Quando eu soube da gestação, eu quis desistir da vida. Pensava em suicídio 24 horas por dia, entrei numa depressão profunda a ponto de tomar três garrafas de café por dia, e pasmem, sou alérgica a cafeína.
Eu não tinha coragem de amarrar uma corda em pescoço e me enforcar, nem mesmo pular nas profundezas de um rio, morrer afogado deve ser agonizante. Eu pensava em me jogar na frente de um carro, mas se tudo desse errado e então eu não viesse a falecer, ficaria vegetando sob um colchão d'água.Então eu tomava café, até onde eu podia, sei que logo me daria um choque anafilático, eu não correria para o hospital, e sabia que logo poderia ter um infarto do coração ou do cérebro, aí chegaria o fim de todo meu sofrimento.Mas essa minha ideia não deu muito certo, pois minha avó percebeu e constatou meu pai, que contou que eu era alérgica a cafeína e fez com que jogasse até mesmo a garrafa fora.Eu carregava um bebê dentro de mim, um bebê o qual eu nunca poderia amar, por ser fruto do pior dia da minha vida. Eu tampouco sabia quem era o pai.O aborto nunca foi uma opção, pois ia contra todos meus ensinamentos dentro da casa do Senhor. Mas eu entregaria ele assim que nascesse, não queria essa criança, e não tinha estruturas psicológicas para criá-la. Minha avó me obrigava a fazer o pré-natal, e quando a barriga foi crescendo, tudo piorou.A virgem que apareceu grávida sem nem saber quem é o pai, cômico, se não fosse trágico. Esse foi o assunto, logo após ter vazado o vídeo íntimo em que fui violentada, toda faculdade sabia, e os comentários não foram diferentes dos homens que abusaram de mim."Aquela carinha de santa, não enganava ninguém.""A saia abaixo do joelho era pra esconder o fogo no rabo."Entre outros comentários que me fizeram chegar no subsolo do fundo do poço que eu já me encontrava.Eu não quis saber o sexo, só queria que a criança nascesse logo e eu pudesse sofrer sozinha novamente, e não com um bebê chorando 24 horas em meu ouvido.Assinei toda uma papelada para a entrega da criança a um orfanato, o conselho tutelar estava presente no dia.O parto foi normal, sofri por horas até o bebê nascer.— É uma menina! — afirmou o médico. — Coloque-a no peito da mãe!A enfermeira foi tão ágil, que não tive tempo de dizer que não queria nem olhar o rosto daquele bebê.Colocou-a sob meu peito, enrolada em um pano azul celeste. Ela não chorava, piscava os olhinhos olhando nos fundos dos meus olhos, como se pudesse enxergar a podridão que estava minha alma.Sua mão incrivelmente tocou meu rosto, e todos na sala de parto pararam para observar a cena. Senti uma paz espiritual tão grande, que era como se todas coisas ruins que tinha me acontecido nos últimos tempos, haviam sido apagadas com só um toque.— Eu quero ficar com ela! — falei sem nempensar duas vezes — Por favor, eu mudei de ideia. Quero ficar com ela! — implorava encarando o olhar da conselheira presente, que me olhava confusa com a decisão repentina.Naquele momento eu já sabia que não seria fácil voltar atrás de uma decisão judicial. Fiquei meses longe da minha filha, tive que fazer terapia e acompanhamento com psicólogos para saber se estava apta a ser mãe.Uma luta incansável, quando ela voltou para meus braços, já estava com seus 4 meses. Ela nem me conhecia. As primeiras noites foram uma provação, era um choro constante até se adaptar ao seu novo lar.Frida!Foi o nome que escolhi para ela, pacifica, aquela que trás paz. Ela foi minha paz entre tantos caos.Troquei de faculdade, nunca mais tive contato com minha mãe, meu pai que vez ou outra aparecia na casa da minha vó pra tentar fazer a média de que não tinha abandonado sua filha. Mas com a chegada de Frida, suas visitas começaram a ser constantes. Eu não me importava com sua presença, pois sabia que ele amava Frida tanto quanto eu. Minha vó sempre me ajudou com ela, olhava para eu ir a faculdade, e até mesmo ser caixa num mercado no pé do morro.Essa era minha rotina, trabalho, faculdade e casa pra cuidar da minha filha. Cansativo, mas toda luta tem recompensas e a minha estava prestes a chegar.Estou no final da faculdade, e me colocaram para advogar através de um estágio, em um caso muito complexo, eu só não sabia que se tratava do dono da comunidade em que eu morava. Pires, não sabia quem era ele, tampouco havia visto, mesmo morando aqui por anos, afinal, eu mal saía de casa, e tenho poucas amizades aqui.Só algumas conhecidas que moram na rua de casa, com quem eu sentava na calçada no final de uma tarde