Pires 🥋
Falei com Isadora algumas vezes antes do meu julgamento, porém estava confiante em seu trabalho. Quatro meses trancado sem ter recebido uma sentença, quatro meses longe da comunidade sabendo que tô fazendo falta pra caralho.Quando eu era moleque e vendia bala no sinal, eu via os engravatados passar e pensava que um dia, eu poderia ser igual a eles, mas eu mal tinha oportunidade para estudar, tá ligado? Aquilo ali era o sustento da minha família, então não tinha como eu perder tempo estudando quando eu deveria estar trabalhando para garantir o pão de cada dia. Minha mãe era uma viciada e meu pai, nunca ouvi falar.Éramos 3 irmãos contando comigo, mas todos eram mais novos que eu, então querendo ou não, a responsabilidade inteira caía em cima de mim. Minha mãe não se preocupava em arrumar alimentos para nós, mas minha maior preocupação era minha irmã mais nova, Bárbara.Eu descia cedo e só voltava a noite, e muitas das vezes meus irmãos estavam sozinhos esperando por mim, tive que amadurecer rápido demais porque eu tinha pessoas que dependiam de mim para tudo e essas pessoas, eram meus irmãos. Eu não tive infância, sempre trabalhei duro, pra ter o que comer dentro de casa, e minha mãe, nem se importava. Eu nunca chegava em casa com dinheiro, sempre gastava tudo antes de chegar em casa porque sabia que minha mãe pegaria. Ela vivia trocando feijão, arroz, e tudo que eu me esforçava pra comprar, por drogas.Aos meus 17 anos, voltei a estudar, fui aprender a ler só com essa idade e consegui me formar. Nessa época, minha mãe já morava na rua e eu cuidava dos meus irmãos, além de trabalhar, não era muito, mas finalmente tínhamos o que comer dentro de casa que não fosse a miséria.Até que um dia chegando do curso que eu fazia, queria ser advogado também, encontrei a casa toda revirada e Bárbara machucada, minha mãe havia ido até lá e procurado por dinheiro para sustentar seu vício, mas como não encontrou, agrediu minha irmã. Meu sangue ferveu, eu dava duro pra cuidar dela pra minha mãe simplesmente fazer aquilo com a própria filha. Eu sabia exatamente onde ela dormia, então, esperei a madrugada chegar, tirei a gasolina da moto que eu trabalhava de mototáxi durante o dia, coloquei em um galão e catei um isqueiro.Ela estava deitada do lado de uma barraca feita por um lençol branco, a rua estava deserta devido ao horário, e para minha sorte, ela estava sozinha. Não pensei muito nas minhas consequências diante do ato, o que eu não poderia permitir era ela entrar na nossa casa, roubar nossa comida e ainda espancar meus irmãos.Pela vida que ela me proporcionava, eu nunca senti aquele zelo e amor de mãe, ela via a gente mais como um peso em sua vida, o que eu fiz, diante dos olhos de muitos que se julgam os donos da razão, é errado, pecado e eu vou para o inferno. Se minha condenação for passar a eternidade nas profundezas do inferno por ter matado ela antes dela ter matado a gente, que seja, desço tranquilo e ainda abraço o capeta.Então se eu não consegui realizar meu sonho, vou deixar que a dona realize o dela. Minha vida está toda errada, do início ao fim, mas se eu tiver que fazer a coisa certa na hora certa, eu faço.Meus irmãos hoje em dia mal falam comigo pelo o que aconteceu, mas também não julgo, era a mãe deles também, po. Mas antes ela do que nós, tá ligado?Encosto a cabeça na parede sentindo o ar penetrar meus pulmões, o tempo aqui dentro passa devagar, e minutos sem transformam em horas, teste de resistência parceiro. Só os fortes continuam, e os fracos morrem sem tentar.— Seu julgamento é por esses dias, irmão? — Rogério, um parceiro de cela me pergunta.— Falaram né, mano. Mas pelo visto eles gostam da minha presença aqui. Tô no aguardo da boa, po.— Com fé tu sai, po. Tem crime nenhum na tua ficha, né não? — coço a cabeça sentindo o celular vibrar no meu bolso.— Só desacato, mas isso aí não em nada. Eles estão tentando achar prova de que eu estava envolvido naquele assalto.— E tu tava? — fecho a cara na hora e olho pra ele que está deitado, com o braço por cima da testa me encarando.