saber do ocorrido e enviar todas suas tropas para masmorra. Dalson não podia permitir que aquilo acontecesse, pois frustraria definitivamente os planos de seu senhor. O guerreiro acreditava em Joctã Blaster tinha plena convicção de que ele era um santo escolhido pela própria deusa para levar ao mundo sua vontade, por isso o seguira naquela empreitada mesmo contrariando todo o bom senso. Se Minerva realmente falava com o padre, coisa na qual Dalson apostaria a sua vida, então ela mostraria uma forma de se realizar aquela missão por mais suicida que fosse, era naquilo que o guerreiro
Nas masmorras da ordem sacerdotal de Minerva... Dalson corria freneticamente arrastando consigo o amigo ferido, atrás deles vinham Joctã, Mirles e Isfahan. Ao longe já se ouvia o ressoar dos inúmeros sinos que havia no pasto convocando os guerreiros, era apenas uma questão de tempo até encontrarem seu rastro e por isso ele precisava colocar o máximo de distância possível entre ele e seus perseguidores. O subterrâneo era um intricado de cavernas, um imenso labirinto para aqueles que desconheciam seus segredos, para Dalson, no entanto era sua segunda casa, entrou por uma intersecção, avançou numa espécie de corredor até desembocar noutra gruta. Esta estava ligada a uma bifurcação em cruz, escolheu o caminho da esquerda e prosseguiu avançando cada vez mais para dentro da terra, o solo descia como se fosse uma rampa de barro, as paredes se estreitavam, o ar se tornava rarefeito, os archotes na sua maioria apagados deixavam o ambiente numa penumbra mórbida. Isfah
Nas masmorras da ordem sacerdotal de Minerva... A explosão comprometeu toda a estrutura do túnel, o barulho foi inimaginável quase ensurdeceu Isfahan, o fogo alastrou-se rapidamente lambendo tudo ao seu alcance, o calor queimava, a fumaça sufocava, o cheiro de pólvora mesclou-se ao pouco de ar que ainda havia. Dalson e os outros humanos prenderam a respiração e continuaram a correr naquele breu, somente o som dos passos era seu guia. Continuaram sempre em frente, tateando, escorregando, mas sempre seguindo em frente. Dalson guiava o grupo, mas seu cérebro sem ar, sufocado pela fumaça começava a pregar-lhe peças, felizmente após uma curva encontraram um archote reluzindo, o guerreiro arrancou da parede e pode iluminar o caminho, em sua frente estendia-se uma bifurcação com três prováveis saídas, ele seguiu o do meio. Correram por túneis, grutas sem parar sequer para respirar, passando por várias curvas e bifurcações chegaram pôr fim a o
Litoral de Minerva... Dalson olhou para baixo sem acreditar, o Minotauro os levara a uma provável saída, mas não a que ele procurava. Mirles deixou-se cai junto ao paredão insuflando os pulmões de ar puro enquanto Joctã tentava dialogar com uma fera em pânico. Isfahan, passado o surto inicial, voltara correndo para a segurança do túnel. Seus olhos esbugalhados demonstravam seu pânico, o coração parecia querer saltar pela boca. Por mais que o sacerdote tentasse explicar que estava em segurança a fera parecia não conseguir ouvi-lo, tamanho era seu pavor. -Não adianta insistir com ele, padre - disse Dalson voltando-se para Joctã - Ele deve ser como os bois que enlouquecem quando são tirados do chão. -O que faremos agora? - indagou Mirles juntando-se ao grupo. -Temos que sair daqui - disse Dalson - Os soldados de Harã conhecem as catacumbas tão bem quanto eu e não vão demorar a perceber que estamos tentando chegar à praia, logo eles darão a volta por terra e n
Mar de Minerva... Mirles segurou-se no corrimão para não escorregar, o barco balançava incessantemente, reiniciou a descida com cuidado, fora muito difícil conseguir um comerciante nariano disposto a contrabandear o minotauro para fora de Minerva. Todos tinham muito medo da criatura, a aparência assustadora do minotauro não permitia a mais ninguém ver o que Mirles fora capaz de ver, uma alma boa, assustada, indefesa. Depois de horas de negociação e duma considerável soma em dinheiro que Joctã Blaster pagou sem titubear o negócio foi selado.O minotauro foi colocado no porão ainda preso a correntes muito grossas uma das condições imposta pelo capitão do navio. O padre Mirles era o único com autorização para descer até lá, não que a proibição fosse necessária os outros marinheiros estavam assustados demais para chegar perto do porão. O pequeno barco seguiu viagem, pesado e lento, estava com o porão abarrotado de frut
Cidade de Nara - Castelo Caarano... As ondas batiam contra o casco violentamente, Ulisses tentava manter o barco firme mais era uma proeza além dos seus conhecimentos de marujo. Os marinheiros corriam atemorizados, o cheiro da morte impregnava o ar, chocavam-se em desespero à medida que o barco os sacudia de um lado para o outro. De repente um rochedo apareceu em sua frente, tentou desviar, mas o barco parecia ser puxado em sua direção por uma força superior. O desastre era iminente, os gritos de surpresa e terror cortavam o ar, mas de repente estancaram frente à magnífica visão que se formou diante de seus olhos. Ela era sem dúvida alguma um ser divino, a mulher mais linda que
Porto de Nara... O barco entrou no porto suavemente, o grito do capitão dando ordens varria o espaço, era um frenesi enlouquecedor de mercadorias sendo desembarcadas, Mirles postou-se ao lado do engradado de ferro no qual convencera Isfahan a entrar. Os carregadores olhavam com desconfiança para a caixa de metal que continha uma fera jamais vista naqueles mares. Isfahan ficou quieto sem demonstrar nenhuma atitude que pudesse ser encarada como agressão. Mirles olhava para além do porto como que buscando uma inspiração. A Cidade de Nara era a segunda maior metrópole humana, fundada numa ilha que ficava á quase um mês de viagem daquela onde ficava a cida
Castelo Caarano... Foi assim que Isfahan o Minotauro acabou acolhido em Nara no seio da família Caarano. Ulisses recebeu Isfahan em sua casa contra vontade de sua esposa que tinha medo da fera. Um antigo calabouço que ficava por baixo do castelo foi desativado limpo e mobiliado para servir de quarto para o minotauro e também de sala de aula. Era lá que o clérigo Mirles se dedicava a ensinar a Isfahan a linguagem, história e cultura das civilizações humanas. Mas a fera parecia ser inapta a falar o idioma humano, por mais que o religioso se esforçar-se não conseguia arrancar sequer uma palavra do minotauro. Virgínia, filha mais velha de Ulisses estava fascinada com o minotauro, a criatura embora lhe despertasse medo atiçava sua curiosidade.&n