de domingo junto a minha vó.Minha vó é tudo pra mim, eu nunca contei diretamente a ela o que havia acontecido naquela noite, mas eu sei que ela desconfia do que aconteceu, mas é sensata ao ponto de nem sequer tocar no assunto, pois ela sabe o quanto aquilo me deixava desconfortável.Sinto saudades do meu irmão, ele ainda é menor de idade e minha o proibiu de vir a casa da minha vó desde que soube que eu morava, também proibiu ele de usar as redes sociais para que eu não pudesse trocar qualquer palavra com ele. Faz 4 anos que não o vejo, mas ele está incluso em minhas orações, e que ele possa se livrar de uma mãe narcisista como a nossa.Eu não odeio minha mãe, e eu também a perdoei pelo o que ela fez, mas perdoar uma pessoa não quer dizer que você precisa dela em sua vida novamente, mesmo tendo o mesmo sangue. Eu não preciso dela.E assim é minha vida, nesse momento eu estou quase comendo os dedos de tanto nervosismo. Em poucos minutos estarei cara a cara com meu primeiro cliente, e eu terei que dar o meu melhor.Vai dar certo, Isadora. Confie no seu potencial.Pires 🥋Encaro a porta de aço à minha frente, enquanto ouço as conversas do lado de fora. Eu poderia sair daqui em dois tempo, mas vou deixar eles viverem o momento de glória e acharem que são os fodões. Um erro de cálculo me colocou aqui, e estraçalhou a mão de um parceiro que eu nem sei se tá vivo pra contar história.Encurralado num quarto de poucos metros quadrados, uma cama de concreto com um fino colchão sob ela. As paredes mofadas e com várias assinaturas e nomes de facções. Só havia as grades da porta, nem uma entrada de ar por uma janela. Isso porque ainda estava na delegacia esperando minha transferência para o presídio.— Pires? — Pergunta o delegado que parou de frente pra porta, com as duas mãos dentro do bolso da calça, me olhando com desdém. — Não conheço ninguém com esse nome! — Afirmo, sem quebrar o contato visual que ele mantinha, tentando me intimidar, tem que se esforçar muito ainda.— Me falaram que é você. Comandante da Rocinha e envolvido num assalto a um car
Isadora 🥀Quando eu chego em casa, Frida ainda está dormindo e minha vó sentada na sala me esperando, já estava tarde, mas ela sempre fazia isso, tinha medo do que poderia acontecer comigo no caminho de volta pra casa. Eu também tinha medo, sempre tive, mas se eu deixar esse medo me dominar eu nunca mais saio de casa, e convenhamos que o caminho que eu quero seguir, não é daqueles que trabalham em home off, vou ter que sempre tá saindo de casa para resolver assuntos dos meus clientes.— Como foi lá? — Ela me pergunta, enquanto dou meia volta no sofá e sento para tirar os sapatos.— Foi estranho... Eu ia resolver a situação dele, mas ele quis ser preso, eu disse que ele era meu primeiro cliente. Não sei se não confiou no meu potencial ou está me desafiando, ele disse pra eu voltar daqui quatro meses e defender ele no tribunal quando eu me formar.— E isso não é bom? — Minha vó pergunta entusiasmada.— Talvez, vó. Mas acontece que o Rio de Janeiro é muito grande, eu nem sei para qual s
Pires 🥋Falei com Isadora algumas vezes antes do meu julgamento, porém estava confiante em seu trabalho. Quatro meses trancado sem ter recebido uma sentença, quatro meses longe da comunidade sabendo que tô fazendo falta pra caralho.Quando eu era moleque e vendia bala no sinal, eu via os engravatados passar e pensava que um dia, eu poderia ser igual a eles, mas eu mal tinha oportunidade para estudar, tá ligado? Aquilo ali era o sustento da minha família, então não tinha como eu perder tempo estudando quando eu deveria estar trabalhando para garantir o pão de cada dia. Minha mãe era uma viciada e meu pai, nunca ouvi falar.Éramos 3 irmãos contando comigo, mas todos eram mais novos que eu, então querendo ou não, a responsabilidade inteira caía em cima de mim. Minha mãe não se preocupava em arrumar alimentos para nós, mas minha maior preocupação era minha irmã mais nova, Bárbara. Eu descia cedo e só voltava a noite, e muitas das vezes meus irmãos estavam sozinhos esperando por mim, tiv