— se liga mas não se envolve, demorou? — me levanto tirando a mancha da parede que fica em meu braço, qualquer dia desses essa cela desmonta com todo mundo dentro, vai vendo. — fugia os guardinha aí, tenho que dar um confere no radinho.Vou atrás da parede que divide o que eles chamam de banheiro, com o quarto, e me baixo ali desbloqueando o celular. Pra conseguir um aqui dentro, é muito fácil, basta está disposto a pagar quase mil reais em um celular que só manda mensagens e mal faz ligação. Mas eu precisava, vou fazer o que.Mensagem da Isadora, já logo abro o sorriso no automático.Isadora: Leonardo? Quando puder, me liga. (13:47)Ligo pra ela que chama uma pá de vez até ela atender, com a respiração pesada.Pires: e aí, doutora? Tem notícia boa pra mim?Isadora: cheguei no tribunal agora pouco. Pronto para sair desse buraco?Pires: Po... — encosto na parede com os olhos fechados, e suspiro aliviado. — não vejo a hora de sair daqui.Isadora: Encontro com você na quarta, por favor, não se meta em confusões até lá. Promete isso pra mim?Pires: Ae Isadora!Isadora: Sim?Pires: Tu é firmeza, mina. Quero está presente quando tu conquistar esse mundão todo.Isadora: obrigado por confiar em ser o meu primeiro cliente. Lembrarei sempre do que está fazendo por mim.Pires: Esse é só o começo da sua trajetória.Isadora 🥀Do outro lado da calçada, encaro a entrada do tribunal apreensiva. Minhas mãos soam e eu não consigo conter o nervosismo que percorre meu corpo. Primeira audiência que eu participo já formada. Entrei para faculdade com uma bolsa de estudo aos 17 anos, me formei no ensino médio com um ano adiantada, fiz o vestibular e comecei a estudar. Estudei por 3 anos, até acontecer o que aconteceu comigo. Não gosto de lembrar, ainda sinto o peso de cada mão que me tocou, e guardo o rosto de cada um deles. Graças a Deus, eu nunca mais os vi na vida, eu não sei qual seria minha reação se caso batêssemos de frente. Aos 20, parei a faculdade, já tinha desistido de tudo e até mesmo da vida, mas eu tinha uma pessoa que precisava de mim aqui. Frida. Depois de muitas consultas com a psicóloga, consegui voltar e finalmente passar na prova da OAB, e hoje, após uma semana da minha formatura, ao 25 anos, sou uma advogada. Graças a mim e ao o meu esforço, graças a minha vó que nunca desistiu de m
Já do lado de fora do tribunal, algumas pessoas me elogiam pelo primeiro julgamento que eu participo, sinto meu rosto queimar de vergonha, eu não sei lidar com tantos elogios assim. Do outro lado da rua, em meio às movimentações de carros e a euforia do dia, Leonardo tenta falar no telefone com o meu celular, ligando para um amigo vir buscar ele. Suspiro aliviada e com a sensação de dever cumprido, aperto os olhos para evitar que eu chore por isso. Solto o cabelo e passa o mão entre os fios, odeio usar coque, sinto que aperta minha cabeça e eu já estava ficando louca lá dentro. Leonardo se aproxima, olha para a esquerda e direita, e então atravessa a rua vindo em minha direção. Ele sobe na calçada dando um pulinho e estende o celular para mim. Observo o pequeno aglomerado que se forma na frente do tribunal, nem todos tiveram um final feliz hoje. - Então... - Viro para trás, sentindo o olhar de Leonardo queimar em minhas costas - É assim que acaba, vencemos. Foi um prazer ser sua ad
Pires 🥋— Qual o nome do que te drogou? — ela me olha assustada sentada ao meu lado enquanto dirijo. Pressionando a bolsa em seu colo como se quisesse fugir dali. — Não precisa disso. — ela nega com a cabeça — A justiça divina tarda mas não falha. — Aqui não existe isso de justiça divina, olha por quanto tempo tu passou por essa merda e nada aconteceu com eles. Estão vivendo a vida como se nada tivesse acontecido e talvez, fazendo mais vítimas como você. — soco o volante atordoado com tudo aquilo e ela se assusta — Desculpa... Mas porra Isadora, olha para você, toda traumatizada, não suporta que te olhem mais de um minuto, não aguenta o toque de outra pessoa. Quer viver pra sempre assim?— Não, claro que não. Mas matando eles não vai mudar muita coisa Leonardo, para e pensa. — Eu tô pensando porra. Tô pensando em você e nas outras mulheres que passaram por isso e a porra de justiça divina não foi feita. Se você não me dizer o nome dele, juro p
— Não precisa dessa porrada forte mano, o cara já estava amarrado. Tu desmaiou ele no soco! — Carioca fala ao meu lado, enquanto dirijo de volta para o morro. — Isso não foi nem um terço do que vou fazer com ele e os outros arrombados que vão subir logo atrás. Antes de desmaiar o verme na porrada, fiz ele ligar pra cada um deles e marcar lá em cima no alto do morro, playboy engravatado agora subir o morro pra pegar uma branquinha e fazer a mente. Mas se não vier, eu vou atrás, terror nenhum pra mim. — Botou a cara pra bater no meio da rua, cheio de câmera de segurança. — Carioca falando já nervoso e acaba me estressando também — Se tu não era conheci até o momento, pode ter certeza que agora vai ficar. — Vai pesar minha mente mermo? — falo sem tirar o olho da pista e a toda tempo olhando pra ver se safado que sangra no banco do meu carro, não acordou — Tô pouco me fudendo se agora vou ficar conhecido. Mas agora não vai ser por assalto a carro forte, será por exterminador de jack,
Isadora 🥀Depois do dia de ontem, eu acordei com uma dor de cabeça insuportável. Muita coisa para processar rapidamente, sem falar que nunca na minha vida, um homem me trouxe na porta de casa ainda mais de carro. E como eu havia contado tudo do que aconteceu para Leonardo, eu tive que me abrir para minha vó. Ela esperou por esse dia por tantos anos, o tanto que ela chorou e eu chorei junto, não tá escrito. Mas de certa forma foi até bom, caramba, parece que uma tonelada saiu de cima das minhas costas, guardar um acontecimento como esse durante tantos anos, estava acabando comigo, literalmente. O meu psicológico ainda está um pouco abalado, acho que esse receio vai viver comigo pelo resto da vida. É inevitável. Porém, ontem tive uma conversa tão gostosa com minha vó, onde ela me deu tantos conselhos, para eu me abrir a novas amizades mas não confiar nelas, me permitir conhecer novas pessoas, nem todo mundo é um filho da puta. Olho para Frida que ai
Ele estaciona o carro em frente à escola de Frida, enquanto as outras crianças entram com seus pais, outros a van que trás. Sinto uma pontada em meu estômago e me lembro do café, as vezes eu me esqueço e até mesmo a minha vó esquece, e eu acabo tomando e sofro o dia todo com dor no estômago. Mas eu não tomo mais de propósito. — Tá sentindo o que? — Leonardo pergunta enquanto encara minha feição de dor, não é insuportável, mas é forte. — Tenho alergia a café. E tomei hoje, acabei me esquecendo. — Toma cuidado com isso. — Afirmo com a cabeça e ele olha para trás, onde Frida estava sentada observando o carro inteiro e sorrindo — Ei, pequena! — Ele chama sua atenção e ela desvia o olhar para ele — consegue mostrar pro tio qual deles fica implicando contigo?— Leonardo, não. São só crianças! — O repreendo. — Mas é assim que começa, aos cinco anos está implicando, aos dez passando a mão achando que é legal, e depois só Deus sabe onde vai parar. Então Isadora, sim. Sempre bom cortar o ma
Ps: Alerta de gatilho. Pires 🥋Elas estão abraçadas faz alguns minutos, que eu sinto meu estômago embrulhar vendo Isadora chorar mais uma vez, não faço a mínima ideia de que porra está acontecendo, porque minha vó não para de pedir desculpas a ela e até agora não sei o motivo. — Me desculpa mesmo, eu queria poder ter ficado com você aquele dia. Eu sentia que você precisava de alguém naquele momento, mas eu não pude ficar. — Minha vó fala com Isadora, enquanto passa as mãos em seu rosto. — A senhora não teve culpa. Mas salvou minha vida naquele dia. Muito obrigada, eu não sei o que teria acontecido se não tivesse me encontrado. — Encontrado onde? — Pergunto e a atenção das duas voltam para mim, porque até o momento, o mundo parecia ter se desligado e era como se existisse somente as duas. — Eu fui deixava no matagal para morrer, mas milagrosamente consegui me arrastar até o viaduto, mesmo droga e com a perna quebrada. — Sinto um nó na minha garganta com suas palavras — Sua avó fo
Isadora 🥀Ligo pra minha vó pegar Frida na escola, já está quase na hora dela sair e a vó de Leonardo me segurou mesmo na conversa, mas aí ela me disse que tinha homens armados na porta da escola e que era pra voltar depois para pegar as crianças, quando isso acontecia, eu já sabia que coisa boa não era. Suspiro fundo prendendo meu cabelo, enquanto a vó de Leonardo já encheu minha barriga com todas as coisas gostosas possíveis, casa de vó é sempre assim, né?— Agora você mora com sua vó? — ela me pergunta enquanto enche uma xícara de café e estende para mim. — Sim, eu, ela e minha menina. A porta da sala se abre e Leonardo passa por ela eufórico, mas seu semblante se acalma quando bate o olhos em mim. — Vou só tomar um banho, daí já te levo pra casa. Pode ser? — Seu olhar direciona a mim e eu afirmo com a cabeça — Ela não toma café, vó. É alérgica! — ele fala e sai, em direção a outro cômodo. — Sério?— Sim, descobrir depois de quase morrer quando criança. Tive choque anafiláti