Isadora 🥀Do outro lado da calçada, encaro a entrada do tribunal apreensiva. Minhas mãos soam e eu não consigo conter o nervosismo que percorre meu corpo. Primeira audiência que eu participo já formada. Entrei para faculdade com uma bolsa de estudo aos 17 anos, me formei no ensino médio com um ano adiantada, fiz o vestibular e comecei a estudar. Estudei por 3 anos, até acontecer o que aconteceu comigo. Não gosto de lembrar, ainda sinto o peso de cada mão que me tocou, e guardo o rosto de cada um deles. Graças a Deus, eu nunca mais os vi na vida, eu não sei qual seria minha reação se caso batêssemos de frente. Aos 20, parei a faculdade, já tinha desistido de tudo e até mesmo da vida, mas eu tinha uma pessoa que precisava de mim aqui. Frida. Depois de muitas consultas com a psicóloga, consegui voltar e finalmente passar na prova da OAB, e hoje, após uma semana da minha formatura, ao 25 anos, sou uma advogada. Graças a mim e ao o meu esforço, graças a minha vó que nunca desistiu de m
Já do lado de fora do tribunal, algumas pessoas me elogiam pelo primeiro julgamento que eu participo, sinto meu rosto queimar de vergonha, eu não sei lidar com tantos elogios assim. Do outro lado da rua, em meio às movimentações de carros e a euforia do dia, Leonardo tenta falar no telefone com o meu celular, ligando para um amigo vir buscar ele. Suspiro aliviada e com a sensação de dever cumprido, aperto os olhos para evitar que eu chore por isso. Solto o cabelo e passa o mão entre os fios, odeio usar coque, sinto que aperta minha cabeça e eu já estava ficando louca lá dentro. Leonardo se aproxima, olha para a esquerda e direita, e então atravessa a rua vindo em minha direção. Ele sobe na calçada dando um pulinho e estende o celular para mim. Observo o pequeno aglomerado que se forma na frente do tribunal, nem todos tiveram um final feliz hoje. - Então... - Viro para trás, sentindo o olhar de Leonardo queimar em minhas costas - É assim que acaba, vencemos. Foi um prazer ser sua ad
Pires 🥋— Qual o nome do que te drogou? — ela me olha assustada sentada ao meu lado enquanto dirijo. Pressionando a bolsa em seu colo como se quisesse fugir dali. — Não precisa disso. — ela nega com a cabeça — A justiça divina tarda mas não falha. — Aqui não existe isso de justiça divina, olha por quanto tempo tu passou por essa merda e nada aconteceu com eles. Estão vivendo a vida como se nada tivesse acontecido e talvez, fazendo mais vítimas como você. — soco o volante atordoado com tudo aquilo e ela se assusta — Desculpa... Mas porra Isadora, olha para você, toda traumatizada, não suporta que te olhem mais de um minuto, não aguenta o toque de outra pessoa. Quer viver pra sempre assim?— Não, claro que não. Mas matando eles não vai mudar muita coisa Leonardo, para e pensa. — Eu tô pensando porra. Tô pensando em você e nas outras mulheres que passaram por isso e a porra de justiça divina não foi feita. Se você não me dizer o nome dele, juro p
— Não precisa dessa porrada forte mano, o cara já estava amarrado. Tu desmaiou ele no soco! — Carioca fala ao meu lado, enquanto dirijo de volta para o morro. — Isso não foi nem um terço do que vou fazer com ele e os outros arrombados que vão subir logo atrás. Antes de desmaiar o verme na porrada, fiz ele ligar pra cada um deles e marcar lá em cima no alto do morro, playboy engravatado agora subir o morro pra pegar uma branquinha e fazer a mente. Mas se não vier, eu vou atrás, terror nenhum pra mim. — Botou a cara pra bater no meio da rua, cheio de câmera de segurança. — Carioca falando já nervoso e acaba me estressando também — Se tu não era conheci até o momento, pode ter certeza que agora vai ficar. — Vai pesar minha mente mermo? — falo sem tirar o olho da pista e a toda tempo olhando pra ver se safado que sangra no banco do meu carro, não acordou — Tô pouco me fudendo se agora vou ficar conhecido. Mas agora não vai ser por assalto a carro forte, será por exterminador de jack,
Isadora 🥀Depois do dia de ontem, eu acordei com uma dor de cabeça insuportável. Muita coisa para processar rapidamente, sem falar que nunca na minha vida, um homem me trouxe na porta de casa ainda mais de carro. E como eu havia contado tudo do que aconteceu para Leonardo, eu tive que me abrir para minha vó. Ela esperou por esse dia por tantos anos, o tanto que ela chorou e eu chorei junto, não tá escrito. Mas de certa forma foi até bom, caramba, parece que uma tonelada saiu de cima das minhas costas, guardar um acontecimento como esse durante tantos anos, estava acabando comigo, literalmente. O meu psicológico ainda está um pouco abalado, acho que esse receio vai viver comigo pelo resto da vida. É inevitável. Porém, ontem tive uma conversa tão gostosa com minha vó, onde ela me deu tantos conselhos, para eu me abrir a novas amizades mas não confiar nelas, me permitir conhecer novas pessoas, nem todo mundo é um filho da puta. Olho para Frida que ai